8 de fevereiro de 2022

VAI UM CAFEZINHO?




Estamos no fim da época da apanha do café nas terras de Qillenso. A altura e a temperatura mais baixa fazem com que as suas bagas amadureçam mais tarde que noutras partes da Etiópia.

A apanha é trabalho árduo, lento, paciente! As bagas encarnadas são apanhadas à mão. Como era a apanha da azeitona em Cinfães, a minha terra. Não há máquinas.  

As flores, a promessa da nova colheita, já se adivinham nos gomos brancos que se formam junto às folhas do cafeeiro.

O café é o ouro vermelho, verde ou negro da Etiópia, a fonte primeira de entradas de divisa estrangeira no país.

A cor? Depende! Se consideramos a casca externa — encarnada, a cor da semente seca — verde clara, ou o café pronto a servir.

A cultura do café foi introduzida nesta parte da Etiópia há cerca de duas década. Dá muito trabalho: o cafezal tem de ser mantido limpo, o café á apanhado à mão, tem de ser seco ao sol… Mas também dá algum dinheiro apesar de os intermediários pagarem menos de um euro por quilo ao produtor. Os ganhos maiores ficam nas cadeias de comercialização.

É o dinheiro do café que, em parte, tem melhorado a vida das pessoas desta área nos últimos vinte anos: têm casas melhores, alimentam-se e vestem-se melhor. Estão mais saudáveis. E podem mandar as filhas e filhos para o ensino secundário e superior, fora da área.

Também temos um cafezal na missão. Dividido em três pequenos talhões. Não é grande, mas dá trabalho que chegue. É um modo de melhorarmos o orçamento da comunidade. E de beber café cem por cento biológico garantido!

O gosto do café cultivado, seco, torrado, moído e feito — fresco — é muito diferente do produto comercializado onde me lês. Aqui não há misturas de lotes: é lote único.

Enquanto vou apanhando as bagas de café, com as mãos ásperas e sujas, os braços doridos pelo esforço de chegar aos frutos mais distantes dos ramos sem os quebrar, ouvindo a sinfonia extraordinária que forma o canto das aves neste paraíso verde ainda com alguma floresta intacta, dou comigo a cismar: quem imaginou que estas bagas encarnadas e carnudas, tipo cereja miúda, depois de secas e descascadas, torradas, moídas e fervidas, seriam a bebida estimulante apreciada por todo o mundo?

Os etíopes dizem que a descoberta é sua!

Café, em amárico — a língua que é considerada nacional — diz-se buna. Mas a palavra internacional para o produto — café, coffee… — encontra supostamente a raiz em Kaffa, a região da Etiópia onde o café crescia selvagem.

Contam que um guardador de cabras deu-se conta de que os animais ficavam muito mais ativos e barulhentos depois de ruminarem as bagas vermelhas de um arbusto na floresta. Foi provar e sentiu-se ligeiramente diferente, mais leve!

Então apanhou algumas bagas, meteu-as na sacola e foi consultar um monge do mosteiro vizinho. Aqueles frutos encarnados seriam coisa de Deus ou do Diabo?

O monge ouviu a história das cabras hiperativas, examinou as bagas que o pastor lhe apresentou e atirou-as para a fogueira que aquecia a noite fria das terras altas etíopes.

Definitivamente aquelas sementes eram coisa do diabo.

Mas, eis que um perfume agradável se desprendeu das bagas em contacto com o braseiro.

Curioso, o monge decidiu tirar da fogueira as sementes tostadas com a ajuda de um chamiço. Colocou-as numa taça com água quente. A água escureceu. O religioso provou a bebida: era amarga, mas gostosa. Para surpresa sua, nessa noite manteve-se desperto na vigília: rezou até à alba sem qualquer ataque de sono.

Afinal aquelas bagas eram coisa de Deus!

E assim foi descoberto o café — cujo nome recorda que vem de Kaffa, na Etiópia. Mas foram os árabes que comercializaram a bebida estimulante. Hoje, o Brasil é o maior produtor mundial de café.

Aqui, até as cascas secas do café são aproveitadas para fazer uma infusão, uma espécie de chá de café, o cafezinho dos pobres.

O café, esse é fervido e temperado de muitas maneiras: com açúcar, cravinho, canela, leite, manteiga, sal…

Na Etiópia, a cerimónia do café é uma liturgia longa. Começa com a preparação do lugar — espalhando erva verde no chão — e o acender do fogareiro a carvão.

Depois as sementes esverdeadas são apresentadas aos convidados, torradas à sua frente, moídas no pilão e fervidas num púcaro de barro próprio, jabená. O café é servida em zi’ina, uma chávena pequena sem asa. Manda a etiqueta que se bebam três xícaras. Depois de cada servir, a fazedora do café — que se mantém num silêncio concentrado, religioso — vai juntando água à jabená para diluir a bebida.

Vai um cafezinho?

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