27 de maio de 2017

NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO

A família comboniana celebra a Memória da Bem-aventurada Virgem Maria «Nossa Senhora do Sagrado Coração» no último sábado de maio.

São Daniel Comboni tinha uma grande devoção por Nossa Senhora e invocava-a sobretudo como Nossa Senhora do Sagrado Coração, «novo e glorioso título» como escreve no Ato de consagração de novembro de 1875. A expressão aparece pelo menos 25 vezes em Escritos, o grosso volume que reúne grande parte da correspondência do fundador.

Nós, família comboniana, herdamos esta dimensão do carisma e celebramo-la no último sábado de maio para estar com Maria através do coração mariano de São Daniel Comboni. Nesta reflexão uso sobretudo três textos: Consagração da Nigrícia a Nossa Senhora de La Salette, na França (a 26 de julho de 1868), Carta pastoral para proclamar a consagração do Vicariato a Nossa Senhora do Sagrado Coração (de 28 de outubro de 1875) e Ato de consagração a Nossa Senhora do Sagrado Coração (de novembro de 1875).



1. Ladainha comboniana

Os Escritos de Daniel Comboni são uma enorme experiência mariana. Comboni acarinhou a Mãe do Céu com inúmeros títulos cheios de ternura. Formam uma verdadeira ladainha missionária comboniana: advogada nossa, advogada mais eloquente que todos os anjos e santos, advogada das causas mais difíceis e desesperadas, chave mística do Coração adorável de Jesus, concerto público e geral de todas as criaturas, conforto precioso do missionário, conforto dos aflitos, coração trespassado, despenseira generosa dois tesouros de graça do Coração de Cristo, domicílio do Eterno Divino Filho, dona do Sagrado Coração de Jesus, elogio universal de todos os seres, esperança dos desesperados, esperança dos pecadores, estandarte da fé, estrela da manhã de luz para os negros, estrela de Jacob, filha predileta do Eterno Pai, filha do Altíssimo, filha do rei David, filha primeira de Eva, guia nas viagens, íris de paz e de reconciliação, luz dos errantes, luz nas trevas, mãe, mãe amorosa, mãe bondosa, mãe bondosa de misericórdia, mãe dolorosa, mãe minha, mãe nossa, mãe venturosa, mãe divina de Deus de Cristo, mãe nossa junto do Coração de Jesus, mãe dos africanos, mãe dos apóstolos, mãe mais amorosa de todas as mães, mãe do bom conselho, mãe da consolação, mãe e rainha da Nigrícia, mãe do vicariato da África Central, mãe piíssima, Maria omnipotente, mestra nossa nas dúvidas, milagre da omnipotência divina, morada inefável do Eterno Divino Espírito, mulher sem mancha, Nossa Senhora do Sagrado Coração, omnipotência suplicável, perpétuo panegírico de todos os séculos, porto dos em perigo, prodígio da graça de Deus, rainha da África, rainha dos anjos, rainha dos apóstolos, rainha dos céus, rainha dos céus e da terra, rainha e mãe dos pobres negros, rainha piedosa da Nigrícia, rainha do Sagrado Coração, reconciliadora dos pecadores, refúgio dos pecadores, refúgio dos pobres, regeneradora do género humano, saúde e fortaleza nas enfermidades, sede da sabedoria, Senhora do Sagrado Coração de Jesus, soberana augusta do Coração de Jesus, sol no meio das trevas, tudo para nós depois de Jesus, virgem bendita, virgem que antes de todas levantastes o estandarte da virgindade, virgem do perdão e da salvação, virgem da reconciliação, virgem divina, virgem imaculada, vitoriosa e Imaculada Mãe de Deus.



2. A pérola negra no diadema da Mãe de Deus
Comboni tinha um sonho: que a Nigrícia do seu coração brilhasse como pérola negra no diadema na cabeça da Imaculada: «Que no diadema ornado de celestiais gemas que cingem a augusta cabeça da Vitoriosa e Imaculada Mãe de Deus, resplandeça o povo dos negros, já conquistado para Cristo, como uma pérola morena», escreve Comboni na petição em favor dos negros da África Central apresentada a 24 de junho de 1870 aos padres do Concílio Vaticano I (E 2314).

Um dos grandes problemas que afligia o coração de pai e pastor de Daniel Comboni era a escravatura. Ele trabalhou incansavelmente com as autoridades civis para abolir tal flagelo. E contava com a intercessão da Virgem Santa Maria nessa cruzada humanitária: «Só a fé de Cristo implantada no centro da África e os Sagrados Corações de Jesus, de Maria Imaculada e de S. José, mais que a rainha da Inglaterra e o Tratado de Paris de 1856, abolirão a escravidão» (E 3250), escreve com fé Comboni de El Obeid, no Sudão, a um padre trentino a 24 de julho de 1873.

Hoje as escravidões são outras mas os Corações de Jesus e de Maria e São José continuam com a mesma força. Temos que lhes recordar os povos sofredores do Sudão do Sul, dos Montes Nubas – gente amada por Comboni, da República Democrática do Congo, da República Centro-Africana, da Síria, do Iraque, do Iémen, do Egito e de tantos outros países. Somos um povo sacerdotal, gente que faz a ponte entre Deus e os seus filhos e filhas, através da oração de intercessão ao jeito de São Daniel Comboni.

Todos enfrentamos dificuldades, problemas, desalentos, medos… A vida também é feita disso! Mas Comboni sabia onde estava a sua força: «As cruzes são inevitáveis; inimigos suscitados pelo dragão do abismo havê-los-á sempre; teremos que sofrer muito. Mas Deus, a sua graça e a Virgem Imaculada serão suficientes contra tudo e estarão sempre connosco» (E 1472).

Comboni tinha uma confiança imensa na Mãe do Céu. O ato de consagração a Nossa Senhora do Sagrado Coração que depois vamos rezar é prova disso. Ele consagrou o seu Vicariato a 14 de Setembro de 1873 ao Coração de Jesus.

«Recordais que as esperanças que então concebemos de que se nos depararia uma nova era de graça e de bênçãos e de que para nós e para os mais de cem milhões de infiéis do nosso laborioso vicariato se abririam os tesouros da piedade e misericórdia deste adorabilíssimo Coração», escreveu na carta circular a anunciar a consagração do Vicariato à Senhora do Sagrado Coração (E 3990). Porque «Maria abre esse Coração e nada o pode fechar; fecha-o e ninguém o pode abrir» (E 3992). Esta era a sua confiança de filho. Ele chama-lhe «chave mística do Coração adorável de Jesus» e pergunta «Se Nossa Senhora é a chave mística do Coração de Jesus, não quererá ela dar acesso aos infinitos tesouros desse Coração adorável a estas almas abandonadas dos descendentes de Cam?» (E 3996).

Outra oração linda de Comboni é esta prece que inseriu na Homilia de Cartum de 11 de maio de 1873 onde muitas missionárias e missionários continuam a beber inspiração. Ele chama a Nossa Senhora piedosa rainha da Nigrícia, Mãe amorosa do seu vicariato, protetora, guardiã e guia, Mãe de Deus, apressadora da hora da África, aplanadora de obstáculos, preparadora dos corações e promotora de vocações.

Também hoje lhe rezamos com as mesmas palavras de há 143 anos: «E agora é a vós a quem me dirijo, ó piedosa Rainha da Nigrícia, e, aclamando-vos como Mãe amorosa deste vicariato apostólico da África Central entregue aos meus cuidados, atrevo-me a suplicar-vos que nos recebais solenemente sob a Vossa proteção a mim e a todos os meus filhos, para que nos guardeis do mal e nos dirijais para o bem. Ó Maria, Mãe de Deus, o grande povo dos negros dorme ainda na sua maior parte nas trevas e sombras da morte: apressai a hora da sua salvação, aplanai os obstáculos, dispersai os inimigos, preparai os corações e enviai sempre novos apóstolos a estas remotas regiões tão infelizes e necessitadas» (E 3162-3163).

Comboni sabe que a Mãe do Céu caminha connosco, é a mãe sempre presente.



3. Oração vocacional

Nesta oração de Comboni o que mais me tocou foi a dimensão vocacional da intercessão de Maria: «enviai sempre novos apóstolos a estas remotas regiões tão infelizes e necessitadas».

A oração de Comboni é hoje a oração da família comboniana. Temos todos que implorar ao Senhor da seara que envie operários para a grande colheita da salvação.

«Jesus percorria as cidades e as aldeias, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e doenças. Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor. Disse, então, aos seus discípulos: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe”» (Mateus 9, 35-38).

Este ano é um ano comboniano. Celebramos os 150 anos da fundação do Instituto comboniano. Daniel Comboni iniciou a 1 de junho de 1867 o Instituto para as missões da Nigrícia. A 30 de abril recordámos os 70 anos da chegada dos combonianos a Portugal. As celebrações jubilares fazem-se em tempos de míngua vocacional. A média de idades dos combonianos em Portugal é de mais de 66 anos.

Rezar pelas vocações é rezar para que a preocupação de São Daniel Comboni de salvar a África com a África continue. Mas a queda no número de vocações não nos deve desanimar. Comboni repetia que os seus institutos, o seu trabalho são obra de Deus. Deus é quem manda! Nós participamos como família comboniana na missão de Deus.

Por outro lado, Comboni chama ao seu instituto três vezes cenáculo de apóstolos (E 2622, 2648, 4088). Nas Regras de 1871 escreve: «Este Instituto torna-se, pois, como um pequeno cenáculo de apóstolos para a África, um ponto luminoso que envia até ao centro da Nigrícia tantos raios quantos os solícitos e virtuosos missionários que saem do seu seio. E estes raios, que juntos resplandecem e aquecem, revelam necessariamente a natureza do centro de onde procedem» (E 2648).

Dois elementos sobressaem nesta definição: O Instituto é um pequeno cenáculo de apóstolos para a África (e agora para a Ásia e as Américas). A sua função? Ser um ponto luminoso apontado ao coração da África e do mundo enviando missionários virtuosos que juntos resplandecem e aquecem – sem perder a sua identidade mas iluminando juntos como as lâmpadas LED.

Por isso, ao celebrarmos a memória de Nossa Senhora do Sagrado Coração queremos rezar ao Senhor da seara e da colheita: «Enviai sempre novos apóstolos a estas remotas regiões tão infelizes e necessitadas».

Amém.

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