17 de abril de 2019

ATREVE-TE!


Era voz corrente que do Sínodo sobre os jovens, o discernimento e a vocação saía só o Documento Final com as 167 propostas aprovadas. Mas o Papa Francisco surpreendeu-nos com a sua quarta exortação apostólica Christus vivi (Cristo vive) endereçada aos jovens e a todo o povo de Deus menos de seis meses depois do sínodo.

O papa argentino traça três objectivos para a exortação: (1) fazer memória de algumas convicções da fé, (2) encorajar a crescer na santidade e (3) no compromisso com a vocação pessoal (nº 3).

A encíclica tem, a meu ver, o seu centro em dois números:

107: «Não deixes que te roubem a esperança e a alegria, que te narcotizem para te utilizarem como escravo dos seus interesses. Atreve-te a ser mais, porque o teu ser é mais importante do que qualquer outra coisa. Não te serve ter ou aparecer. Podes chegar a ser aquilo que Deus, teu Criador, sabe que tu és, se reconheceres que és chamado a muito. Invoca o Espírito Santo e caminha com confiança até à grande meta: a santidade. Assim não serás uma fotocópia. Serás plenamente tu próprio»;

143: «Jovens, não renuncieis ao melhor da vossa juventude, não observeis a vida de uma varanda. Não confundais a felicidade com um sofá nem passeis toda a vossa vida diante de um ecrã. Tampouco vos deveis converter no triste espetáculo de um veículo abandonado. Não sejais automóveis estacionados, pelo contrário, deixai brotar os sonhos e tomai decisões. Arriscai, mesmo que vos equivoqueis. Não sobrevivais com a alma anestesiada nem olheis o mundo como se fôsseis turistas. Fazei barulho! Deitai fora os medos que vos paralisam, para que não vos convertais em jovens mumificados. Vivei! Entregai-vos ao melhor da vida! Abri a porta da gaiola e saí a voar! Por favor, não vos aposenteis antes de tempo».

Algumas notas depois de uma leitura rápida do documento:

Título: Francisco intitulou a exortação apostólica Christus vivit (Cristo vive), um pregão pascal num documento muito pascal: «CRISTO, NOSSA ESPERANÇA, ESTÁ VIVO e é a mais formosa juventude deste mundo. Tudo aquilo que Ele toca torna-se jovem, faz-se novo, enche-se de vida. Então, as primeiras palavras que quero dirigir a cada um dos jovens cristãos são: Ele vive e quer-te vivo!» (nº 1).
Eu dar-lhe-ia o título ATREVE-TE. A expressão aparece nove vezes no documento (15, 36, 100, 107, 169, 171, 210, 240 e 274) e é um desafio a ser mais, ser diferentes, a ajudar os padres a viverem o compromisso, a tocar o sofrimento dos outros e a visitar outras casas.

Exortação missionária: Cristo vive é uma exortação missionária com duas secções especiais (Missionários valentes – 175-178 e Sempre missionários – 239-241). Mas a missão está também presente nos números 129, 138, 153, 168, 171, 172, 210, 222, 240 e 253-254. Tocou-me o nº 240: «não podemos ignorar que a pastoral juvenil deve ser sempre uma pastoral missionária». Pois claro!

Não deixes: no seguimento de A alegria do Evangelho, o Papa lança um número de reptos aos jovens: 
  • «Não deixem que lhes roubem a esperança» (nº 15);
  • «Não deixes que te roubem a esperança e a alegria, que te narcotizem para te utilizarem como escravo dos seus interesses» (nº 107);
  • «Não deixes que isso [encerrarmos em nós mesmos] te aconteça, porque te tornarás velho por dentro e antes de tempo (nº 166);
  • «Não deixemos que nos roubem a fraternidade» (nº 167);
  • «Não deixeis que outros sejam os protagonistas da mudança» (nº 174);
  • «Não deixeis que o mundo vos arraste para partilhar apenas as coisas más ou superficiais» (nº 176);
  • «Não deixeis que vos roubem o amor a sério. Não vos deixeis enganar por aqueles que vos propõem uma vida de desenfreamento individualista, que, por fim, conduz ao isolamento e à pior solidão» (nº 263);
  • «Não deixes que isso [propostas maquilhadas, que parecem belas e intensas, mas que, com o tempo, só te deixarão vazio, cansado e sozinho] te aconteça» (nº 277).
Temas: o Papa aborda um número importante de temas no documento. Quer uma juventude subversiva (críticos – nº 190, originais – não somos fotocópias: nº 162, protagonista da mudança – nº 174 e 225, rebeldes – nº 264, lutadores – nunca te dês por vencido: nº 272); denuncia a colonização ideológica (nº 122) e cultural (nº 185) e a destruição cultural através da homogeneização (nº 186); desenvolve amplamente o tema da amizade (nºs 151-156, 219 e 287), a vocação primeira (nºs 248-252) que também é social (nº 169). Traça linhas mestras para uma pastoral juvenil que responda às questões dos jovens com os próprios jovens como protagonistas mobilizando a sua astúcia, engenho e conhecimento (nºs 202-203) através das duas grandes linhas de busca e crescimento para missionar os âmbitos juvenis (nºs 209-215). Fala ainda do olhar diferente de Deus sobre os jovens (nº 6) a partir da Bíblia que é o livro do encontro do Senhor com os jovens; recorda um princípio hermenêutico importante: em grego as palavras jovem e novo são sinónimos. Apresenta a oração como um desafio e uma aventura (nº 155) e o diálogo intergerações (nº 16) como fundamental para a memória e para as raízes da juventude. Os jovens são o agora de Deus (nº 9) que os quer felizes e vivos (nº 145), fecundos (nº 178).

Recado atrevido: Aos velhos do Restelo da pastoral vocacional juvenil Francisco deixa um recado: «Se partimos da convicção de que o Espírito continua a suscitar vocações para o sacerdócio e para a vida religiosa, podemos «voltar a lançar as redes» em nome do Senhor, com toda a confiança. Podemos atrever-nos, e devemos fazê-lo, a dizer a cada jovem que se interrogue sobre a possibilidade de seguir este caminho» (nº 274).

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