Nesse tempo os Reis Magos ainda não existiam (ou sou eu que não me lembro deles) nem havia o costume de armar presépios com a vaca, o burro e o resto da companhia. Pelo menos na nossa casa. Deixava-se à noite o sapato («o sapatinho») na chaminé, ao lado dos fogareiros de petróleo, e na manhã seguinte ia-se ver o que o Menino Jesus lá teria deixado. Sim, naquele tempo era o Menino Jesus quem descia pela chaminé, não ficava deitado nas palhinhas, de umbigo ao léu, à espera de que os pastores lhe levassem o leite e o queijo, porque disto, sim, iria precisar para viver, não de ouro-incenso-e-mirra dos magos, que, como se sabe, só lhe trouxeram amargos de boca. O Menino Jesus daquela época ainda era um Menino Jesus que trabalhava, que se esforçava por ser útil à sociedade, enfim, um proletário como tantos outros. Em todo o caso, os mais pequenos da casa tínhamos as nossas dúvidas: custava a acreditar que o Menino Jesus estivesse disposto a emporcalhar a brancura da sua veste descendo e subindo toda a noite por paredes cobertas daquela fuligem negra e pegajosa que revestia o interior das chaminés.
José Saramago em «As Pequenas Memórias»
2 comentários:
Caríssimo Padre:
Antes de mais as minhas saudações.
Bom Ano Novo são os votos que aqui deixo a todos os meus colaboradores.
Obrigado e bons posts.
Amigo!!
Obrigado por trazeres aqui este Menino Jesus, que me fez lembrar quando eu era pequenina!!
Tá lindo, lindo!!
Gostei de "um proletário como tantos outros"...como tu...por exemplo!!!
Beijinhos!!
:))
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