1. O ACONTECIMENTO DE FÁTIMA
As aparições de Nossa Senhora aos três pastorinhos foram preparadas com três aparições do Anjo de Portugal e da Paz em 1916: na primavera na Loca do Cabeço; no verão junto ao Poço do Arneiro numa propriedade dos pais da Lúcia e em outubro de novo na Loca do Cabeço.
Lúcia recorda que o anjo lhes disse na segunda aparição: «Orai, orai muito. Os corações santíssimos de Jesus e de Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia».
O anjo ensinou-lhes duas as orações: «Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e não Vos amam» e «Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores.»
Na última aparição também lhes deu a comunhão.
Nossa Senhora apareceu pela primeira vez a Lúcia (10 anos) e aos manos Francisco (9 anos) e Jacinta (7 anos) a 13 de maio e pediu-lhe que viessem àquele lugar e àquela hora cada dia 13 durante seis meses.
As aparições de Fátima redimiram o número 13: para muitos é o número do azar; agora é número santo, o número da Senhora de Fátima. A Mãe apareceu-lhes a 13 de maio, junho, julho, setembro e outubro. A 13 de agosto as autoridades prenderam os pastorinhos e a Senhora apareceu-lhes nos Valinhos a 19 de agosto.
As aparições deram-se num contexto dramático: em Portugal vivia-se a crise política, religiosa e social profunda da primeira república (1910-1926). A Europa vivia os horrores da primeira grande guerra (1914-1918) com o uso de armas químicas e matanças de soldados em massa. Por isso, a mensagem de Fátima é uma mensagem de misericórdia e de paz.
A última aparição, a 13 de outubro, foi presenciada por cerca de 70 mil pessoas que viram o milagre do sol. Termina com a visão da Sagrada Família a abençoar o mundo.
Através das aparições de Nossa Senhora, Deus faz-se proximidade misericordiosa que quer que todos de salvem num ambiente de angústia e incerteza, do mal e do pecado através do convite à conversão, oração e penitência.
«Fátima impôs-se à Igreja», disse o cardeal Manuel Cerejeira, patriarca de Lisboa.
A primeira capelinha foi construída na Cova da Iria em 1919. Foi dinamitada a 6 de março de 1922 e reconstruída e consagrada a 13 de janeiro de 1923.
Entretanto, Francisco faleceu em 1919 e Jacinta em 1920, ambos vítimas da gripe espanhola. Lúcia iniciou a formação no Instituto das Doroteias em 1921. Testemunhou mais três aparições em Tuy e Pontevedra (Espanha) em 1925, 1926 e 1929. Na última, em Tuy viu escrito ao lado do crucificado as palavras Graça e Misericórdia.
A 13 de outubro de 1930, 13 anos depois da última aparição, o bispo D. José Alves Correia da Silva de Leiria declara as aparições aos pastorinhos dignas de crédito e autoriza o culto de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
A primeira peregrinação nacional deu-se a 13 de maio de 1931: Portugal foi consagrado ao Coração de Maria. A 31 de outubro de 1942, Pio XII consagrou-lhe o mundo.
A basílica da Senhora do Rosário foi consagrada a 7 de outubro de 1953.
A 13 de maio de 1967 Paulo VI visita Fátima no âmbito dos 50 anos das aparições. João Paulo II esteve três vezes em Fátima 12 e 13 de maio de 1982 (um ano após o atentado em São Pedro), 12 e 13 de maio de 1991 (depois da queda do muro de Berlim) e 12-13 de maio de 2000 para beatificar Francisco e Jacinta. Bento XVI esteve em Fátima em maio de 2010. O Papa Francisco está entre nós a 12 e 13 de maio para marcar o centenário e canonizar os dois pastorinhos.
2. DOM E CONVITE DA MENSAGEM
A mensagem do acontecimento de Fátima «é essencialmente um dom inefável de graça, misericórdia, esperança e paz, que nos chama ao acolhimento e ao compromisso. Esta interpelação à Igreja a que responda ao dom misericordioso de Deus está profundamente vinculada aos dramas e tragédias da história do século XX, mas conserva ainda a mesma força e exigência para os crentes do nosso tempo», recordam os bispos portugueses (nº 2), uma espiritualidade militante que nutre «a conversão espiritual, pastoral, missionária» (nº 3).
O nosso coração é grande campo de batalha entre o bem e o mal. Jesus desafia-nos a uma «guerra santa» contra o mal que tende a tomar conta de nós. Vivemos numa cultura que inflaciona o «eu», marcada pelo individualismo globalizado, pelo narcisismo e a autorreferencialidade. Vivemos literalmente dobrados sobre o nosso umbigo.
A Senhora convida-nos à oração (recentrar-nos em Deus), conversão (mudar da mente para o coração, deixar de fazer o mal para fazer o bem) e ao sacrifico (um ato de solidariedade).
Os bispos portugueses recordam que o Coração Imaculado de Maria revela o coração misericordioso da Trindade: «na Virgem Maria, no seu coração materno, transparece a vontade misericordiosa de um Deus Trindade que não é indiferente à situação das suas criaturas, que não abandona o pecador na sua culpa, que não esquece os desgraçados no seu sofrimento, que não ignora as vítimas e os excluídos, que sempre oferece o seu perdão e a sua consolação, que abre sempre a porta da esperança, quando os seres humanos se fecham no seu egoísmo ou na sua inconsciência.» (nº 10).
O Papa João Paulo II referiu que Fátima é um dos sinais dos tempos: um falar de Deus que o revela como pai clemente e compassivo.
Por outro lado, o Papa Bento disse que Fátima é a mais profética das aparições modernas.
É necessário notar que com o afastamento de Deus da vida pública sucederam-se os regimes mais mortíferos: o nazismo, o comunismo e a globalização financeira que fizeram e fazem milhões de vítimas.
O apelo à conversão e à penitência podem ser entendidos hoje como um convite a uma vida mais sóbria, menos consumista para protegermos os mais fracos e o meio ambiente. Fátima convida-nos a regressar à palavra que abre o anúncio de Jesus: CONVERTEI-VOS (Marcos 1, 15) passando da nossa cabeça ao coração de Deus através do bem-fazer.
Fátima convida-nos a colaborar com os desígnios de misericórdia. «Quereis oferecer-vos a Deus?», perguntou Maria aos pastorinhos a 13 de maio. Esta oferta a Deus em ato de reparação desafia-nos a passar de uma perspetiva mais intimista e julgadora a um compromisso com os mais pobres.
«A urgência das necessidades dos outros reclamava a penitência, o sacrifício e a reparação. O sacrifício do cristão só pode ser vivido a partir da oração e como oração», sublinham os bispos no nº 12.
É interessante notar a ligação entre o sacrifício e a oração, o sacrifico como oração, como mergulhar no mistério de Deus que está totalmente separado de si para nos acolher a todos.
Não posso rezar sem ter presente o outro – o mais necessitado – na minha oração. Recordamos que um paralítico foi curado por Jesus porque os seus amigos o levaram e tiveram o trabalho de escavar o teto da casa onde estava Jesus para descerem o amigo (Marcos 2, 1-12).
Lúcia dizia que os pastorinhos não podiam ir para o Céu felizes sozinhos. Por isso os bispos escrevem: «Neste caminho de purificação pessoal para a solidariedade está presente uma espiritualidade que aprofunda as suas raízes no núcleo do mistério cristão. Esta espiritualidade educa-se e concretiza-se em práticas que alimentam a atitude teologal e a identificação com Cristo: na Eucaristia, em que Cristo se faz sacramentalmente presente, e na oração do Rosário, em que Ele se faz narrativamente presente na meditação dos seus mistérios» (nº 12).
3. FUTURO DE FÁTIMA
Fátima é uma mensagem mística e profética que clama conversão e compromisso num mundo marcado pelo conflito e pelo confronto. A espiritualidade da religiosidade popular que carateriza Fátima é caminho para Deus que não é inimigo mas fonte de esperança e humanização.
Vimos a Fátima em peregrinação. «Peregrinar, caminhar juntos, leva-nos a sair de nós próprios e a abrirmo-nos aos outros, escutando-os e partilhando a própria existência, com o espírito missionário e sinodal que se espera hoje da Igreja» escrevem os bispos (nº 13).
Maria não fica indiferente ao nosso peregrinar. «A Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa mãe, sai ao encontro dos seus filhos peregrinos a partir da glória da ressurreição de seu filho Jesus, para lhes oferecer consolação, estímulo e alento», notam os bispos (nº 3).
Por outro lado, Maria é o caminho até Jesus, não o fim da nossa devoção. Há uma dimensão cristológica muito forte em Fátima. Foi Francisco que o expressou: «Do que mais gostei foi de ver a Nosso Senhor, naquela luz que a Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus» (nº 9).
O verdadeiro milagre de Fátima é que nos sentimos bem nesta «casa maternal» como lhe chamou o Papa Bento onde nos sentimos «acolhidos, compreendidos, consolados, perdoados, reconfortados e renovados. O Santuário de Fátima converteu-se no coração espiritual de Portugal» (nº 4).
Fátima impõe-nos uma tarefa: não cairmos na indiferença diante de tanto sofrimento que nos chega a casa disfarçados como «espetáculo» através das televisões sensacionalistas e que nos cansa.
«O meu Coração Imaculado triunfará» – prometeu a Senhora aos três pequenos. O amor no fim triunfará, diz a cada um de nós.
Não viemos sozinhos a Fátima. Trazemos no coração e nas preocupações tanta gente, tanto sofrimento, tanta esperança, tantas intenções para entregar à Mãe de Deus. Fazemo-lo juntos, porque a Senhora mais branca que o sol que em Fátima apareceu aos pastorinhos é nossa Mãe, é Mãe de todos.
A Senhora de Fátima é modelo para a Igreja, porque segue Jesus até à cruz «atenta às necessidades dos próximos, aos clamores dos distantes» (Nº 14). Confiamos à Mãe de misericórdia as intenções que trazemos connosco e pedimos-lhe pelos povos sofredores do Sudão do Sul, da República Democrática do Congo, da República Centro-africana, da Etiópia, do Iémen, da Somália, do Darfur, dos Montes Nubas. Confiamos-lhe os cristãos perseguidos na Síria, na Líbia, no Egito, na Nigéria…
Maria é modelo do cristão convidado à conversão, isto é: erradicar do coração a tentação do domínio (nº 14), anúncio de misericórdia e de paz desde a aparição do anjo.
«Fiéis ao carisma de Fátima, somos chamados a acolher o convite à promoção e defesa da paz entre os povos, denunciando e opondo-nos aos mecanismos perversos que enfrentam raças e nações: a arrogância racionalista e individualista, o egoísmo indiferente e subjetivista, a economia sem moral ou a política sem compaixão. Fátima ergue-se como palavra profética de denúncia do mal e compromisso com o bem, na promoção da justiça e da paz, na valorização e respeito pela dignidade de cada ser humano», escrevem os bispos portugueses na sua Carta Pastoral (nº 15).
Sem comentários:
Enviar um comentário