23 de abril de 2023

É O RAMADÃO


Olá amigo,

Quisera dormir, pois amanhã é domingo, dia de pica-boi, pelo menos para nós, padres. Mas há tiroteio forte aqui à minha volta. Uma coisa por demais. Porém, não é de guerra. é Ramadão, cuja festa do último do mês é amanhã, ou melhor, é hoje, daqui a poucas horas. Tem sido assim todo o santo mês. E eu a pensar que conhecia um pouco de Islão... Pelo menos no Sudão era muito mais mitigado. Talvez porque a vida é muito mais dura.

A nossa casa, imagina, está no centro do Mercado da cidade e a dois passos do metro. Aqui as buzinas usam quase todos os tipos de sons a ar comprimido, redobrados, ouvem-se e ecoam aqui na minha janela que tenho aberta por causa do calor tórrido. No mercado está tudo aberto até pelas três e mais da manhã com todo o resto e tipo de barulhos que vai acalmando só depois das três da manhã. Tentei usar uns tampões de cera nos ouvidos. Mas em vão.

Quero ser sincero contigo: sinto-me bem em saber e poder respeitar, mesmo que me custe muito, pois amanhã tenho missa muito cedo e hoje nem a homilia posso preparar tão bem como desejaria. Mas conforta-me ao saber que Deus sabe da minha boa intenção. O resto, estou de consciência tranquila, conto com Ele que é quem tem que agir, já que me chamou para este tipo de vida, a vida missionária, de que Ele é só Ele é o Senhor e dono...

Entretanto, chegam notícias do Sudão, da minha missão anterior. Alguns colegas hoje, depois de uma semana de Paixão prolongada e fora de tempo, puderam sair do esconderijo da casa -- ao menos em Cartum têm cave quando o resto da gente não tem nem sequer esse tipo de esconderijo em casa ou um qualquer buraco -- e ir ao mercado.

Poucos alimentos expostos e preços de guerra. Conheço bem os meus colegas! Imagino-os a tentar gracejar e rir, dizendo que até que enfim puderam emagrecer, fazendo uma semana de regime, embora um tanto duro e forçado.

El hamdu liliah! Graças a Deus!

Caro amigo, obrigado pela tua oração pela missão aqui no Egito, no Sudão e em qualquer outra parte do mundo. Bem precisamos das vossas orações. Tenho os olhos cansados, mas vou tentar dormir. Obrigado pela tua paciência de me teres acompanhado na minha vigília ramadanesca.

Continuação de um bom e santo tempo Pascal.

P. Feliz - Missionário Comboniano
Helwan, Cairo, Egito

1 comentário:

ElviMejia disse...

A inculturação exige passar por tudo isso que o Padre Feliz descreve. Tradições, horários, hábitos e necessidades diversas nos colocam sempre diante de uma das maiores demandas para uma convivência fraterna: a tolerância.