16 de março de 2023

NEGUELE É NOSSA!

 

O Parlamento da Oromia decidiu re-estruturar algumas zonas administrativas do mais vasto estado regional etíope e o território guji foi incluído nessa reconfiguração.

Na segunda-feira, 27 de fevereiro, o Conselho Regional Oromo anunciou que a capital administrativa da Zona Guji passava de Neguele — perto da fronteira com a Somália — para Adola e que Neguele era a capital da nova Zona Borana-Leste. Além disso, Shakisso, uma área guji rica em ouro e outros minerais, passava a zona autónoma administrada diretamente pelo Governo Oromo.

A inclusão de Neguele e de três distritos gujis no território borana sem consulta prévia criou uma onda de contestação violenta muito forte entre os guji, sobretudo nas zonas urbanas.

Os manifestantes — sobretudo jovens — vieram para a rua gritar “Negeele kennaa”, “Neguele é nossa”, ao mesmo tempo que exprimiam a raiva através de alguns atos de vandalismo.

Na cidade de Bore, a meia centena de quilómetros a norte de Qillenso onde vivo, pelo menos três pessoas foram mortas e duas feridas em recontros violentos com as forças da ordem (polícia e tropas).

Muitos manifestantes acabaram na prisão.

A estrada asfaltada que atravessa a região — é uma artéria fundamental para o abastecimento do sul da Oromia — tem sido frequentemente cortada através do derrube de árvores ou com pedras. A via atravessa florestas densas e é fácil cortar árvores.

Durante a noite de terça, 28 de fevereiro, pessoas não identificadas abateram à machadada um dos postes do ramal elétrico de média tensão que também serve a missão, deixando às escuras durante uma semana as cidades de Me’ee Bokko e Hirba Muda além de algumas aldeias.

As escolas foram encerradas a 1 de março para evitar que os alunos viessem para as ruas engrossar a contestação.

A 6 de março os comerciantes de Adola mantiveram as lojas fechadas em sinal de protesto.

Os militares patrulham as cidades e as estrada principais para tentar controlar a situação.

Entretanto, uma alta delegação guji deslocaram-se a Adis-Abeba — em oromo chamamos-lhe Finfinne — a 8 de março com o objetivo de reverter a anexação de parte do seu território na zona dos boranas.

Fontes bem informadas explicaram-me que a possibilidade da restituição do território guji incorporado na Zona de Borana-Leste é remota.

O trabalho pastoral da missão de Qillenso — com exceção da escola que foi reaberta esta segunda-feira mas funciona a meio gas — continua sem problemas. As patrulhas militares resolvem rapidamente of cortes de estrada. O único senão foi ficarmos às escuras e sem água em casa durante uma semana. Mas foi interessante voltar a viver à luz das velas!

Espera-se que a vontade do Parlamento Oromo em não mexer na restruturação administrativa não volte a trazer as pessoas para a rua para expressar indignação.

Os jovens, desempregados e afastados do ensino superior — somente cerca de três por cento conseguiu no fim do ano letivo anterior passar no exame de ingresso à universidade —, são um grupo muito volátil, vulnerável e manipulável.

Agora que parece que as chuvas regressaram, precisamos de paz para preparar os campos e iniciar a nova campanha agrícola.

Além dos distúrbios causados pela recente reforma administrativa, o território guji tem sido palco de recontros entre os rebeldes do OLA (Exército de Libertação Oromo na sigla em inglês) e as tropas do Governo a sul de Adola, na estrada para Neguele, e na zona de Shakisso.

O Governo tem enviado grandes colunas militares para a área, mas o conflito só pode ser dirimido através da negociação, como aconteceu com a revolta do Tigré. As autoridades dizem à população para abandonar as áreas dos confrontos, mas, segundo fontes bem informadas, os rebeldes não o permitem usando-as como escudos humanos.

A insegurança causada pelo conflito tem afetado o nosso serviço missionário nalgumas capelas da região. Há três comunidades que ainda não conheço, porque os catequistas dizem não ser seguro ir lá celebrar a Eucaristia.

A terra guji precisa urgentemente de paz. As pessoas trazem sempre a paz — “nagueya” — na boca e rezam incessantemente por ela durante as eucaristias. “Nagueya” é a palavra-chave das saudações dos gujis.

A experiência de insegurança das últimas semanas assustou muito a gente. Associa-te, por favor, a esta corrente de oração.

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