4 de novembro de 2014

CIMETERIUM NOSTRUM


Os Romanos chamavam mare nostrum – o nosso mar – ao Mediterrâneo. A bacia mediterrânica tornou-se o cimeterium nostrum – o nosso cemitério – para milhares de africanos e médio-orientais que morreram na rota do sonho europeu.

A Organização Internacional para as Migrações (OIM) publicou em finais de Setembro o relatório «Viagens fatais – Rastreando vidas perdidas durante as migrações». 

O documento revela que entre Janeiro e Setembro deste ano 3072 pessoas morreram no Mediterrâneo, quase cinco vezes mais que em 2013. Vinham das costas da Líbia, Egipto e Argélia, em embarcações sobrelotadas e inadequadas. Mais de 40 por cento eram africanos subsarianos e do Corno de África (Somália, Etiópia, Jibuti e Eritreia). Outros 30 por cento eram do Médio Oriente, sobretudo da Síria, e do Norte de África.

The Migrantes Files documentou que, nos últimos catorze anos, mais de 22 mil pessoas encontraram a morte ao tentar chegar ilegalmente à Europa através dos desertos e do mar.

Entre Janeiro e Agosto, a Itália contabilizou 112 mil imigrantes que chegaram às suas fronteiras sem papéis, quase três vezes mais do que em 2013. Fogem da pobreza, de guerras, de regimes repressivos, de perseguições políticas e religiosas.

Vêm da República Democrática do Congo, Camarões, Guiné, Serra Leoa, Libéria, Senegal, Mali, Níger, Tunísia, Chade, Sudão, Etiópia, Eritreia, Somália ou Líbia. O coronel Kadhafi acolheu 2,5 milhões de trabalhadores subsarianos para fomentar o seu pan-africanismo. Depois da sua morte, em 2011, viram-se malqueridos pelas milícias que ocuparam o vazio político. Muitos decidiram tentar a sorte no eldorado europeu, outros regressaram às suas terras.

Isaias Afewerki transformou a Eritreia num campo de concentração e dois a cinco mil eritreus saem por mês, a salto, do país. São na maioria jovens desertores para escapar aos trabalhos forçados do serviço militar. Tornam-se presa fácil para bandos armados que os «caçam» no Leste sudanês e no Sinai para exigir resgates na ordem dos 17 mil euros. Entre 2009 e 2013, 25 a 30 mil eritreus foram sequestrados e um terço morreu em cativeiro porque as famílias não tinham meios para pagar a remição. O «negócio macabro», que inclui tráfico de órgãos, gera 460 milhões de euros por ano.

O Papa Francisco, quando visitou Lampedusa, em Julho do ano passado, para «chorar os mortos» do Mediterrâneo, denunciou «a globalização da indiferença» que faz perder o sentido da responsabilidade fraterna. «Estamos habituados ao sofrimento dos outros», disse, enquanto pediu perdão pela indiferença dos corações anestesiados a viver «na bolha de sabão do bem-estar».

Paradoxalmente, somos um continente que ganhou forma através de migrações sucessivas, mas desconsideramos a imigração. Descendemos dos Lusitanos, que vieram do cruzamento de povos locais com iberos do Norte de África e de celtas da Europa Central. Também temos sangue romano, suevo, visigodo, magrebino. Somos um povo e um continente de emigrantes que buscaram – e buscam – uma vida melhor noutras paragens, mas não queremos os de fora.

A IOM diz que as missões de busca e salvamento que as marinhas de guerra levam a cabo no Mediterrâneo para impedir mais tragédias não chegam. É preciso mudar a legislação sobre a imigração legal, criar corredores seguros para refugiados, aumentar quotas de asilo e levar à justiça os traficantes que fazem milhões à custa da esperança de quem sonha com uma vida melhor. E a ajudar a criar condições económicas sustentadas que fixem as pessoas.

«Tende a coragem de acolher aqueles que procuram uma vida melhor», apelou o Papa Francisco para os habitantes de Lampedusa. E também à Europa! Até porque com o índice de natalidade que temos, vão ter de ser os imigrantes a garantir as nossas reformas.

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