11 de março de 2018

R.D. do Congo: APELO VIBRANTE



 Eugène MUHINDO Kabung

«Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!» (Mt 25:40)

Porque é que me persegues, porque é que me matas? Não pertencemos todos à mesma natureza humana? Haverá ainda um pouco de humanidade? É certo que o sofrimento é inerente à humanidade, porque nascer já é entrar no sofrimento (Schopenhauer). No entanto, sem pretender omitir esta afirmação, o nosso olhar para com o outro deve nos desafiar a viver o dom do irmão, irmã. Desta forma, longe de persegui-lo, massacrá-lo, sequestrá-lo, é humano partilhar e promover a cultura da paz.

O que é que realmente está acontecendo no Congo, particularmente em Kinshasa, Lubero e especialmente Beni? Não podemos ficar indiferentes quando as pessoas são mortas, violadas sequestradas. Quem é o pai que se alegra com a morte de seus próprios filhos e seu infortúnio? A não ser que seja um sádico, tornando-se como aqueles animais que comem os seus próprios pequeninos.

A realidade que se está vivendo na República Democrática do Congo é trágica e podemos perguntar-nos que legado estamos a deixar para as gerações futuras, ao semearmos todos os dias a semente da vingança. Com certeza que não é apenas aqui no Congo, mas, em tantas outras partes do mundo que sofre de constantes guerras e estupros, como no Sul do Sudão. É horrível, o que se está a passar na província do Norte do Kivu (RD Congo) e em particular nas cidades Beni e Lubero de onde sou natural: massacre de populações, violações de mulheres e crianças, raptos de crianças para fazer delas crianças-soldados. Desde 2009 até hoje este fenómeno aumenta de dia para dia. Desde então, vive-se autênticas barbaridades, onde muitas famílias foram reduzidas e encontram-se num estado de pobreza e luto. Na minha família por exemplo em menos de um ano perdemos quatro membros, todos eles raptados e deles não há notícias. O mais certo é que foram mortos à machadada ou com machetes ou com outro tipo de armas brancas nas florestas vizinhas como tem acontecido com centenas de pessoas. Pergunto-me para que servem os 17 000 soldados da ONU (MONUSCO). O número de viúvas, de crianças órfãs aumenta de dia para dia, famílias inteiras são exterminadas.

Quero deixar-vos o testemunho de uma criança que encontrei numa família de acolhimento: «Eu chamo-me Ali, nasci e cresci em Eringeti. Os meus pais são agricultores. O meu pai tem um moinho. Numa certa tarde em que o pai tardava em regressar do moinho, uma multidão de homens e mulheres, jovens altos, uns vestidos de preto e outros de branco entram na nossa casa. A minha tia estava na cozinha, a minha mãe no quarto, o meu tio na sala de entrada, eu e meus irmãos junto da nossa tia. Estes homens obrigaram-nos a partir com eles. Quando partimos, um deles colocou-se sobre os meus ombros e perguntou-me como me chamava, eu respondi-lhe que me chamava Ali. Eles tinham catanas, machados, martelos, etc. Quando chegámos junto de uma bananeira, longe do nosso bairro, começaram a massacrar a gente. Então eu chorava… chorava… Sim, chorava. Eles deixaram-me junto de uma mulher toda enxovalhada e suja. Eu pensava que era a minha mãe. Então eu chamava: Mãe, mãe, mãe… Oh mãe, tu dormes muito, mãe eu tenho frio, cobre-me, mas a mãe não respondia. Durante toda a noite eu chorava pela mamã. Então pela manhã cedo um senhor apercebeu-se que eu chorava pela mamã. Este senhor estava com medo e correu de volta para me encontrar e levar-me dado que eu me encontrava no meio das pessoas que tinham sido mortas. As minhas roupas estavam banhadas de sangue. Então, a esposa deste senhor vestiu-me e deu-me de comer. Por fim reconheceu minha identidade.

Quando meu pai chegou (...) um dos meus irmãos chegou a casa, trouxe a mensagem de outros mortos: mãe, tia, tio e irmãos, e aqueles que ele não conhecia. Eram dez horas da manhã. Então meu pai, perturbado, chamou um seu amigo da localidade de Beni. Ele veio ter connosco após os enterros. Eu continuava a chamar e chorar: Mamã, mamã, mamã… A minha morreu desta maneira e o meu pai está doente.»

Podemos imaginar o sofrimento desta criança e o trauma que se seguiu. O testemunho desta criança nos mostra o sofrimento de milhares de crianças que viram morrer as suas mães e mães que viram morrer os seus filhos de forma horrorosa e indiscritível.

Quero deixar um apelo vibrante a toda a humanidade para que o fogo da caridade possa acender-se em cada pessoa a fim de podermos construir um mundo mais humano e fraterno. Quem és tu que matas o teu irmão? Recorda-te que «todos os que lançam mão da espada pela espada morrerão».

A mensagem do Papa Francisco para a Quaresma deste ano interpela-nos a estar atentos aos profetas da mentira, citando a passagem de Mt 24,12: «Porque se multiplicará a iniquidade, vai resfriar o amor de muitos». Cada um interrogue-se o que está fazendo pela paz no mundo. E assim, ouça, veja e aja. Que a misericórdia de Deus converta os inimigos da paz.

Que Cristo seja o nosso modelo. E que Maria e José intercedam por este povo sofredor.

Kisangani, 09/03/2018 
Eugène MUHINDO Kabung, 
Postulante comboniano

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