O Ano Novo é tempo bom para pensar o tempo.
A ideia de dividir o ano em meses, semanas e dias usando como medida o tempo da translação da Terra em volta do Sol nasceu na África: os astrónomos egípcios calcularam o ano solar há mais de seis mil anos. Dividiam o ano em 12 meses de 30 dias (agrupados em três quadrimestres relacionados com o ciclo agrícola – as cheias, as sementeiras e as colheitas) e juntaram um décimo terceiro mês de cinco dias para acertar as contas do ano solar. Chamavam-lhe Epagomene e marcava o início do ano, uma espécie de celebração prolongada do Ano Novo dedicada aos deuses. A semana tinha dez dias. Hoje, a Etiópia e a Eritreia ainda seguem este calendário de 12 meses mais um e na Etiópia chamam Pagomê ao mês de cinco (ou seis dias em ano bissexto) que colocam no fim do ano.
Chamamos gregoriano ao calendário que nos governa desde Outubro de 1582, porque foi o Papa Gregório XIII que pediu aos astrónomos que corrigissem as imprecisões do calendário juliano (do imperador romano Júlio César) por causa da data da Páscoa: o calendário civil já andava dez dias atrasado em relação ao calendário solar.
O arco que a Terra descreve à volta do Sol não é a única maneira de medir o tempo. Há um calendário mais simples de ler: a Lua.
Um mês lunar é o ciclo que vai de lua nova a lua nova. Cada ciclo dura em média 29,5 dias. O ano lunar, composto de 12 ciclos, corresponde a 354 ou 355 dias. É o calendário seguido pelos muçulmanos e muitos povos – como os Gujis do Sul da Etiópia, com quem vivi, porque toda a gente sabe ler as fases da Lua.
Assim, o tempo pode ser contado de muitas maneiras e entendido de outras tantas. Na Mauritânia, Etiópia, Tanzânia e Uganda dizem que «vós [os ocidentais] tendes relógios, nós temos tempo». De facto, para os Gujis o relógio era uma pulseira com números a mudarem. O que contava o tempo era o Sol e a intensidade da sua luz. Nas manhãs de nevoeiro cerrado, o dia só começava quando havia mais claridade.
O filósofo e clérigo queniano John Mbiti escreveu na obra African religions and philosophy que «na sociedade ocidental ou tecnológica o tempo é um bem que tem de ser utilizado, vendido ou comprado; mas na vida tradicional africana, o tempo tem de ser criado ou produzido. O homem não é um escravo do tempo; em vez disso, ele “faz” todo o tempo que quer». Noutras palavras, enquanto nós, ocidentais, conta(biliza)mos o tempo – e dizemos que não temos tempo para nada –, os Africanos fazem-no e chega para tudo e para todos!
Confesso que me custou muito voltar a viver a guerra aberta com os ponteiros do relógio depois de oito anos a fazer tempo através das horas marcadas pelo ritmo da vida e das relações interpessoais. Não entendia porque é que as pessoas me vinham ver e diziam: «É só para te cumprimentar, porque não tenho tempo.» Tinham... se o fizéssemos juntos em amena cavaqueira à volta de um cafezinho! A vida não precisa de ser uma corrida contra-relógio. Como diz o Livro, «para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu» (Eclesiastes 3, 1). Votos de um Ano Novo cheio de tempo para ser feliz!
Sem comentários:
Enviar um comentário