11 de janeiro de 2022

NATAL EM JANEIRO





Começo esta crónica com uma explicação: o Papa Gregório XIII promulgou um novo calendário solar — aquele que usamos e que, por isso, chamamos de gregoriano — em 1582 para ratificar alguns problemas com o calendário juliano que é lunar e andava dez dias adiantado em relação ao ano solar. As igrejas ortodoxas, contudo, não o aceitaram e continuam a usar o calendário antigo. Por isso,  o Natal na Etiópia cai a 7 de janeiro. A Igreja etíope faz parte da comunhão ortodoxa. A Igreja católica na Etiópia também celebra o natal no mesmo dia.

A preparação para o Natal etíope é trabalhosa: é preciso decorar as igrejas e as casas, ir à erva aos charcos para colocar no chão, ensaiar os coros, comprar e preparar comida…

No dia 6, durante o almoço, alguém bateu à porta! Pediu para eu ir benzer um boi: a comunidade fez uma vaquinha e comprou-o para o almoço comum da festa! Tive pena do animal…

Notei a azáfama das mulheres a preparar a injera — o pão típico da Etiópia, uma espécie de panqueca gigante feita de farinha de tef, um cereal miúdo — e a bebida: uma mistura de água, mel e uma folha seca moída para dar «pica».

Tivemos a visita de dois colegas que vieram de Adis Abeba (a capital) para passar o Natal connosco: o P. Miguel, comboniano peruano que trabalhou muitos anos em Qillenso e que foi transferido temporariamente para a comunidade provincial, e o P. André, consoles, que está a aprender o amárico numa escola da capital.

Celebrei a missa do galo, no dia 6 à noite, com os utentes do hospício que as Missionárias da Caridade têm em Adola. O espaço estava engalanado com bandeirinhas e alguns presépios. É a casa de cerca de 60 mulheres, 40 homens e 12 bebés rejeitados. Pessoas com problemas graves de saúde que a família e o hospital local abandonaram. As irmãs dão-lhe o amparo possível. Gostei muito de uma estrela gigante de plástico e lâmpadas coloridas com o presépio dentro.

A capela é feita de bambu. Parece um enorme cesto com a boca no chão. Os participantes — de credos diversos — cantaram e rezaram o Senhor no seu nascimento. A liturgia foi pontuada pelo choro de alguns bebés. Algumas senhoras trajavam a rigor com os vestidos bordados e a natalá — a mantinha branca na cabeça e dorso.

A consoada, preparada pelas irmãs de Madre Teresa, foi simples: uma sopa de carne e legumes e uma pequena rosca doce, feita por elas. Soube-me muito bem!

A noite de Natal muito curta: pelas três da manhã, os clérigos ortodoxos começaram a celebrar a missa nas diversas igrejas de Adola, através de sistemas de som em alto volume. Usam o gue’ez — uma língua antiga — na liturgia e a missa é toda cantada! Rezei com eles uma vez que não conseguia voltar a dormir embora não entendesse o que cantavam.

De manhãzinha coube-me o papel de pai-natal: distribuí, com a irmã encarregada da secção masculina, um pequeno cobertor e um saco com algumas guloseimas a cada pessoa. Na secção feminina também houve distribuição de prendas. Tanto homens como mulheres celebraram as prendas com canções e danças tradicionais gujis em que gammadá — alegria — era a palavra de ordem!

Às 9h00, celebrei a missa na Igreja de Adola, dedicada a São Daniel Comboni. O templo estava decorado e umas 70 pessoas tomaram parte na eucaristia que demorou pouco mais de hora e meia. As pessoas estavam vestidas a preceito, muitas envergando roupas novas. No final, distribuímos biscoitos pela petizada para eles também sentirem o Natal de forma diferente. Muitos usavam óculos de sol de plástico — parece que foi a prenda da moda deste ano.

Depois do missa em Adola, fui a Qillenso para almoçar com a comunidade local. Pelo caminho vi portas de muitas casas decoradas com ramos verdes, fitas brancas e balões coloridos. Algumas moto-taxis com que me cruzei também estavam decoradas com balões. As pessoas caminhavam tranquilamente, vestidas a rigor. A festa andava no ar!

A igreja de Qillenso estava repleta de gente e muito bem decorada com flores, balões e erva no chão. Os coros dos jovens e das mulheres esmeraram-se.

No fim da missa — presidida pelo P. Miguel — comemos juntos o boi que eu benzi no dia anterior. A carne foi cozida com e sem pó de piri-piri, uma tradição local. O centro paroquial estava repleto. Os jovens comeram no exterior.

Notei que alguns homens vestiam fatos brancos com uma árvore verde bordada repetidamente — a oda, o símbolo dos oromos. As mulheres estavam resplandecentes com os seus vestidos com bordados tradicionais, a mantinha e os penteados de festa.

À noite fomos jantar com as irmãs em Adola. Começamos por cantar algumas canções de natal em inglês. Há muitos anos que não o fazia! Depois partilhamos uma refeição simples mas alegre onde não faltou o panetone — o bolo de natal típico da Itália — confeccionado por uma irmã romena. As outras quatro são indianas.

A marca maior deste natal etíope foi a amnistia dada pelo primeiro ministro Abiy Ahmed a um grande número de prisioneiros, incluindo figuras da oposição. É o primeiro passo no diálogo de reconciliação nacional que o país precisa para viver em paz.

2 comentários:

Maria Teresa Gonçalves Ferreira disse...

Obrigada, Caríssimo Padre José Vieira, por esta crónica sobre o Natal na Etiópia! Gostei que tenha sublinhado que alguns homens e mulheres vestiam a rigor para a Festa! Só pena que não eram todos...No entanto, é uma nota de que se sentiam em Festa. Também gostei da palavra de ordem no cântico ser a ALEGRIA! Que bom! E também que bom a refeição em comum, mesmo com pena do boi.... Que o Senhor abençoe o vosso trabalho! Abraço grande a cada um. Maria Teresa Gonçalves Ferreira

Francisca disse...

Obrigada amigo pela a partilha! Muitas bençãos 🙌🙏,Boa missão!😘🙌