3 de setembro de 2018

É BOM ESTAR AQUI!



Reviver a magia da África é uma experiência sempre nova.

Escrevo este apontamento em Moçambique na festa da Transfiguração do Senhor. Regressei à Pérola do Índico vinte e oito anos depois. Em 1990, vim participar na ordenação do P.e Xavier Dias e encontrei o país moribundo, à beira do colapso, esgotado pela guerra civil.

Desta vez vim para orientar dois retiros às missionárias e aos missionários combonianos. Como o meu coração se alegrou ao ver a vaga de bem-estar e de desenvolvimento em Maputo, Nampula, Nacala, Beira e Chimoio!

As cidades estão a ser recuperadas e a expandir-se para novos territórios, as estradas estão muito melhores – pelo menos os corredores da Beira e de Nacala –, os comboios voltam a circular, carregando carvão de Tete para Nacala e Beira e daí para a China, Índia e outros países.

As novas riquezas – o carvão e gás natural – trouxeram capital fresco e muita corrupção, juntamente com o tráfico de droga (a segunda fonte de divisas do país) da Ásia para os mercados da África do Sul e da Europa.

Voltar à África, voltar a Moçambique é uma bênção enorme para mim porque pude:
  • voltar a ser despertado pelos galos e pelo chilrear da passarada e viver devagar ao ritmo do Sol e sem internet; 
  • caminhar pelas veredas, cumprimentar as pessoas, sentir o sol e o vento a afagar-me a pele, ouvir os pássaros, reparar nas flores minúsculas, nos insectos, escutar o silêncio cheio de vida, o silêncio de Deus; 
  • ver a terra areosa ou castanha-avermelhada prenhe de feijão, mandioca, cana-de-açúcar, banana, café, ananás e batata-doce e as hortas cheias de verduras frescas e variadas; 
  • voltar a viver a hospitalidade do sorriso acolhedor, da palavra quente, do feijão cozido oferecido e aceite com a devoção de um gesto eucarístico; 
  • rezar na valeta da estrada onde a Irmã Teresa Pezze e o Irmão Alfredo Fiorini regaram a terra macua com o seu sangue de mártires da guerra civil no intervalo de oito anos; 
  • visitar o cemitério de Carapira para saudar os meus avós e irmãos na vocação lá sepultados: o P.e Emílio Franzolin, a Ir. Teresa Pezze e outras missionárias e missionários que deram a sua vida até ao fim ao povo macua, e a Ir. Luísa Manuel, jovem comboniana moçambicana que morreu num acidente de viação no Brasil; 
  • saborear o que a terra dá: batata-doce, mandioca, feijão, chima (papas de farinha de milho), galinha boa, carne gostosa, hortícolas frescos, papaias, laranjas, tangerinas, limões, cocos, amendoim, caju, piripíri de respeito – tudo produzido com uma pegada ecológica mínima; 
  • ler tranquilo debaixo de um pé de manga; 
  • assistir ao nascer e pôr-do-sol, ver o céu a acender-se devagar, escutar a hora mágica das cigarras; 
  • mergulhar nas águas cálidas do Índico com praias imensas, de areia branca emolduradas por coqueiros a acenar ao vento; 
  • voltar a sentir o orvalho frio do cacimbo no planalto de Chimoio; 
  • contemplar a beleza do planalto e sentir-me levado nas asas da memória mais a norte para paisagens similares no Sul da Etiópia, onde também fui muito feliz. 

Senhor, eu te bendigo pela magia da Mãe África, o seio ferido da humanidade, o Éden onde foi plasmado o género e génio humano.

1 comentário:

Maria do Carmo disse...

'As novas riquezas – o carvão e gás natural – trouxeram capital fresco e muita corrupção, juntamente com o tráfico de droga (a segunda fonte de divisas do país) da Ásia para os mercados da África do Sul e da Europa.'

Com o passar do tempo e talvez muito mais rápido do que seria de desejar, devido mesmo a este teu parágrafo que coloquei como premissa, toda a beleza e vida que tão bem descreveste, se alterará. Com muito de paradoxal.
Um obrigado grande pela descrição e partilha, ajudam-me a alimentar o sonho do regresso. Além de anunciarem belezas verdadeiras por estes lados há muito esquecidas e até vistas como não valores.