25 de dezembro de 2007

EU, MENINA... E ELE

© JVieira

Eu, menina, sentado na calçada sob um sol envergonhado, observava a movimentação das pessoas em volta e tentava compreender o que ocorria.
– Que é o Natal? – indagava-me, em silêncio.
Eu, menina, ouvira falar que aquele era o dia em que o Menino Jesus, vinha deixar-nos as prendas... mas como poderia uma criança acabada de nascerfazer isso?
Perguntava-me eu em silêncio... e pensei que nessa noite não iria dormir. Ficaria ali ao relento esperando o Menino Jesus... e os meus presentes...
Até o podia ajudar! Como conseguiria Ele com tantos presentes, sim porque os miúdos são uns chatinhos, a pedir tanta coisa...
E eu, menina, concluía que não deveria ser isso o Natal.
Talvez fosse um dia especial, em que as pessoas abraçassem seus familiares e fossem mais cordiais umas com as outras. Talvez fosse o dia da fraternidade e do perdão.
– Mas, então por quê eu, aqui sentada, não recebo sequer um sorriso, e as pessoas correm apressadas de um lado para o outro, cheias de sacos e saquinhos, embrulhos e embrulhinhos – inquiria-me, perplexa.
– E por que trabalha a polícia no Natal?
E eu, menina, entendia que não devia ser assim...
Imaginava que talvez o Natal fosse um dia mágico em que as pessoas enchiam as igrejas em busca de Deus.
– Então, porque não saem de lá melhores do que entraram? – debatia-me, na ânsia de compreender aquela ocasião enigmática.
Via risos, mas eram gargalhadas que escondiam tanta tristeza e ódio, tanta amargura e sofrimento...
E eu, menina, mergulhada em tão profundas reflexões, vi aproximar-se um homem. Era um belo homem. Não era gordo nem magro, tão alto quanto baixo, nem branco nem preto, nem pardo, amarelo ou vermelho.
Era apenas um homem com olhos cor de ternura e um sorriso em forma de carinho que, numa voz com tom de afago, saudou-me:
– Olá, menina!
– Olá! – respondi, meio tímida. Achava impossível que alguém conseguisse ver-me ali, no meio da correria em que andavam...
E, num quase êxtase de admiração, vi-o acomodar-se a meu lado, na calçada, sob o sol envergonhado.
Eu, menina, na naturalidade de menina, aceitei-o como amigo num olhar. E atirei-lhe a pergunta que me inquietava e entristecia:
– O que é o Natal?
Ele, sorrindo ainda mais, respondeu-me, sereno:
– É o meu aniversário!
– O que dizes? O teu Aniversário? Então e o que andas por aqui a fazer? Porque não estás em casa onde estão os teus familiares?
– Essa – falou-me, apontando a multidão que corria – é a minha família.
Eu, menina, não compreendi.
– Também tu fazes parte da minha família... – acrescentou, aumentando a confusão.
– Não te conheço! – rebati.
– É por que nunca te falaram de mim. Mas eu conheço-te. E amo-te...
Estremeciam-me de emoção aquelas palavras, na minha fragilidade de menina.
– Deves estar triste! – comentei. – Estás só no dia do teu aniversário...
– Neste momento estou contigo! – respondeu-me, meneando a cabeça negativamente.
E conversamos. Uma conversa de poucas palavras, muito silêncio, muitos olhares e um inefável transbordar de sentimentos, naquela prece que fazia arder o coração e a própria alma.
O sol entregou o céu às estrelas.
E conversamos. Eu, menina, e Ele.
E Ele falava-me, e eu amava-o. E eu absorvia-o. E eu sentia-o.
Eu, menina: cordas. Ele: artista. E fez-se a melodia entre nós!...
E eu, menina, sorri...
Quando a noite cedeu vez à madrugada, enquanto piscavam as luzes que adornavam as casas, Ele ergueu-se e pressenti que era a despedida. Suspirava, de alma renovada.
Abracei-o pela cintura, dizendo:
– Toma o meu presente... Feliz aniversário!
Ergueu-me no ar, com seus braços fortes-fracos, tão fortes quanto a paz, e disse-me:
– Presenteia-me compartilhando este abraço com a minha família, que também é tua... Ama-os com respeito. Respeita-os com ternura. Sê terno com carinho. Acaricia-os com justeza. Julga-os com amor... E tem um feliz Natal!
Porque não quisesse vê-lo ir-se embora, saí a correr pela rua. Abandonei-o, levando-o para sempre no mais íntimo do coração. Fui em busca de braços que aceitassem os meus...
E eu, menina, nunca mais o vi. Mas aquele Amigo da noite de Natal: Jesus... ficou sempre o MEU AMIGO!
E eu, menina, sorri...

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