10 de abril de 2006

Abrir aspas

A VINGANÇA
DAS GALINHAS

A galinha talvez seja a primeira ave a ter sido domesticada há cerca de 12 mil anos quando o ser humano começou a ficar sedentário. Desde então as galinhas têm um destino sinistro: raramente morrem de morte natural. São mortas para o consumo humano. Na perspectiva delas, a vida é simplesmente uma tragédia. Normalmente as galinhas eram e são criadas ao ar livre, perambulando ao redor das casas. Ainda hoje as «galinhas caipiras» são preferidas por serem muito mais saudáveis. Modernamente com a sociedade da produção industrial, elas foram transformadas em máquinas para produzir carne e ovos. Fechadas, às milhares, em aviários nos quais em cada metro quadrado são criadas de dez a doze, enganadas pela iluminação que lhes tira a percepção da noite, alimentadas por promotores de crescimento e de antibióticos para crescerem até um ponto comercialmente ideal, quarenta dias, elas são submetidas a grande padecimento. Se Gandhi, o Dalai Lama ou qualquer pessoa sensível ao sofrimento visitassem um desses currais aviários, seguramente se indignariam e até chorariam de compaixão. Mas nossa espécie se especializou em submeter impiedosamente todas as demais para tirar proveito delas mesmo que implique grande sofrimento.
Sabemos hoje que todos os seres vivos formamos uma única comunidade de vida, pois somos portadores do mesmo alfabeto genético - as quatro bases fosfatadas e os 20 aminoácidos. Por que então impor este padecimento na forma de crueldade para com nossos familiares e parentes naturais?
Depois de séculos de violência, as galinhas agora estão nos dando o troco. É a vingança das galinhas. Ela vem sob a forma da gripe aviária que está atingindo outros seres vivos e pode alcançar também os humanos. É o famoso vírus H5N1. Vírus aviários sempre existiram em formas não letais. Agora este H5N1 se revela uma cepa patogénica. Se sofrer mutações que o torna capaz de transmitir-se aos seres humanos, ele pode se replicar loucamente e matar entre 150 milhões a um bilhão de pessoas, consoante previsões científicas. Surgido pela primeira vez em 1997 em Hong-Kong, agora atingiu quase metade do mundo. Não existe um antídoto que o elimine, apenas possui efeito limitante. É o Tamiflu que não age profilaticamente, apenas 18 horas após a infecção. Foi desenvolvido a partir de um ácido extraído de vagens de anis estrelado encontradas em algumas províncias da China. A companhia farmacêutica norte-americana Gilead Sciences da qual o Secretário da Defesa do Governo Bush, D. Rumsfeld, foi presidente e é sócio, desenvolveu o antivírus Tamiflu. Cedeu a licença exclusiva de produção a Roche suíça que está lucrando milhões de dólares e reluta em subceder licenças de produção por causa da não anuência dos accionistas.
Hoje é sabido: a origem da gripe não provém de galinhas criadas ao ar livre, mas das práticas avícolas industriais e pela utilização de «subprodutos» da criação avícola como ração industrial. A Fundação BirdLife demonstrou que o padrão de focos da gripe segue as rotas das estradas e das vias férreas e não as rotas dos vôos de aves migratórias. A gripe é conseqüência do manejo cruel que nós seres humanos temos feito com as galinhas confinadas. Ai está o nicho de reprodução do vírus. É uma doença sistêmica. Ela demanda uma forma de relação com os seres vivos que não implique crueldade mas racionalidade e compaixão.

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