Este mundo está um lugar cada vez mais perigoso. Parece que dizer uma piada já só vai ser permitido entre as paredes de nossa casa – e é se elas estiverem devidamente insonorizadas, não vá o vizinho de baixo ou o de cima ou o do lado sentir-se ofendido.
Imaginem a gente a contar a última do Benfica, e logo o Ernesto, do 5.º esquerdo a bater-nos à porta prometendo queixa na Polícia, porque é sócio do "glorioso", daqueles que até tiveram direito a kit quando se inscreveram, e não admite que se brinque com coisas sérias.
Ou então a gente a contar o último trambolhão que deu para dentro de uma das muitas crateras que infestam os passeios da cidade, chamando nomes ao senhor presidente da câmara (presente e passado) e logo a D. Adelaide do 3.º, que tem uma cunhada que é prima de um afilhado da sogra de um motorista da CML, a avisar-nos que já enviou queixa para quem de direito e que em breve estaremos a ser chamados para declarações, a que se seguirá um processo disciplinar tendo em vista o nosso despedimento de qualquer coisa, de quê ao certo ainda não sabe, mas qualquer coisa, o que é preciso é sermos despedidos, depois se verá de quê.
Perante este descalabro é urgente tomar medidas para que este clima de desconfiança se resolva de uma vez por todas.
Por exemplo à semelhança daqueles guetos que se vão criando por aí para os viciados em tabaco, devia criar-se, em todos os cafés, bares, restaurantes, discotecas e afins, zonas para os viciados em piadolas contra o Governo.
Também nos transportes públicos, evidentemente, haveria áreas demarcadas para os desgraçados que não conseguissem estar mais de cinco minutos sem insultar o ministro da Saúde, e cinco segundos sem desancar na ministra da Educação.
Piadas contra o Sócrates, essas, só apresentando atestado médico, garantindo tratar-se de doença incurável – e para esses arranjava-se salas de chuto devidamente assistidas, em que cada um podia chutar piada atrás de piada até que a metadona começasse a surtir efeito.
Para além de nos proteger a todos desta verdadeira ameaça para a saúde pública, a lei antipiada ainda tinha a vantagem de criar postos de trabalho lado a lado com os fiscais da Emel, por exemplo, andaria o fiscal das piadas à cata de qualquer gargalhada mais dúbia que levasse à imediata detenção do prevaricador – caso não se encontrasse em local permitido por lei.
Por isso, aqui ofereço estas sugestões a todos os candidatos às próximas eleições de dia 15. Isto sem querer intrometer-me em assuntos partidários, claro, não vá o meu vizinho do rés-do-chão, que é mórmon e não vota, pressionar o administrador do condomínio a expulsar-me por estar a agredir as suas convicções...
Alice Vieira, Escritora
Obrigado, Zezita, por esta pérola da Alice
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