Partilhar o amor de Deus com os demais, receber e dar, determinaram a nossa vocação missionária: Irmã Vicenta Llorca, Missionária Comboniana espanhola há mais de 40 anos na Eritreia e Etiópia, e Pedro Nascimento, Leigo Missionário Comboniano português, há dois anos na Etiópia.
Tal como fez com Abraão, também a nós, através da oração e discernimento pessoal, Deus disse: «Deixa a tua terra e vai para a terra que eu te indicar» (Génesis 12,1). O nosso destino foi a Etiópia, país cheio de sol e de hospitalidade.
A Etiópia é um país lindíssimo, com uma grande riqueza histórica e cultural, cheio de tradições e com imensos povos, com grande diversidade linguística.
Benishangul-Gumuz faz parte de uma das regiões da Etiópia e uma das suas tribos aqui presente é a dos Gumuz, gente de carácter forte, disposta a lutar para defender-se em muitos sentidos. O nosso trabalho missionário é especialmente desenvolvido entre os Gumuz.
O nosso primeiro impacto foi muito bom, pois sempre quisemos partilhar a nossa vida com gente simples, como esta. A comunidade das Irmãs Combonianas, situada em Mandura, oferece serviços de educação, saúde e pastoral catequética. A comunidade dos Leigos Missionários Combonianos (LMC), formada pelo David Aguilera, de Espanha, e pelo Pedro Nascimento, vive com os Missionários Combonianos, em Guilguel Beles, a dez quilómetros de Mandura. Os LMC procuram auxiliar ambas as comunidades nas áreas da educação e pastoral catequética, bem como no acompanhamento de alguns doentes.
Nós, Ir. Vicenta e Pedro, trabalhamos na pastoral e no serviço social, pois uma pessoa completa-se desenvolvendo a alma e o corpo. Uma das actividades que realizamos juntos é o acompanhamento da catequese das mulheres no seu desenvolvimento espiritual, humano e material.
A mulher tem um papel importante na transformação da sociedade e aqui elas precisam de descobri-lo. A mulher Gumuz trabalha imenso e é muitas vezes negligenciada nas oportunidades tais como a educação, onde o aproveitamento escolar não é uma prioridade, especialmente, para as mulheres e raparigas.
Estas têm, especialmente, que trabalhar no campo, apanhar lenha para cozinhar, carregar água do fontanário ou do rio, carregar pesados sacos com cereais (fruto do trabalho do campo), cuidar dos filhos, cozinhar… A vida da mulher Gumuz é difícil e cheia de sacrifícios e de trabalho árduo.
Reunimo-nos todas as semanas com um grupo de mulheres e elas elegeram um nome para o grupo: “Construtoras da Paz”, nome devido à situação de guerra que temos vivido por mais de dois anos, na nossa zona.
Neste grupo, partilhamos a Palavra de Deus, rezamos pela paz e tomamos juntos um café com a colaboração económica de todas, e fazemo-nos próximos nas experiências de dor e sofrimento que vivemos.
Fortalecemos a amizade, partilhamos sonhos e aspirações para o futuro. Estes encontros dão-nos a possibilidade de nos conhecermos e estar mais perto uns dos outros. É nosso desejo, segundo as nossas possibilidades, desenvolver actividades que possam ajudar as mulheres na parte económica, já que elas têm um papel importante na manutenção da família.
Tudo isto é muito bonito e atractivo, mas a vida humana está composta de tempos felizes e tempos dolorosos, dias de luz e dias de escuridão.
Devido a confrontos étnicos, sobretudo pela posse da terra, a estabilidade social piorou, muitos foram mortos, aldeias foram queimadas, algumas colheitas foram roubadas por oportunistas, muitos inocentes postos na prisão sem saberem os motivos, as escolas e postos médicos fechados devido à insegurança, temendo que os estudantes sejam atacados pelos rebeldes e os professores e enfermeiros atacados e sequestrados, já que a maioria deles pertencem a outro grupo étnico.
Infelizmente esta tem sido a nossa realidade nos últimos dois anos vivendo-se, ora momentos de paz, ora momentos de conflitos e insegurança. Porém, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor (Romanos 14,8) e Ele connosco sempre está e nos acompanha.
Na missão das Irmãs, algumas mulheres pediram a protecção por umas semanas, ficando lá a dormir. A situação piorou e decidiram escapar para o bosque onde se podiam esconder. Quando a situação se acalmou, pouco a pouco, as famílias foram regressando às suas cabanas.
Como referimos, anteriormente, esta situação tem-se repetido por dois anos e juntos experimentamos a dor, a insegurança mas também a protecção de Deus. As obras de Deus nascem e crescem aos pés da Cruz, dizia São Daniel Comboni.
Nada disto estava contemplado quando cheios de ilusão, chegámos a esta missão, mas decidimos fazer causa comum com este povo, partilhando os momentos bons e os maus, decidimos permanecer aqui e abandonarmo-nos nas mãos de Deus.
Viveram-se tempos muitos difíceis e a nossa presença aqui, no meio das dificuldades, pretende ser testemunho da fidelidade a Deus manifestada na fidelidade ao povo com quem partilhamos a vida. Foi Jesus quem nos disse: “Eis que estou convosco todos os dias, até ao fim dos tempos” (Mateus 28,20).
No meio da dor, de ver sofrer a gente que escapa, dos que sofrem quando choram os seus entes queridos seja porque estão mortos ou porque privados de liberdade, tudo isto se converteu em tempo de graça que nos ajuda a fortalecer a fé e a fidelidade a um povo que vive tempos de sofrimento.
Fazer minha a dor do outro, demonstra-nos o quanto o outro é importante para nós, o quanto lhes queremos bem. Ensinava São Daniel Comboni: faço causa comum convosco e o dia mais feliz da minha vida será aquele em que der a minha vida por vós.
Neste momento fazem-se negociações de paz entre o governo e os grupos rebeldes, as escolas e alguns postos médicos começam a abrir. Em nós, há a esperança de que se possam viver momentos de paz, felicidade e prosperidade.
Rezem por nós e por estes povos da Etiópia, pois a esperança não a podemos perder. Rezem para que consigamos arranjar apoio para desenvolver actividades económicas com as mulheres e ajudar as famílias em necessidade. Rezem pela paz e pela comunhão fraterna.
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