20 de março de 2006

Leituras


MORTE SUSPENSA

O último romance de José Saramago chama-se – e trata – «As Intermitências da Morte» (Editora Caminho 2005).
Pensar na morte «é obrigatório fazerem-no todos os seres humanos» (pág. 160). Talvez porque o autor tem 83 anos. Talvez porque nascemos para morrer. Talvez porque morremos para viver.
O romance começa com uma frase seca, curta, espantosa: «No dia seguinte ninguém morreu» (pág. 13).
O pano de fundo é enigmático: a morte deixou de matar durante sete meses num país monárquico com dez milhões de habitantes e sem orla marítima. As instituições que lidam com a morte – ICAR (igreja católica apostólica romana), seguradoras, funerárias, lares de idosos, sistema de saúde e «máphia» – são obrigadas a encontrar novas respostas para o desafio da suspensão da morte.
O Nobel da literatura trata o tema da morte, da vida e do amor com profundidade irónica e mordaz. A parca é «uma metamorfose», (pág. 78), «sempre foi uma pessoa do sexo feminino» (pág. 134).
A afirmação mais forte pô-la Saramago logo no início do romance na boca do cardeal num telefonema ao primeiro-ministro: «Sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja» (pág. 20).
É de registar tamanha lucidez teológica da parte de alguém confessada e supostamente ateu, enquanto muitos cristãos entretêm namoro com doutrinas mais exóticas como a reencarnação.
«As Intermitências da Morte» foi o livro de Saramago que mais depressa li. Pelo tema, pelo enredo, pela reflexão.

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