24 de abril de 2023

COISAS QUE ME ABORRECEM


Hoje apetece-me resmungar sobre algumas coisas que me tiram do sério aqui, na Etiópia. Faço-o à volta de quatro palavras: China, ELPA, dinheiro e ruído.


CHINA. Os chineses são uma presença óbvia e incontornável na Etiópia como o são em muitos outros países africanos. Aqui dedicam-se sobretudo à construção de infra-estruturas (estradas, vias férreas, linhas elétricas de alta tensão, construção civil) mas também têm algumas fábricas e outros negócios. Na área onde eu vivo, os chineses montaram uma linha elétrica de alta tensão, construíram um troço da estrada entre Aposto e Neguele (os sul-coreanos e os turcos completaram a obra) e escavam nos rios Hawata e Gannale à procura de ouro. No passado, as crianças quando viam um branco passar gritavam: Farenji! Aparentemente a palavra vem de French (francês) e começou a ser usada há cerca de um século quando os franceses construíram o caminho-de-ferro que liga Adis-Abeba ao Jibuti. Hoje, em muitos sítios, quando me vêem gritam: China! Não tenho nada contra os chineses, mas não gosto de ser chamado China. Prefiro farenji que, além do mais, é o termo clássico para designar estrangeiro.


ELPA. ELPA é a companhia elétrica etíope, a EDP cá do sítio. Mas deixa-nos mais às escuras do que com luz, sobretudo durante a estação das chuvas. Às vezes os cortes duram alguns minutos ou horas. Outras vezes os apagões levam dias, uma semana. De modo que, quando vem a luz, a primeira coisa a fazer é ligar as bombas e encher os depósitos da água. Jantar à luz da vela até é romântico, mas ficar sem água em casa é muito chato. O banho pode-se fazer com um balde de água aquecida. Não há problema. Mas precisamos de água para cozinhar e para a limpeza. Quando não há luz e a água “seca” no depósito temos de ir à nascente protegida da aldeia com alguns bidões pequenos para trazer água para casa. Durante o mundial de futebol, devido aos cortes de energia, “vi” alguns dos jogos através da rádio. Outra chatice é o pagamento da conta da luz. Como somos grandes utilizadores, temos de pagar no escritório da empresa, que fica a 50 quilómetros de onde vivemos. Contudo, é comum chegar lá e e não poder pagar ou porque não há luz ou porque o sistema está em baixo. Mas se demoramos vêm logo para cortar a corrente. Há ainda a confusão das fases. Há cerca de dois meses a bomba trifásica da antiga missão de Gosa deixou de funcionar deixando sem água a clínica e as residências dos missionários e missionárias (que se encontram vazias). Veio o eletricista de Hawassa, a 130 quilómetros de Gosa, para descobrir que a ELPA havia trocado a ordem das fases e por isso a bomba não funcionava. Muitas vezes a corrente é tão baixa que nem as lâmpadas consegue acender. Aliás, as bombas são quem mais sofre com a ELPA. Desde que cheguei, há ano e meio, dois condensadores foram queimados devido aos picos da corrente. Para atenuar os apagões temos um sistema de energia solar — que está a ser melhorado graças à ajuda da província portuguesa dos combonianos. Só falta vir um técnico de Hawassa para terminar a instalação das novas baterias e do inversor de corrente. Há alguns detalhes técnicos que não consigo resolver.


DINHEIRO. Um comboniano italiano, que foi ecónomo provincial em Portugal e já está na Casa do Pai, costumava dizer que o dinheiro é o esterco do Diabo. É verdade que não podemos passar sem dinheiro, mas aqui dá-nos algumas dores de cabeça. A começar pelos catequistas. Os nossos colaboradores recebem uma pequena ajuda (entre nove e doze euros por mês) mais para as despesas que fazem no ensino do catecismo e na animação das comunidades de que estão encarregados do que propriamente um salário. Mas acham que, porque são os nossos colaboradores diretos, têm o direito de serem os principais beneficiados das ajudas da missão. Por isso, estão sempre a bater à porta para comprar remédios, pagar os cadernos no início do ano escolar, pagar o alojamento dos filhos a frequentar a escola secundária na cidade, fazer uma casa nova… Um ficou muito zangada quando lhe expliquei que, como as ajudas que recebemos são poucas — devido ao falecimento dos benfeitores e à crise económica que se vive no Oeste como na Etiópia —, se tenho de escolher entre ajudar uma velhinha e um catequista, a ajuda vai para a velhinha que muitas vezes não tem quem cuide dela. Outro problema é a atitude dos anciãos das comunidades: as comunidades têm dinheiro mas continuam a pedinchar para pequenas obras nas capelas ou ajudar na festa do padroeiro. E, sobretudo, detesto que me cobrem o “imposto de pele”. O preço para um etíope é sempre mais barato que para um estrangeiro desde o mercado até às lojas. Por isso, o truque é levar comigo a cozinheira e ser ela a negociar. Ah: Há duas palavras em inglês que quase todos os garotos sabem de cor e que gritam quando nos vêem: You, you, you. Money, money, money! Tu, tu, tu. Dinheiro, dinheiro, dinheiro!


RUÍDO. Qillenso, a missão onde vivo, tem dois centros: a sede da paróquia (em plena floresta) e a igreja de Adola, na cidade do mesmo nome. Em Qillenso o silêncio é de ouro. Em Adola a poluição sonora é arrasadora e é sobretudo religiosa. Os irmãos muçulmanos começam todos os dias a chamar as pessoas à oração através dos altifalantes antes das cinco da manhã e vão-no fazendo ao longo do dia até depois de o sol se pôr. Os irmãos ortodoxos, por seu turno, começam a missa dominical às duas da manhã e a celebração toda cantada em gue’ez é também transmitida através de altifalantes. O lugar onde prenoito na cidade está “entalado” entre duas igrejas ortodoxas: dormir depois das duas da manhã de domingo é quase impossível. Por isso, Rezo com eles apesar de não entender palavra de gue’ez! Os irmãos protestantes também ajudam à festa. Atrás da igreja católica de Adola há duas igrejas protestantes que transmitem para o exterior o culto dominical. A concorrência sonora é arreliadora sobretudo quando a ELPA corta a luz!!! As outras confissões têm geradores e continuam com as transmissões enquanto que na igreja sem corrente ou gritamos ou não somos ouvidos.

Chega de barafustar! Abraço.

1 comentário:

AC disse...

Força, Sr. padre José.