As duas palavras em oromo e inglês que o superior provincial me deixou no WhatsApp falavam volumes e eram ansiadas há muito: «Kabajamaa... Finally!». «Reverendo... Finalmente!». A legenda ilustrava a foto do meu Bilhete de Identidade (BI) de residente temporário renovado com um crédito de quatro meses extra. Agora expira em janeiro.
O documento tinha caducado a 15 de setembro de 2023. O processo de renovação demorou onze meses menos dois dias. Por não ter o documento em dia, foi muito complicado viajar para os funerais dos meus pais. Tecnicamente, eu era ilegal. Regressei ao país sem problemas com um visto de turista.
Antes, a renovação do BI demorava de duas a quatro semanas. Entretanto, as autoridades etíopes descobriram que muitos processos de licenças de trabalho e residência não seguiram os trâmites legais. Um funcionário do Secretariado Católico – o único organismo da Igreja Católica reconhecido pelo Governo e definido como organização não governamental – montou um cambalacho para embolsar algum do dinheiro pago pelos missionários. Por isso, os processos foram revistos um a um. O funcionário, entretanto, foi demitido.
Os missionários católicos para trabalharem na Etiópia precisam de um contrato profissional com o Secretariado Católico. Há 31 anos, vim como professor de inglês. Desta feita, porque tenho mais de 60 anos – a idade da reforma na Etiópia – fui contratado como formador voluntário.
No meu caso, o processo de verificação da atribuição do permisso de trabalho e residência levou quase um ano. Com a agravante de o Serviço de Imigração e Cidadania cobrar uma penalidade de cinco dólares americanos por cada dia sem visto de residência.
Apesar de ter submetido o pedido de renovação a tempo e horas, tive de pagar a coima de 1 600.00 dólares. Junte-se-lhe o preço da renovação da residência e tudo junto custou 3 100.00 dólares, pouco mais de 2 800.00 euros. Uma pequena fortuna para ter o privilégio de ser missionário na Etiópia que amo como meu país por mais um ano.
De facto, até julho a renovação de residência temporária custava 150 dólares, um pouco mais de 135 euros, e podia ser paga no correspondente em birr, a moeda local. Entretanto, a nova tabela do Governo elevou o montante para 1 500.00 dólares, pagos na moeda americana. O país passa por uma grave crise económica – recentemente o birr foi desvalorizado em 30 por cento – e o Governo parece querer arrecadar moeda forte através de qualquer meio ao seu dispor.
A província comboniana da Etiópia tem cerca de 20 missionários não etíopes. Sem penalidades, a sua permanência custa perto de 30 000.00 dólares por ano, pouco mais de 27 mil euros, dinheiro que deveria ser usado para servir os mais necessitados.
O cardeal de Adis-Abeba, Arcebispo Berhaneyesus Sourapiel, nomeou recentemente uma comissão para negociar o custo da renovação de residência temporária dos missionários estrangeiros com o Governo para tentar baixar o custo para um preço mais praticável.
Entretanto, a nova moda etíope de amplas avenidas que começou na capital e alastrou a outras cidades, está a colocar alguns problemas acrescidos aos missionários.
Há duas semanas as autoridades municipais de Dilla, uma cidade no Sul da Etiópia, notificaram as duas comunidades salesianas que tinham dois dias para esvaziar as construções até cinco metros na frente da missão para alargar a rua fronteira. Entre as construções demolidas ao longo dos 170 metros estavam o laboratório, o armazém, a sala de pesagem e observação e outra divisória da clínica das Salesianas. No final, o autarca deu uma semana para esvaziar o espaço, mas nada de compensação pelas demolições e cercas a serem refeitas.
Em Hawassa, a cidade que dá nome à diocese onde trabalho e capital do Estado Regional Sidama, as autoridades municipais estão em conversações com as Missionárias da Caridade, as irmãs de Santa Teresa de Calcutá. Querem transformar a rua que passa à frente da sua casa de acolhimento numa avenida com dois corredores.
Primeiro, projetaram demolir o muro do centro e recuá-lo para junto dos dois edifícios de dois pisos que servem de internamento para cerca de 300 pacientes: 180 mulheres e crianças e 120 homens. Agora planeiam demolir os dois edifícios, embora não haja espaço para os reconstruir nas atuais instalações. As negociações continuam. A autarquia quer oferecer um novo terreno às missionárias para reconstruir os edifícios de internamento perto do local onde vivem.
A missão de Daye, também no Estado Regional Sidama, corre igualmente o risco de perder uma faixa larga de terreno à frente do edifício da comunidade comboniana, no adro da igreja e no recreio da escola primária, para alargar e alcatroar a rua que passa à frente. Ficaremos por aqui?
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