Não, não são rosas em janeiro – que aqui também as há – mas é Natal! Os etíopes celebram o nascimento de Jesus no dia 7 de janeiro, a data do Natal ortodoxo. E porquê? Porque os ortodoxos não aceitaram o calendário gregoriano, obra do Papa Gregório XIII em 1582, e continuam a seguir o vetusto calendário juliano a contar desde 46 antes de Cristo.
Como se celebra o Natal católico na Etiópia?
A preparação difere. Os católicos que seguem o Rito Etíope ou Alexandrino – das quatro dioceses do Norte chamadas eparquias – têm um advento de seis semanas com jejum obrigatório para padres e monges, mas que os leigos também seguem: até ao meio-dia (ou até às três da tarde) não comem nada; depois carne, ovos e produtos lácteos estão fora do menu. Os que seguem o Rito Latino, a maioria dos fiéis – oito dioceses chamadas vicariatos apostólicos e uma prefeitura – fazem as quatro semanas de preparação sobretudo com oração intensificada.
Eu celebrei o Natal na Igreja Paroquial, em Qillenso, e na capela de Chirra, a comunidade mais jovem da missão.
A igreja de Qillenso estava decorada com o presépio – as imagens vieram da Europa: a Etiópia tem uma grande tradição na produção de ícones e outras pinturas, mas é pobre na escultura – e com junco pelo chão. As pessoas trajaram de festa com os vestidos tradicionais guji (em que predomina o branco com motivos decorativos a negro e encarnado, as cores da bandeira oromo) ou com trajes nacionais: brancos com bordados multicolor. E com penteados a condizer!
A celebração estava marcada para as 9h00, mas as pessoas chegaram tarde. Eram 10h00 quando a missa começou. A energia dos cânticos e das orações encheu o templo! Senti uma paz enorme enquanto presidi à eucaristia que demorou hora e meia.
Depois, os miúdos vieram comigo a casa para receberem dois rebuçados cada um! É um costume que se repete cada domingo. Às vezes levam biscoitos.
Na igreja, a celebração continuou com as prestações dos três coros paroquiais: das casadas, dos jovens com alguns adultos pelo meio e das adolescentes. Normalmente cada coro apresenta duas canções.
Eu estava atrasado e tive de correr para Chirra que fica a doze quilómetros de Qillenso, ao lado da estrada asfaltada.
A comunidade tem cerca de quatro anos e reúne-se para rezar na cabana da família que vendeu o terreno para estabelecer a comunidade. Cada capela tem um campo para cultivo e auto-sustento. Querem uma capela, mas primeiro queremos reforçar a Igreja das pedras vivas!
A capela-cabana estava cheia como nunca com muitas crianças sentadas no junco que cobria o chão. Fitas de papel higiénico e balões decoravam o espaço.
Quando cheguei já iam na segunda leitura. É costume começar a celebração da Palavra quanto o padre se atrasa.
Depois da oração dos fiéis benzi as camisolas que a comunidade mandou fazer para a ocasião com a frase «Para mim viver é Cristo» (Filipenses 1, 21) em guji estampada com uma cruz.
No final da Eucaristia, as crianças e os jovens vestiram as camisolas e o filho mais novo do catequista leu um poema alusivo à quadra que escreveu na tradição guji. Depois todos cantaram e pularam! E as 54 crianças e jovens receberam de presente um terço de plástico luminoso, que o Santuário de Fátima me ofereceu há dois anos.
Para terminar trouxeram dois grandes pães para serem partilhados por todos juntamente com copo de chá. Para o catequista, para alguns anciães e para mim havia também hititu, o iogurte local. A mesa da Eucaristia é mesa fraterna.
Quando cheguei a Qillenso já passava das 14h00, mas ainda havia gente no salão paroquial. No fim da missa e das atuações na igreja, houve pão e café para os graúdos e refrigerantes para os miúdos.
Jesus, através do mistério da Encarnação, fez-nos filhos de Deus e irmãos uns dos outros. O Natal é a festa da fraternidade.
A celebração mudou-se para casa à volta do almoço melhorado onde não faltaria a tradicional galinha cozida num molho espesso e bem condimentado.
A comunidade comboniana de Qillenso festejou o seu Natal com a ceia. Comemos galinha com injera (o pão tradicional etíope em forma de panqueca gigante) regada com uma garrafa de vinho tinto etíope, oferta do ecónomo provincial. Para terminar, panetone – o «bolo-rei» italiano com um dedal de uísque (da mesma procedência) e pipocas, preparadas pela cozinheira.
Assim celebramos o Natal de 2017 de acordo com as contas etíopes.
Bom Natal!