O Acordo Global de Paz – CPA na sigla em inglês, assinado pelo Governo de Cartum e o SPLA, o Exército de Libertação do Povo do Sudão, faz hoje três anos.
Três anos de paz para o Sul do Sudão depois de 21 anos de guerra civil com um balanço arrepiante: dois milhões de mortos e quatro milhões de deslocados, quase metade da população sulista.
O CPA, assinado em Naivasha – Quénia, a 9 de Janeiro de 2005, pôs termo à segunda guerra civil no sul e inaugurou um novo modelo político no Sudão: um país com dois sistemas.
O Norte, árabe e maioritariamente muçulmano, é governado pela Charia. O Sul, negro e cristão ou tradicional, é laico, governado por um governo semi-autónomo, com parlamento próprio, e segue a Lei Comum inglesa.
A paz, assinada há três anos, é contudo ainda muito frágil porque os protocolos mais quentes do CPA continuam à espera de implementação.
A fronteira que separava o norte do sul do Sudão a 1 de Janeiro de 1956, data da independência, ainda não foi demarcada por causa dos poços de petróleo. Os árabes querem puxá-la para baixo o mais que podem!
O estatuto e a fronteira do enclave de Abyei – território rico em petróleo ocupado por povos do Sul que os ingleses deslocar à força para norte da fronteira de 1956 – ainda não foram resolvidos e os cidadãos continuam sem administração civil, à espera que os dividendos da paz cheguem na forma de desenvolvimento.
Os militares do norte deviam ter abandonado o sul a 9 de Julho de 2007. Mas permaneceram junto aos poços do petróleo. O novo prazo de 31 de Dezembro para o deslocamento das forças também foi ignorado. Finalmente, antes de ontem decidiram partir e entregar a segurança da área às Unidades Integradas Conjuntas, formadas por militares do Norte e do Sul, como está previsto no CPA.
Por outro lado, a partilha dos dividendos do petróleo é tudo menos transparente. O Sul devia receber metade dos lucros da exploração do crude na sua área mas não tem maneira de verificar os dados que o Governo central lhe envia. E o orçamento é feito a partir dos dividendos do petróleo.
Finalmente, o recenseamento nacional tem sido adiado sucessivamente. Espera-se que venha a acontecer em Abril, a última data avançada pela respectiva comissão. Sem contagem da população não pode haver eleições – previstas para este ano, mas adiadas para 2009 – nem o referendo de 2011, em que os sulistas vão escolher entre a independência e o modelo actual de um estado, dois sistemas.
O protelar da execução do CPA levou o SPLM – Movimento de Libertação do Povo do Sudão –, a abandonar o governo de unidade nacional em Outubro, mergulhando o país numa grave crise política.
A comunidade internacional interveio, e o SPLM voltou ao governo a 28 de Dezembro depois de acertar com o Partido do Congresso Nacional – NCP em inglês – novas datas para a implementação dos protocolos em falta.
O Sul do Sudão viveu uma situação político-militar extremamente volátil durante os dois meses que o SPLM esteve fora do Governo de Cartum. O presidente do Sudão, Omar el Bashir, chegou mesmo a pedir às Forças de Defesa Popular – as milícias que apoiaram as tropas de Cartum durante a guerra civil no Sul – que reabrissem os campos de treino para receber mujahedin – guerreiros muçulmanos – para preparar qualquer eventualidade.
A pressão da comunidade internacional, encabeçada pelo presidente Bush, obrigou os parceiros do governo de unidade nacional a retomar o caminho do diálogo, da negociação e da governação conjunta.
Mas o espectro da guerra continua no ar. Uma guerra por procuração. Desde o Natal que membros de uma tribo árabe de pastores – os Misseriya – continuam a atacar as forças do SPLA no estado de Northern Bahr el-Ghazal com a desculpa de que as forças sulistas não lhes permitem levar o gado para as pastagens tradicionais a sul da fronteira durante a estação seca.
O Ministros dos Assuntos do SPLA, encarregado da defesa do Sul, disse no domingo numa conferência de imprensa que quer descobrir quem está a atacar as suas forças. Os atacantes usam cavalos, mas também pickups armados com metralhadoras pesadas. Pastores normalmente não têm acesso a esse tipo de equipamento militar, acrescentou.
O petróleo pode ser uma bênção, mas acaba por ser muitas vezes uma maldição. E o Sul do Sudão é rico em «ouro negro» que está a financiar uma autêntica revolução arquitectónica em Cartum.
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