22 de dezembro de 2020

NATAL SEM MEDO


É espantoso: uma pessoa lê, relê e volta a ler vezes sem conta os relatos evangélicos e há sempre algo de novo que mexe connosco, que nos tira do conforto das seguranças mentais ressessas, do sossego dos esquemas empoeirados de interpretação.

Na preparação para esta quadra natalícia fui surpreendido pela voz de comando «Não tenhas medo» que tomou conta do meu coração: 

— «Não tenhas medo, Zacarias»;

— «Não tenhas medo, Maria»;

— «José, filho de David, não tenhas medo»;

— «Não tenhais medo, pastores»…

Nos quatro quadros evangélicos (as anunciações a Zacarias, a Maria, a José e aos pastores) os portadores do imperativo divino são anjos: Gabriel e companheiros…

«Não tenhas/tenhais medo» é o pregão divino que atravessa a bíblia inteira do livro do Génesis ao Apocalipse de São João, repetido mais de uma centena de vezes nas páginas sagradas.

Neste Natal, em estação pandémica global, a Palavra convida-nos a desarmar o medo.

Tememos ser infetados pelo novo coronavírus, que outros nos transmitam a Covid 19, temos medo da solidão, dos beijos e abraços, de perder o trabalho, de perder a vida…

Em plena pandemia voltamos a ouvir o pregão angélico natalino: «Não tenhas medo!».

O medo em si é um alarme, uma luz vermelha que, em situações de perigo, alerta: «Tem cuidado!».

Mas quando a efervescência provocada pelo caldo hormonal da adrenalina e cortisol, hormonas do medo, toma conta das entranhas, o medo paralisa, afeta seriamente o corpo e o coração e periga o quotidiano…

Daí, o imperativo divino «Não tenhas medo».

Mediado por tantos anjos, rostos e corações que Deus nos envia, para nos manter felizes.

Daniel Comboni escreveu que «o verdadeiro apóstolo não deve ter medo de nenhuma dificuldade, nem sequer da morte», porque «nunca se pode ter medo quando vela por nós com piedoso afã Aquela que se denomina Rainha dos Apóstolos».

Foi o que o anjo anónimo anunciou aos pastores que pernoitavam com o gado nos descampados de Belém: «Não tenhais medo! Eis que vos anuncio uma boa nova, que será uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje na cidade de David, um salvador, que é Cristo Senhor».

E ajuntou: «E isto será para vós o sinal: encontrareis uma criança envolta em panos e deitada numa manjedoura».

Deus não teve medo de encarnar a realidade humana na vulnerabilidade frágil de um bebé indefeso, nascido numa gruta que protegia os animais mais delicados e os pastores do relento da noite. E estabeleceu a sua tenda entre nós para caminhar connosco os caminhos da vida e ser Caminho. Também no meio da pandemia.

Nesta hora de crise sanitária, económica, social e eclesial, Ele está connosco e faz natal dentro de cada um de nós, não num presépio que se arma e desarma cada ano, ao ritmo dos dia. Mas num presépio vivo e ao vivo em que os figurantes somos tu e eu, todos!

Vai ser um Natal diferente por culpa do SARS COV-2. Um Natal mais despojado, mais sóbrio, mais simples, mais essencial, mais genuíno. Com menos pessoas, mas com mais espaço efetivo e afetivo para com quem o vamos viver.

Feliz Natal, sem medo! Mas com cuidado!

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