No evangelho do quinto domingo da estação pascal para o ano C Jesus anuncia: «Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros; como Eu vos amei, que também vós vos ameis uns aos outros. Nisto saberão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (João 13, 34-35).
Este é o pulsar do coração do Evangelho de Jesus: o amor ao seu jeito é o caminho que nos repara e salva, que nos faz felizes. Por outro lado, o que nos distingue como cristãos não são tanto as cruzes mais ou menos valiosas e trabalhadas que levamos ao pescoço, mas o amor até ao fim, extremado, brutal, consumado. Ao jeito de Jesus de Nazaré.
Jesus ensina-nos através do seu viver que amar é autodescentrar-se. Amar é colocar o OUTRO no centro do coração. Um esforço árduo e contracultura em tempos da ditadura globalizada do eu.
Quando preparo a homilia dominical em guji, gosto de conferir a mensagem do evangelho com algum ditado do povo com quem vivo há uma dúzia de anos.
Este povo tem um provérbio que costumo citar nas homilias dos casamentos: «Ka wol jaalatanu harka wol qabanu», «Os que se amam dão-se as mãos». Este provérbio cheio de sabedoria foi transformado num refrão lindo e cantado até à exaustão: «Deus amor, Deus amor, Oh Deus amor; se nos amamos uns aos outros, damo-nos as mãos e, em verdade, vivemos».
Desta feita, peguei na grossa coleção de 4670 provérbios dos povos oromos, coligada pelo padre George Cotter, um Maryknoll norte-americano que foi missionário na Tanzânia e na Etiópia, sob o título sugestivo «Salt for stew» («Sal para o guisado») e pus-me à procura de um adágio diferente sobre o amor.
Entre uma dúzia, houve um que me chamou à atenção: «Jaalalti goggoduun lafe namaa dhukkubsiti». A tradução literal é esta: «O amor seco faz adoecer os ossos de uma pessoa».
Fui consultar um vizinho a ver se havia correspondência em guji. Confirmou que o provérbio era igual com a diferença de que o verbo «dhukkubsiti» em guji é «dhukkussiti».
Explicou ainda que o amor seco é o amor feito só de palavras, sem obras. Um amor nocivo, insalubre.
Aliás, João, na primeira carta que escreveu, adverte os leitores para o amor seco. «Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade», avisa (1 João 3, 18).
A minha homilia nesse domingo andou à volta do mandamento novo de Jesus e dos perigos de um amor seco, palavroso, sem obras. Quando citei o provérbio nas duas missas que celebrei na igreja de Qillenso e na capela de Chirra, notei sorrisos na assembleia.
Chaltu, uma jovem de Chirra que me acompanha a algumas capelas – quer ser freira, mas antes tem que terminar o décimo segundo ano – informou-me que há outra versão do ditado: em vez de «lafe namaa dhukkussiti» (faz adoecer os ossos de uma pessoa), diz «nama murti», corta uma pessoa (no sentido de golpear. O verbo «murisa» também significa julgar).
É interessante como os povos captam o sentido de Deus através das suas expressões culturais seculares. É a sua teologia encarnada.
A este esforço de cruzar o Evangelho com a sabedoria do povo que o acolhe chama-se inculturação. É uma maneira prática e localizada de transmitir a fé através de imagens que fazem parte do seu depósito cultural.
Este depósito, contudo, vai-se perdendo com o desaparecimento dos mais velhos, que são o registo vivo da cultura local. Diz-se que em África quando morre um ancião desaparece uma biblioteca.
Quando às vezes quero verificar com a cozinheira se há algum ditado guji que corresponda ao que o livro dos provérbios inclui, ela pergunta ao pai, um ancião curtido por milhentos sóis, quando vai a casa depois do almoço ou do jantar. Vivem à frente da missão.
Os jovens, hoje, nativos do digital e ligados à internet, têm outros interesses.












