22 de dezembro de 2024

NATAL DE MISSIONÁRIOS PORTUGUESES EM ÁFRICA


 

“Temos de viver no essencial, e o essencial é Jesus”

No Sudão do Sul, maioritariamente cristão, ou na Etiópia, onde os católicos são apenas 1% da população, a quadra natalícia é vivida com grande devoção e alegria, apesar das dificuldades e do aumento da insegurança. É o testemunho deixado à Renascença por uma religiosa e um padre, ambos missionários combonianos.

O Natal cristão é celebrado em todos os cantos do mundo, e mesmo nos mais longínquos e improváveis encontramos missionários portugueses. É o caso do Sudão do Sul, o país mais jovem do mundo. “Estou aqui há cinco anos”, conta à Renascença a irmã Beta Almendra. Esta missionária comboniana diz que “a maioria dos sudaneses são cristãos”, mas que enfrentam graves problemas de sobrevivência.

“As maiores dificuldades deste país são básicas: educação, saúde, água, luz, estradas. São coisas que ainda estamos a sonhar tê-las com qualidade”, diz a missionária.

A irmã Beta Almendra dá como exemplo a situação a que chegaram os próprios funcionários públicos: “Só para imaginar, o governo não paga os salários há um ano! Portanto, quem é professor, quem trabalha no setor público, não recebe há um ano. Como é que se sobrevive? Com as organizações não governamentais, com a Igreja. Há muita, muita corrupção, porque todos estão a tentar ganhar alguma coisa extra para sobreviverem. Estamos com muitas dificuldades”

Apesar disso, garante que o Natal será vivido com alegria, e deixa uma mensagem de esperança.

“Vamos à missa, rezamos, comemos, dançamos, com crianças, adultos, com os coros das paróquias. Celebramos o Natal com muita fé, com muito amor e carinho, Jesus está no meio de nós. Ele vive e é Ele que nos dá esta esperança, de que 2025 vai ser melhor! A mensagem que deixo para todos é que realmente Jesus esteja no nosso coração. Tudo o resto é muito supérfluo, roupas, comida, viagens…. Temos que viver no essencial e o essencial é Jesus. É a nossa força, é a nossa paz, é a nossa liberdade. Feliz Natal!”.

 

Etiópia. Minoria cristã só celebra o Natal a 7 de janeiro

O padre José da Silva Vieira, também ele comboniano, já esteve em missão no Sudão do Sul. Antigo provincial em Portugal, onde esteve à frente da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP), há três anos voltou à Etiópia, onde já tinha sido missionário, entre 1993 e 2000. “Estou a trabalhar entre o povo Guji, no sul da Etiópia. É uma missão geograficamente muito extensa”.

No país vive-se alguma insegurança nesta altura. “Sim, há alguma insegurança na zona, à volta da cidade de Adola. Tivemos de fechar algumas capelas, devido aos combates intermitentes entre os soldados do governo e os rebeldes do Exército de Libertação. Esta insegurança não nos permite visitar essas zonas, e é pena, porque as pessoas ficam sem assistência dos missionários”.

O padre José Vieira conta que na Etiópia os cristãos são uma minoria. “A Igreja Católica é uma Igreja pequenina, não chegamos sequer a 1% da população. Seremos um milhão de católicos, num panorama de 120 ou 130 milhões de habitantes”.

Mas, apesar de ser pequena está dividida em dois ritos. “As quatro dioceses do Norte seguem o rito oriental etíope e têm uma maneira própria de preparar e viver o Natal. O Advento, para eles, tem seis semanas, durante as quais fazem jejum todos os dias. Não comem carne, produtos lácteos, ovos, está tudo fora do cardápio alimentar. No dia do Natal, que é a quebra do jejum, aí há uma grande festaque começa na igreja e depois continua nas casas com uma refeição, em que voltam a comer carne”.

A sul é tudo diferente. “Nós, nas oito dioceses do Sul, a que chamamos de vicariatos apostólicos, seguimos o rito latino vertido para as línguas locais. Temos quatro domingos do Advento, e depois, no dia do Natal, há uma Eucaristia celebrada com muita alegria. A igreja é decorada com balões, põe-se erva no chão como sinal de festa, e a Missa é comprida, bem cantada, bem rezada, bem dançada, como é costume aqui. As pessoas também vestem roupas novas, e a liturgia também continua em família, com um almoço melhorado”.

Este ano vai passar o Natal na comunidade da cidade. "Normalmente vou almoçar com as missionárias da caridade, as irmãs de Santa Teresa de Calcutá. São elas que nos dão o almoço e o jantar enquanto nós trabalhamos na cidade”, conta.

Na Etiópia seguem o calendário ortodoxo. “Só celebramos o Natal no dia 7 de janeiro, e não no dia 25 de dezembro, porque o calendário litúrgico que os católicos seguem na Etiópia é o calendário da Igreja Ortodoxa da Etiópia” explica. Mas assinalam com grande devoção o dia do batismo do Senhor.

“Há essa curiosidade: embora a celebração do Natal seja muito bonita e bem participada, em que a Igreja se enche de cor e alegria, a celebração maior na quadra natalícia é o Timkat (também conhecido como a Epifania etíope, em que se celebra o Batismo de Jesus no Rio Jordão, e que será assinalado a 19 de janeiro de 2025). “Aí é que realmente o Mistério da Encarnação do Senhor é celebrado extensivamente. A festa começa no dia anterior, dia 18, normalmente os ortodoxos celebram sempre durante a noite, como vigília. A Eucaristia acaba com uma grande bênção a toda a multidão, com água benta”.

“É outra das realidades que experimentamos na Etiópia, onde o Natal tem dois momentos, o momento do nascimento do Senhor e depois o momento do seu batismo e da sua manifestação como Salvador do mundo”, sublinha.

Para o padre José Vieira, o Natal “é uma quadra eminentemente missionária. Nós, os missionários, enquanto contemplamos o Mistério de Belém, contemplamos o mistério da nossa vocação. Como Jesus encarnou a nossa história, também nós somos chamados a encarnar a história, a cultura, o espaço em que manifestamos, através da nossa vida e através da pregação, o amor de Deus para com todos os povos. No meu caso, o povo Guji, no sul da Etiópia”.

Ângela Roque, Rádio Renascença

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