28 de março de 2006

Abrir aspas


«QUEM ME DERA SER
UMA VACA JAPONESA!...»
Os subsídios para agricultores europeus e norte-americanos foram tema do en­contro da Organização Mundial do Comércio, em Hong Kong. Parece um assunto para eco­nomistas. Não é. Tem que ver com todos nós.
Há décadas que somos confrontados com a produção subsidiada de vegetais e de carne dos agricultores europeus e dos EUA. Numa palavra: fomos aceitar a lógica do mercado livre, mas esse princípio só vale para uns. O proteccionismo continua a ser válido desde que beneficie os próprios paí­ses ricos.
Fiquemos com um primeiro facto: uma vaca europeia recebe dois euros diários por via dos referidos subsídios. Uma vaca japo­nesa recebe 5,7 euros. Milhões de pessoas, entretanto, vivem com 82 cêntimos de euro por dia.
Uma segunda questão: será que esses subsídios vão para o agricultor pobre da Euro­pa? Admire-se o leitor incauto. O príncipe Al­berto do Mónaco não será um camponês po­bre. Mas ele juntamente com a rainha Isabel da Inglaterra, figura entre os 58 agricultores mais beneficiados pela chamada PAC (Política Agrícola Comum) da União Europeia.
A terceira questão é uma pergunta: o lei­tor sabe o que é o “dumping”? Pois eu não sabia. Aprendi o conceito quando seguia a intervenção da malawiana Irene Banda na referida reunião em Hong Kong. Pois o “dumping” consiste na fixação de preços abaixo dos custos de produção para liqui­dar a competição. Isso está sendo feito, por exemplo, para o algodão. Os produtores de algodão de África enfrentam esta gigantes­ca imoralidade. Vamos ver como.
Com uma primeira ressalva: ao falar de algodão não nos referimos a um produto. Falamos, sim, de 20 milhões de africanos que dependem da sua produção. Não é, co­mo se pode ver, um assunto para economis­tas. O algodão é um bom exemplo de como as distorções comerciais e o tal “dumping” falsearam as normas do relacionamento entre os países.
Os reflexos desta injustiça mostram como podemos entender a chamada «ajuda» dos chamados “doadores”. Em cinco anos, 25 mil produtores dos Estados Unidos recebe­ram 9,8 mil milhões de euros em subsídios. Ao mesmo tempo, devido a uma descida bru­tal dos preços internacionais do produto, mais de 10 milhões de agricultores africanos sofreram uma dramática queda de rendimen­tos. Em 2001, a ajuda financeira dos EUA ao Mali foi de 31 milhões de euros. O país per­deu por causa desta política proteccionista cerca de 35,4 milhões de euros. O «dumping» do milho nos EUA representa para países co­mo as Honduras, Equador, Venezuela e Peru a perda de 3,3 mil milhões de euros por ano.
A conclusão pode ser apenas esta. Nós, pobres do Terceiro Mundo, pedimos aos ri­cos o seguinte: não nos dêem mais. Basta que não tirem mais.
(1200 milhões de pobres absolutos, segundo Relatório da ONU de 2002, mas a cifra sobe a 2800 milhões de fizermos a conta aos que têm um rendimento só um pouco acima de um dólar. Pobres absolutos são considerados os que têm um rendimento inferior a 365 dólares anuais).

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