26 de setembro de 2014

MEDIA NA MISSÃO

Paulo VI define os meios de comunicação social em Evangelii Nuntiandi como uma «versão moderna e eficaz do púlpito» (EN 45).

João Paulo II, em Redemptoris Missio, chamou-lhe «o primeiro areópago dos tempos modernos» (RM 37C), um espaço para a evangelização e a evangelizar.

O Papa Bento XVI, em Africae Munus, encorajou a Igreja Africana a «estar mais presente nos media, para fazer deles não apenas um instrumento de difusão do Evangelho mas também um meio útil de formação dos povos africanos para a reconciliação na verdade, para a promoção da justiça e da paz» (AM 145).

O Papa Francisco escreveu na mensagem para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais que «os mass media podem ajudar a sentir-nos mais próximo uns dos outros; a fazer-nos perceber um renovado sentido de unidade da família humana, que impele à solidariedade e a um compromisso sério para uma vida mais digna.»



A EXPERIÊNCIA COMBONIANA

O uso dos meios de comunicação social no serviço missionário está no genoma comboniano. Os media representam para o Instituto um instrumento privilegiado de evangelização e animação missionária das Igrejas locais.

Daniel Comboni escrevia extensivamente para falar da Nigrícia ao mundo que descobria a África, e da missão da África Central à Igreja, a benfeitores, amigos e familiares. As suas cartas, artigos e relatórios foram coligados em 1991 num livro intitulado Escritos (E) de mais de 2000 páginas.

Uma carta de Maio de 1881 – cinco meses antes de morrer – dá uma ideia da atividade comunicacional de Comboni: «Se eu pudesse e tivesse tempo, escrever-lhe-ia com mais frequência, até todas as semanas para o seu folheto; mas não posso: além dos graves negócios do Vicariato, tenho que me ocupar de recolher mais de quinhentos francos ao dia para sustentar os meus estabelecimentos, o que me obriga a escrever como correspondente de outras quinze publicações: alemãs, francesas, inglesas, americanas, que me mandam um bom dinheiro. Além disso, estou em contacto com quase todos os jornais católicos da Itália, especialmente com L’Osservatore Romano, L’Unità Cattolica, L’Osservatore Cattolico, etc. (aos quais raramente escrevo), à parte os meu Anais do Bom Pastor, de publicação trimestral (E 6724).

Comboni começou a sonhar a sua pequena revista em Fevereiro de 1868 (E 1559). Os Anais do Bom Pastor saíram do prelo pela primeira vez em Verona, Itália, em Janeiro de 1872 para difundir a obra comboniana e multiplicar vocações. Em Setembro de 1881 já ia no nº 25.

Na relação de 1880 ao Reitor dos Institutos Africanos de Verona, encontramos um parágrafo que podia muito bem servir como Estatuto Editorial dos Anais do Bom Pastor: «Nos nossos Anais procuraremos dar a conhecer aos nossos estimados benfeitores, juntamente com as fadigas, as obras e os êxitos do apostolado dos missionários e Irmãs dos nossos institutos africanos de Verona, também os progressos materiais por eles promovidos, os descobrimentos, os trabalhos científicos e os resultados da verdadeira civilização cristã na África Central. Com isso pretendemos glorificar Cristo, que é o único princípio de redenção e de vida, a verdadeira fonte de civilização e salvação dos povos infiéis, o inamovível fundamento da autêntica grandeza e prosperidade das nações civilizadas do mundo» (E 6215).

Os Anais do Bom Pastor, rebaptizados Nigrizia em 1883, estão na origem das 16 revistas genéricas (mensais, bimensais, trimestrais) publicadas na Europa, Américas, África e Ásia e sete infantis nas Américas e Europa. Dez são em espanhol, seis em inglês, duas em português, duas em Italiano, uma em francês, alemão e polaco, respectivamente. A tiragem conjunta passa os 373 mil exemplares/número.

O âmbito das publicações combonianas pode ser percebido pelo Estatuto Editorial da Além-Mar: «Pretende promover os valores da paz, da justiça, da solidariedade e do respeito pelo ambiente e os direitos humanos. Aos leitores residentes no País quer dar a conhecer os problemas mundiais (sociais, eclesiais, económicos e políticos), especialmente os dos países menos desenvolvidos, informar sobre o trabalho dos missionários portugueses espalhados pelo mundo e alimentar a vocação histórica universalista e solidária.»

A imprensa missionária é também uma fonte alternativa de informação. A angolana Arminda Margarida Camati escreve na tese de mestrado A intervenção da Igreja católica em Angola pelos media que a imprensa missionária estrangeira consegui «furar» o embargo informativo do regime «surtindo algum efeito prático no terreno» (p. 52).



ERA DIGITAL

A internet chegou no início da década de 90, altura em que o mundo se estava a tornar num mercado global. A rádio precisou de 30 anos para chegar a 60 milhões de pessoas, a TV levou metade desse tempo e a internet três anos apenas.

Não consigo imaginar o mundo sem os grandes meios de comunicação que a era do digital democratizou e universalizou. Fizeram-me um jeitão em Juba: telemóvel, computadores, internet que custava os olhos da cara mas me permitia ler revistas, jornais, livros, receber e enviar correio e notícias, «googlar» para encontrar informação instantânea… Tenho amigos no Face e seguidores no Twitter e segui a guerra de Gaza através dos tweets de uma adolescente palestiniana… Tenho um blogue para partilhar o que me vai na mente e no coração. A conta no Skype permitiu-me comunicar de borla ou a muito baixo custo.

Estamos à distância de um clique do resto do mundo. Comunicamos mais? Comunicamos melhor? Comunicamos mais rápido, no instante. A rede mundial de computadores é uma teia que nos torna mais solidários ou mais solitários, próximos dos de longe ou distantes dos de perto. A superabundância de informação não quer dizer melhor informação.

Todas estas ferramentas de comunicação por si só não nos fazem melhores comunicadores. A enxurrada de informação instantânea faz-me lembrar as grandes chuvas africanas, diluvianas e rápidas, que inundam mais do que regam. E a internet com a sua infinita rede de contactos pode tornar-nos mais virtuais e menos humanos.

O Papa João Paulo II disse em 2002 que a internet é «um novo fórum para a proclamação do Evangelho». Em 2013, Bento XVI falou das redes sociais como a «nova praça pública» para partilhar opinião, ideias, informação. O Papa Francisco escreveu este ano que que «as redes sociais são, hoje, um dos lugares onde viver esta vocação de redescobrir a beleza da fé, a beleza do encontro com Cristo.»

A página institucional comboni.org lista mais de 40 sítios combonianos na rede mundial. E não estão todos lá. Faltam também as páginas pessoais nas redes sociais e blogues… para dizer a fé, a missão, a vida, ou dizer presente na feira global das vaidades.



MISSIONÁRIO JORNALISTA

Eu defino-me como missionário por vocação, comboniano por consagração, padre por ordenação e jornalista por profissão.

A redacção da Audácia de 1986 a 1992 foi a minha primeira destinação missionária. Gostei muito de trabalhar para crianças e adolescentes durante 7 anos, abri-los à vida e à mundialidade.

Em 1993, fui destinado à Etiópia e vivi em duas comunidades com o povo Guji do Sul do país até ao fim do ano 2000. Uma experiência única, um nascer de novo, que partilhei no livro Dias Felizes – Memorial da Missão editado pela Além-Mar.

Em 2001, depois de nove meses de formação permanente no México, voltei para a redacção da Audácia e em 2005 fui nomeado director da Além-Mar e da Audácia.



REDE CATÓLICA DE RÁDIOS DO SUDÃO

Em 2006 recebi um convite que me abriu o mundo novo da radiodifusão, integrando a equipa que ia estabelecer no Sudão (agora do Sul) uma rede de rádios em FM para celebrar a canonização de Daniel Comboni em 2003.

Os três colegas, duas irmãs e um irmão, começaram a formar candidatos a radialistas em Maio de 2006: um trabalho exigente, porque o Sudão saía de 22 anos de guerra civil – a paz tinha sido assinada a 9 de Janeiro de 2005 – e a rede escolar estava destruída. Eu cheguei em Dezembro para por de pé o serviço de informação.

Bakhita iniciou as emissões experimentais a 24 de Dezembro de 2006 com a transmissão da Missa do Galo da Catedral de Juba. Foi oficialmente inaugurada a 8 de Fevereiro de 2007 – Festa de Santa Josefina Bakhita – e iniciou uma caminhada crescente até chegar a 16 horas de emissão por dia.

Chegou no momento oportuno. Em Juba havia Miraya, uma estação FM da ONU, duas rádios comerciais e uma emissora em onda média do governo. As comercias passavam só música porque as notícias eram politicamente perigosas. A Miraya, da ONU, tinha limites institucionais. As pessoas, cheias de entretenimento, queriam formação. E foi o que Bakhita lhes trouxe: formação, informação e distracção.

Escolhemos o modelo das rádios comunitárias e abrimos os microfones aos ouvintes através de fóruns ao estilo da TSF. A grelha de programas misturava evangelização, formação cívica, cultura, saúde e educação. Havia programas dirigidos às crianças, aos jovens e às mulheres em inglês, árabe de Juba e algumas línguas locais. Passava música religiosa, africana e pop. Aos domingos transmitia as missas em inglês e árabe da catedral.

A Voz da Igreja, como dizia a assinatura sonora da Bakhita, tornou-se uma referência no espectro radiofónico de Juba. Há dois anos que era a segunda estação mais ouvida – depois da Miraya – batendo-se com um número de rádios comerciais que entretanto arribaram à capital do Sudão do Sul.

A experiência acumulada de três anos em que testamos equipamentos e soluções para o clima extremo da região permitiu abrir mais oito estações, incluindo uma nos Montes Nubas, uma área do Sudão controlada por rebeldes.

Cada estação foi-se desenvolvendo como pôde, com o dinheiro que gerava com a publicidade e tempos de antena e com ajudas do estrangeiro.

Em 2010 iniciei a redacção central da rede: três jornalistas recolhíamos informação em Juba e tratávamos as histórias que as outras estações enviavam. Fazíamos dois noticiários diários nacionais. Ao todo preparávamos uma média de 16 a 20 peças por dia, distribuídas em inglês – sons incluídos – através da internet. As estações traduziam-nas para as línguas locais.

A Rádio Vaticano permitia usar os noticiários do serviço em inglês com uma boa cobertura da cena internacional. As estações produziam boletins locais.

O governo a princípio foi bastante amistoso com a Bakhita. O «caldo entornou-se» com os fóruns. Os ouvintes batiam forte e feio na elite no poder por causa da corrupção, incompetência e tribalismo, a trindade do mal no país mais jovem do mundo.

No dia 16 de Agosto, o editor de notícias da Bakhita fez uma peça sobre um ataque das tropas do Governo às forças rebeldes em Bentiu, a capital do Estado de Unity, uma das zonas produtoras de petróleo.

O presidente e uma facção do partido iniciaram uma guerra pelo poder a 15 de Dezembro que assumiu contornos étnicos. Já matou mais de 20 mil pessoas e deslocou cerca de 1,8 milhões.

A segurança nacional não gostou da história por dar a versão dos rebeldes. Fechou a rádio e prendeu o editor David Ocen durante quatro dias. Acusaram Bakhita de estar politizada e ir para além do mandato de estação religiosa.

Quase quatro semanas mais tarde, a segurança devolveu as chaves da estação à administração da arquidiocese. A estação continua fechada porque a administração quer rever a proibição de cobrir a política e a qualidade dos funcionários.

A Rede de Rádios Católica (CRN na sigla em inglês) tem dado um grande contributo no Sudão do Sul. Oferece informação isenta e equilibrada. Fez três séries de programas para preparar as eleições de 2010 e o referendo e a independência de 2011. Formou muitos apresentadores, jornalistas e técnicos. É bom ver rapazes e raparigas que deram os primeiros passos connosco a brilharem na TV do estado e nas rádios da competição.



DEUS DAS MARAVILHAS

Quanto a mim, sinto-me tão missionário a trabalhar com as comunidades espalhadas pelas colinas verdejantes e florestas da Etiópia do Sul ou nos cerros à volta da Cidade do México, como a cobrir acontecimentos e preparar notícias, a fazer comentário político na Miraya, a celebrar a Eucaristia debaixo de um pé de manga ou a exercer o ministério de superior provincial.

Os meios de comunicação social são um espaço privilegiado que abrem um sem número de modos e meios para dizer «as maravilhas de Deus» em todas as línguas (Act 2:10), incluindo a digital. É essa a nossa missão!

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