28 de fevereiro de 2014

Sudão do Sul: BRIGA PELO PODER CONTINUA


 
Leer antes e depois da guerra ©JVieira - RRocha
Caros amigos/as,

Envio a vocês mais algumas notícias sobre a situação da guerra civil aqui no Sudão do Sul.

Já são dois meses e meio desde que os conflitos começaram em Juba. Faz um mês desde que tivemos que deixar a nossa missão em Leer e fugir para o mato e pântanos com o povo. Agora me encontro bem com meus colegas em Juba, mas o povo continua no mato sem comida, muitos doentes e com medo.

Não é surpresa a falta de notícias nos meios de comunicação. Aqui em Juba a situação está tranquila. No começo apareceram algumas reportagens, muito mais sobre Juba, por causa da presença dos diplomatas e jornalistas na cidade.

A guerra mudou-se para os três estados de Unity, Jongley e Upper Nile e se concentra lá. No momento lá não tem comunicação, por isso não se sabe bem o que está acontecendo. Essa é a região rica em petróleo e não é por acidente que a guerra continua lá. Também é a terra do povo Nuer e do vice-presidente deposto.

Não se pode esquecer que é uma guerra civil política, uma briga por poder movida por interesses e gananciosos indivíduos ou grupos, mas com um contorno étnico muito acentuado.

São milhares de mortos, difícil saber ao certo, a maioria civis inocentes e quase um milhão de desabrigados.

Os campos da ONU estão superlotados de gente da comunidade e etnia Nuer. Há muito mais gente escondida no mato. Isso posso dizer muito bem porque ficamos na mesma situação por dezoito dias e sei bem o que o povo está vivendo nesse momento.

Os três estados onde há a guerra correspondem à nossa Diocese de Malakal, a maior e mais pobre do país e a que tem menos agentes de pastoral. Fomos obrigados a deixar as paróquias e missões, inclusive o bispo, após refúgio no mato ou na base da ONU. Ainda tem uma missão comboniana e uma paróquia com agentes de pastorais. Os demais estamos em Juba.

As destruições, saques e assassínios de forma cruel são verdadeiros horrores. Apesar disso e da pressão da comunidade internacional e muitas orações, os dois líderes, governo e oposição, não escutam os clamores do povo. As negociações de paz não avançam. Há uma necessidade urgente de conversão de mente e coração dos líderes desta jovem nação. É difícil enxergar o fim de tudo isso.

Porém, há muitos exemplos de solidariedade. Agradecemos a Deus por tudo isso. A três dias almocei com um grupo de brasileiros da Aeronáutica, Exército e Polícia do Brasil que integram a força de paz da ONU. Não são muitos. Também esteva uma portuguesa voluntária da ONU que me ajudou a retirar algumas pessoas da área de conflitos. O pessoal da ONU muito nos agradeceu pelas comunicações e trabalhos desde a missão. Ainda estão tentando encontrar um meio de levar alimentos para lá, mas é muito inseguro.

Éramos o único contacto com o resto do mundo quando estávamos em Leer. Soubemos que há dois dias os rebeldes atacaram as forças do governo que estão em controle de Leer, mas não houve mortos nem feridos. É uma indicação que os conflitos continuarão se não houver um acordo de paz.

A situação é pior em Malakal. Todo mundo teve que fugir e as igrejas não foram respeitadas. O ‘White Army’ (exército branco) formado por jovens Nuers é impiedoso. São jovens recrutados para a guerra e profundamente manipulados. Não temem matar ou morrer.

Vê-se que precisa de muita oração para mudar essa realidade. Sempre que puder lhes mandarei mais notícias. Continuem rezando por nós e nossos povos.

Pe. Raimundo Rocha, pároco de Leer em Juba

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