O julgamento dos 17 activistas angolanos acusados de planear um golpe de Estado para derrubar o Governo – e sobretudo a greve de fome de 36 dias de Luaty Beirão em Outubro do ano passado – ilustram a força que a sociedade civil africana tem como contrapeso às oligarquias que esvaziam os cofres públicos em proveito próprio e das clientelas que as sustêm. Beirão teve o mérito de manter o regime de Luanda sob o radar internacional por mais de um mês.
Os activistas angolanos, alguns deles filhos de notáveis do regime, foram detidos enquanto discutiam o texto «Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura – Filosofia política da libertação para Angola», uma adaptação que Domingos da Cruz fez da obra Da Ditadura à Democracia que Gene Sharp escreveu em 1994. Os arguidos passaram mais de 100 dias em prisão preventiva até o julgamento começar a 16 de Novembro em Luanda. Classificam o encontro em que foram detidos como uma discussão académica, mas estão a ser julgados por conjura para derrubar o presidente José Eduardo dos Santos, há trinta e seis anos no poder. Beirão, um cantor rap, durante o julgamento definiu o regime como «uma pseudodemocracia que encobre uma ditadura».
A sociedade civil africana começou a tornar-se notada e activa há duas décadas com o advento do multipartidarismo no continente. Grupos de cidadãos começaram a manifestar do Cairo ao Cabo uma inquietação crescente com a corrupção crónica que seca as economias nacionais e afecta as vidas dos cidadãos. No Senegal, derrubam em 2012 Abdoulaye Wade. Criaram organismos locais e alianças internacionais. Neste contexto, nasce em 1993 em Berlim a Transparency International para combater o impacto negativo da corrupção na África Oriental e que publica o temido Índice da Percepção de Corrupção anual. Mais tarde, surgiu nos Estados Unidos a plataforma Global Integrity para partilhar informação em tempo real sobre corrupção. O anglo-sudanês Mo Ibrahim, empresário bilionário do sector das telecomunicações, iniciou uma fundação para promover e premiar a boa governação no continente.
Durante a minha permanência no Sudão do Sul, relacionei-me com muitos membros da sociedade civil que promoviam a democracia, o Estado de direito, o acesso à justiça, os direitos humanos (sobretudo da criança e da mulher), a liberdade de expressão, as questões ambientais…
Em geral, eram jovens bem preparados e entusiastas. Dedicavam-se com generosidade vibrante às suas causas.
Também vi as suas dificuldades: a dependência crónica de financiamentos externos, a violência (física e legal) que o Estado usava para os confrontar e os esquemas para os neutralizar, absorvendo-os no aparelho governativo. Presto a minha homenagem a Isaiah Abraham, pastor e bloguista, crítico do Governo e defensor da democracia, silenciado por uma bala assassina em Dezembro de 2012 depois de várias ameaças de morte.
A sociedade civil tem um papel preponderante na consolidação da democracia em África. O relatório da Comissão de Inquérito da União Africana sobre a violência que marcou os últimos dois anos do Sudão do Sul advoga um maior envolvimento dessas organizações no processo de paz e reconciliação para lhes dar o necessário contexto cultural.
A Igreja também a reconhece como parceiro crucial no desenvolvimento dos Africanos. O papa emérito Bento XVI escreveu na exortação Africae Munus (O Serviço da África, n.º 79) que «a Igreja, agindo em colaboração com todos os outros componentes da sociedade civil, deve denunciar a ordem injusta que impede os povos africanos de consolidarem a própria economia e “de atingirem o desenvolvimento em conformidade com os seus traços culturais próprios”».
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