CARICATURAS DA IRA
O futuro de paz passa pelo diálogo inter-religioso concertado, deixando de lado provocações, confrontos e revanchismos.
Uma onda de indignação varreu o mundo muçulmano, alegadamente como protesto contra a publicação de uma dúzia de caricaturas de Maomé, primeiro no jornal dinamarquês Jyllands-Posten, e, mais tarde, na França, Alemanha, Espanha e Egipto. Para trás ficou um rasto de violência, cólera, boicotes, edifícios destruídos, alguns mortos – entre os quais dois padres na Turquia e na Nigéria – e um debate de surdos sobre a liberdade de expressão, o respeito pelas convicções religiosas e a guerra de religiões. O fenómeno merece alguma reflexão.
As caricaturas foram publicadas a 30 de Setembro e geraram alguns protestos por parte da comunidade islâmica na Dinamarca (200 mil pessoas), que exigiu – mas não logrou – ser recebida pelo Governo. Entretanto, em finais de Janeiro a «Umma», a comunidade islâmica, levanta-se, em protestos excessivos e sucessivos, na Ásia e na África, e em manifestações mais pacíficas na Europa.
É claro que se tratou de uma reacção orquestrada e não de um levantamento espontâneo de quem se sente ultrajado nas suas convicções religiosas. Mais: os protestos mais veementes e violentos vieram dos três países a contas com a comunidade internacional: a Síria, o Líbano e o Irão. Para além do mais, os islamitas radicais paquistaneses transformaram as manifestações de repulsa num repto à autoridade do general Pervez Musharraf, grande aliado dos Estados Unidos na luta contra o terrorismo.
No Ocidente, várias publicações responderam ao levantamento muçulmano com a republicação dos cartoons, para sublinharem o valor inegociável da liberdade de expressão. Houve até um ministro italiano – que entretanto se demitiu – que queria estampar t-shirts com «os desenhos da ira» (tanto o ministro como o jornal dinamarquês são de direita e dados a provocações).
A liberdade de expressão é, de facto, um valor fundacional da nossa civilização. Mas é um valor que só funciona em relação com outros, como seja o do respeito pela liberdade do outro. O Papa Bento XVI sublinhou – e bem – que «é necessário e urgente que as religiões e os seus símbolos sejam respeitados e que os crentes não sejam alvo de provocações que firam os seus sentimentos religiosos».
Por outro lado, há analistas que vêem na reacção orquestrada da «Umma» mais um episódio da guerra (silenciosa) das religiões – ou das civilizações –, supostamente já em curso.
O Islão, na sua forma mais genuína, é uma religião pacífica. Aliás, o termo tem raiz na palavra «assalam», que quer dizer precisamente paz. Esta é a minha experiência de oito anos na Etiópia, um país em que cristãos e muçulmanos vivem lado a lado, num ecumenismo de boa vizinhança.
Porém, recentemente a situação começou a mudar, com a chegada ao país de missionários islâmicos preparados nas madrassas da Arábia Saudita. Trouxeram consigo um Islão conflituoso e agressivo, imposto como contrapartida pelas ajudas sauditas e financiado pelos petrodólares. A Casa de Saud diz-se guardiã do Islão. O que defende é o seu poder e influência através do Wabbismo, uma versão distorcida e fundamentalista da religião. Como a Arábia Saudita repousa sobre os lençóis de petróleo que alimentam o nosso bem-estar, os governos ocidentais assobiam para o lado e confrontam o dito terrorismo islamista em países pobres e indefesos.
O mundo contemporâneo está cada vez mais plural. No mesmo espaço geográfico convivem culturas, tradições, religiões diferentes. O futuro de paz passa pelo diálogo inter-religioso concertado, deixando de lado provocações, confrontos e revanchismos. E assumindo os erros históricos que cada grupo cometeu, sarados através do perdão mútuo. Ou será que as democracias ocidentais não podem viver sem um «inimigo de estimação»?
O futuro de paz passa pelo diálogo inter-religioso concertado, deixando de lado provocações, confrontos e revanchismos.
Uma onda de indignação varreu o mundo muçulmano, alegadamente como protesto contra a publicação de uma dúzia de caricaturas de Maomé, primeiro no jornal dinamarquês Jyllands-Posten, e, mais tarde, na França, Alemanha, Espanha e Egipto. Para trás ficou um rasto de violência, cólera, boicotes, edifícios destruídos, alguns mortos – entre os quais dois padres na Turquia e na Nigéria – e um debate de surdos sobre a liberdade de expressão, o respeito pelas convicções religiosas e a guerra de religiões. O fenómeno merece alguma reflexão.
As caricaturas foram publicadas a 30 de Setembro e geraram alguns protestos por parte da comunidade islâmica na Dinamarca (200 mil pessoas), que exigiu – mas não logrou – ser recebida pelo Governo. Entretanto, em finais de Janeiro a «Umma», a comunidade islâmica, levanta-se, em protestos excessivos e sucessivos, na Ásia e na África, e em manifestações mais pacíficas na Europa.
É claro que se tratou de uma reacção orquestrada e não de um levantamento espontâneo de quem se sente ultrajado nas suas convicções religiosas. Mais: os protestos mais veementes e violentos vieram dos três países a contas com a comunidade internacional: a Síria, o Líbano e o Irão. Para além do mais, os islamitas radicais paquistaneses transformaram as manifestações de repulsa num repto à autoridade do general Pervez Musharraf, grande aliado dos Estados Unidos na luta contra o terrorismo.
No Ocidente, várias publicações responderam ao levantamento muçulmano com a republicação dos cartoons, para sublinharem o valor inegociável da liberdade de expressão. Houve até um ministro italiano – que entretanto se demitiu – que queria estampar t-shirts com «os desenhos da ira» (tanto o ministro como o jornal dinamarquês são de direita e dados a provocações).
A liberdade de expressão é, de facto, um valor fundacional da nossa civilização. Mas é um valor que só funciona em relação com outros, como seja o do respeito pela liberdade do outro. O Papa Bento XVI sublinhou – e bem – que «é necessário e urgente que as religiões e os seus símbolos sejam respeitados e que os crentes não sejam alvo de provocações que firam os seus sentimentos religiosos».
Por outro lado, há analistas que vêem na reacção orquestrada da «Umma» mais um episódio da guerra (silenciosa) das religiões – ou das civilizações –, supostamente já em curso.
O Islão, na sua forma mais genuína, é uma religião pacífica. Aliás, o termo tem raiz na palavra «assalam», que quer dizer precisamente paz. Esta é a minha experiência de oito anos na Etiópia, um país em que cristãos e muçulmanos vivem lado a lado, num ecumenismo de boa vizinhança.
Porém, recentemente a situação começou a mudar, com a chegada ao país de missionários islâmicos preparados nas madrassas da Arábia Saudita. Trouxeram consigo um Islão conflituoso e agressivo, imposto como contrapartida pelas ajudas sauditas e financiado pelos petrodólares. A Casa de Saud diz-se guardiã do Islão. O que defende é o seu poder e influência através do Wabbismo, uma versão distorcida e fundamentalista da religião. Como a Arábia Saudita repousa sobre os lençóis de petróleo que alimentam o nosso bem-estar, os governos ocidentais assobiam para o lado e confrontam o dito terrorismo islamista em países pobres e indefesos.
O mundo contemporâneo está cada vez mais plural. No mesmo espaço geográfico convivem culturas, tradições, religiões diferentes. O futuro de paz passa pelo diálogo inter-religioso concertado, deixando de lado provocações, confrontos e revanchismos. E assumindo os erros históricos que cada grupo cometeu, sarados através do perdão mútuo. Ou será que as democracias ocidentais não podem viver sem um «inimigo de estimação»?
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