22 de dezembro de 2016

COMOVER


São Daniel Comboni e o Papa Francisco conjugam o verbo comover para porem em palavras as experiências pessoais profundas do mistério do natal.

O fundador descreveu aos pais numa longa carta o que sentiu ao visitar Belém em outubro de 1857: «Finalmente, à tardinha chegámos a Belém. Meu Deus! Mas onde quis nascer J. C.? Contudo eu quis nessa mesma tarde descer à afortunada gruta que viu nascer o Criador do mundo. Entrei, e embora o nascimento seja mais alegre que a morte, fiquei mais COMOVIDO que no Calvário ao pensar na complacência de um Deus que se humilhou até ao ponto de nascer num estábulo» (Escritos 111).

Por seu turno, o Papa Francisco anota na exortação pós-sinodal Amoris lætitia (A alegria do amor): «A encarnação do Verbo numa família humana, em Nazaré, COMOVE com a sua novidade a história do mundo» (AL 65).

A Infopédia da Porto Editora define comover como «afetar, causando uma adesão profunda». A raiz etimológica latina commovere indica mobilizar, mover ou mexer-se com.

Hoje, é comum celebrar-se o Natal do Senhor sem o Senhor do Natal. Passou-se do Natal de Jesus ao natal das coisas, da contemplação ao consumo. A estridência das cores, dos tons e dos sabores abafa o murmúrio da melodia mística da glória a Deus e paz na Terra.

Passados tantos natais, a contemplação da encarnação do Senhor ainda te comove? Ou a inércia do suceder dos dias adormeceu o coração? Os magos e os pastores moveram-se com Jesus para a gruta de Belém. Para onde te move Jesus, hoje?

A virgem do Natal, a mãe de Belém convida-nos a (re)viver o Natal com um olhar contemplativo que reordena tudo no coração: «Quanto a Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lucas 2, 19).

O mistério da Encarnação é um processo abrangente e largo, que pede um coração grande e um olhar profundo para além do momento!

«Precisamos de mergulhar no mistério do nascimento de Jesus, no sim de Maria ao anúncio do anjo, quando foi concebida a Palavra no seu seio; e ainda no sim de José, que deu o nome a Jesus e cuidou de Maria; na festa dos pastores no presépio; na adoração dos Magos; na fuga para o Egipto, em que Jesus participou no sofrimento do seu povo exilado, perseguido e humilhado; na devota espera de Zacarias e na alegria que acompanhou o nascimento de João Baptista; na promessa que Simeão e Ana viram cumprida no templo; na admiração dos doutores da lei ao escutarem a sabedoria de Jesus adolescente», escreve o papa argentino no nº 65 da Amoris lætitia.

E prossegue: «E, em seguida, penetrar nos trinta longos anos em que Jesus ganhava o pão trabalhando com suas mãos, sussurrando a oração e a tradição crente do seu povo e formando-Se na fé dos seus pais, até fazê-la frutificar no mistério do Reino. Este é o mistério do Natal e o segredo de Nazaré, cheio de perfume a família! É o mistério que tanto fascinou Francisco de Assis, Teresa do Menino Jesus e Charles de Foucauld, e do qual bebem também as famílias cristãs para renovar a sua esperança e alegria».

Comover-se com o mistério da Encarnação, celebrar o natal com emoção é isto: deixar-se mover com Jesus que nasce despojado, fora da cidade «envolto em panos e deitado numa manjedoura» para ser «uma grande alegria para o povo»: «Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor» (Lucas 2, 11).

Só um olhar humilde e contemplativo, vazio de ideias feitas e de categorias mentais e sociais calcificadas, é capaz de ver o Menino de Belém encarnar nos bebés refugiados, traficados, famintos, doentes, ameaçados pelos herodes de hoje. E são tantos…

Como ontem no Campo dos Pastores, em Belém, hoje o anjo diz: «Não temais!» (Lucas 2, 10). O medo amarra, sufoca, mata! E há tantos medos, tantas ameaças no horizonte carregado de populismo extremado de 2017.

Diz-nos o Senhor: «Celebrai dias de alegria, e cantai a sua glória» (Tobite 13, 8b).

Que assim seja no teu natal e em todos os dias do novo ano.

Boas festas!

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