The Sentry, um projecto do actor George Clooney e do activista John Prendergast para desmontar o sistema de financiamento dos conflitos africanos mais letais, publicou em Setembro um relatório-investigação sobre a guerra civil que destrói o país mais jovem do continente intitulado «Crimes de guerra não deviam compensar – para parar o saque e a destruição no Sudão do Sul».
O documento usa umas 30 vezes as palavras «cleptocrata» e «cleptocracia» para descrever as elites sul-sudanesas de ambos os lados da trincheira. O termo vem de «cleptos», vocábulo grego para roubo/roubar. Cleptocrata é um governante ladrão e cleptocracia um governo de ladrões.
Os investigadores estudaram as contas e os bens patrimoniais dos líderes político-militares mais influentes, incluindo o presidente Salva Kiir, o seu opositor Riek Machar (ambos na foto), o chefe do Estado-Maior-General Paul Malong e o seu adjunto para a logística, general Malek Reuben. A conclusão? Todos os actores e familiares directos enriqueceram e muito com a guerra civil por meio de negócios obscuros em violação da lei.
As 66 páginas do relatório indispuseram-me muito. Cobri eventos de alguns dos investigados. Nós, missionários e missionárias da Casa Comboni, jantámos duas vezes com Kiir, nosso vizinho. Presidi a algumas missas na Catedral de Juba com o presidente sentado num sofá da frente e trocámos algumas palavras. Inclusive, no fim de uma conferência de imprensa, dirigiu-se para me saudar, para espanto dos camaradas da informação.
Tinha Kiir por pessoa de bem. Admirei o modo como guiou o Sul até ao referendo de autodeterminação de 2011 apesar das muitas armadilhas montadas pelo Governo de Cartum para descarrilar o processo. Surpreendeu-me a crise política que gerou no início de 2013 numa luta intestina para controlar o poder através da manipulação do partido, ele que dera sinais de não querer concorrer às eleições de 2015. Nunca me ocorreu nas análises mais sombrias que usasse a guerra para consolidar o domínio sobre os vastos recursos e negócios do país.
Kiir durante a guerra construiu um grande rancho em Luri, a 16 quilómetros de Juba, e tem uma mansão de luxo num bairro chique de Nairobi. O relatório diz que ele e membros da família detêm participações em duas dúzias de empresas ligadas ao petróleo, mineração, construção civil, apostas, operações cambiais, telecomunicações, aviação... Um filho de 12 anos é dono de 25 por cento do capital de uma sociedade financeira!
Outros figurões do regime e da oposição também têm grandes propriedades no Quénia, Uganda e Austrália, participações em múltiplas empresas, parentes chegados a viverem em grande luxo fora do país como mostram nas páginas nas redes sociais. O KCB (o Banco Comercial do Quénia) é a instituição de referência para transferências nebulosas.
Entretanto, o cidadão comum sofre violência, fome e morte com casas, gado e cultivos destruídos e mulheres e meninas violadas pelas forças de ambas as partes numa orgia de crueldade. A guerra já matou 300 mil pessoas, deslocou 2,7 milhões e tem 4,8 milhões sob ameaça da fome desde 15 de Dezembro de 2013.
Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU, foi contundente na última assembleia geral, em finais de Setembro: «No Sudão do Sul, os líderes traíram o seu povo.» Traíram, sim, pela ganância e corrupção. Infelizmente o Sudão do Sul não é a única cleptocracia africana.
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