19 de dezembro de 2007

ETIÓPIA

Missa em rito etíope © JVieira

Os 12 dias que passei na Etiópia foram de uma bênção. Revi amigos, revisitei lugares que me dizem muito, descansei, rezei e regressei retemperado.
A primeira impressão ao chegar a Adis Abeba é que a cidade se tornou num enorme estaleiro tantas são as obras de vulto em construção: edifícios, bairros sociais, fábricas, ruas… Uma diferença abissal da realidade que encontrei em 1993. Nessa altura, a capital da Etiópia era uma cidade decrépita feita de zinco enferrujado e com as ruas todas esburacadas.
E o serviço público também melhorou muito. Antes para renovar a carta de condução etíope precisava de uma manhã de guiché em guiché. Era sempre um problema encontrar a pasta com os meus documentos, porque não é fácil transcrever nomes estrangeiros em caracteres amáricos. Agora está tudo informatizado e em meia hora tinha o documento renovado de novo na mão!
O retiro foi uma experiência rica. Durante uma semana os 13 participantes convivemos com os textos de Isaac de Nínive, um monge do século VII.
O tema do retiro foi a luta que cada um de nós trava para viver a vocação cristã e nos transformarmos em epifania do Amor de Deus para quem connosco convive.
A frase que mais me marcou foi a definição de contemplação: não é êxtase mas «instasys», uma jornada ao mais profundo de nós mesmos – onde Deus habita – e não fora de nós. Uma intuiçaõ interessante.
O local do retiro – Galilee Centre – é um lugar especial junto ao lago Babu Gaya, cheio de flores e pássaros exóticos. Aí fez muitos retiros, encontros profundos com a minha realidade pessoal e com outras pessoas – que recordei!
Em Babu Gaya, assisti a um fenómeno curioso: uma manhã muitos peixes nadavam à tona da água de barriga para cima. Foi a bênção para os pescadores de ocasião: apanhavam «tellapia» à mão cheia.
Pensei que alguém detonou alguma carga explosiva no lago para atordoar os peixes. Mas um vizinho explicou que uma vez por ano os peixes vêm à tona por causa do frio!
Uma explicação que não satisfez os meus colegas de natação. Nessa tarde nadei sozinho, porque os três padres e a irmã que me acompanhavam ao banho diário, recearam que tivessem posto algum produto no lago para apanhar os peixes.
O retiro foi também um contacto novo com a tradição litúrgica ortodoxa. No Sul do país – onde trabalhei como missionário durante quase oito anos – usamos a liturgia latina traduzida na língua local. A missa (dia sim dia não) e a oração da tarde eram celebradas no rito etíope em inglês. Uma linguagem bem diferente, colorida e cheia de incenso e de pedidos de perdão pelos pecados.
Como não há desertos sem oásis, duas noites fui beber uma cerveja com uma missionária e um missionário meus amigos. A minha estada era curta e foi a única maneira de celebrarmos a amizade e trocarmos informação sobre o que temos feito.
Em Adis Abeba, participei na festa de 60 anos de vida missionária da Ir. Bona, uma comboniana italiana que se repartiu pelo Líbano, Israel e o povo sidama da Etiópia. Uma mulher cheia de energia – apesar dos 87 anos – e com um sorriso acolhedor.
Ah! Para quem está habituado ao calor e ao pó, na Etiópia fazia bastante frio em Dezembro. Quando cheguei ao aeroporto, às oito da noite, as pessoas vestidas com casacões pesados ficavam a olhar para mim intrigadas porque vinha com uma T-shirt fina e chinelos. Mas não sentia o frio, porque o corpo ainda estava cheio do calor de Juba.
Contudo, a primeira coisa que fiz quando cheguei a Galilee Centre foi ir ao mercado local comprar uma camisola. Como a língua da área pertence à família oromo, desenrasquei-me com o guji que ainda recordo. As pessoas achavam castiço um estrangeiro falar oromo e não saber palavra de amarico – a língua comum na Etiópia.
Agora estou de volta a Juba. Mais descansado e recauchutado para continuar a enfrentar os desafios que o projecto da rádio nos continua a colocar – sobretudo a fidelização dos jornalistas que trabalham comigo!
Mas é mesmo bom estar de volta a casa!

1 comentário:

Henrique Salles da Fonseca disse...

Reverendo, gostei do que li no seu blog.
Tenho andado à procura dos «portugueses abandonados», aqueles que ao longo da História e do mundo Portugal governou, que absorveram os Valores que lhes deixámos (religião, língua ou genes) e que os ficaram a defender depois da nossa saída dos seus territórios.
Pergunta: há algum vistígio de «portugueses» na Etiópia?
Gostaria muito de ter a sua resposta em sallesfonseca@sapo.pt
Feliz Natal.
Atenciosamente,
Henrique Salles da Fonseca
Lisboa - PORTUGAL
http://abemdanacao.blogs.sapo.pt/