5 de dezembro de 2023

TODOS OS NOMES



Não, esta crónica não é sobre o romance de José Saramago que mais me custou a ler. É sobre os muitos nomes que ganhei com a minha estada na Etiópia.

Abba Yooseefi. Abba significa pai e por extensão padre, embora na nova tradução do Pai-nosso em vez de Abba rezemos Abbo. Yooseefi é a forma guji de José. O nome vem do hebraico Yowceph (com a tradução grega de Iosef) e significa «Ele [Deus] acrescenta» ou «Deus multiplica». E Deus não pára de acrescentar na minha vida a sua ternura, misericórdia e graça. Herdei o nome do meu padrinho José, o marido da falecida tia Arnalda, a irmã mais nova do meu pai e minha madrinha. Era assim naquele tempo. Os gujis nomeiam os filhos de acordo com as circunstâncias da sua gestação e nascimento. A nossa cozinheira chama-se Guyyate porque nasceu à uma da tarde quando a manhã (bari) passa a ser dia (guyya). A irmã mais pequena chama-se Bontu, porque nasceu gordinha.

Abba Joe. Este é o nome porque sou conhecido em inglês. Joe é a forma abreviada de Joseph, o nosso Zé.

Farenji/Farenjicha. Farenji significa estrangeiro em amárico. Farenjicha é a versão guji. Uma das suas raízes possíveis é French (francês). Os galeses construíram a via férrea que liga Adis-Abeba ao Jibuti através de Dire Dawa há mais de cem anos. Farenji é o antónimo de habesha, o termo pelo que os etíopes se designam a si próprios e marca de uma boa cerveja. Tecnicamente, habesha é o nome dos povos etíopes de origem semita, que vêm do cruzar de povos locais com migrantes da Península Arábica: amaras, tigrinos e guragues… Abissínia, a terra dos habesha era o nome da Etiópia até ao século XIX antes de o país conquistar os povos do sul. A palavra também entrou na língua portuguesa: abexim é sinónimo de etíope. Já etíope vem do grego e significa rosto(s) queimado(s), palavra que designa na Bíblia os habitantes a sul do Egito (Sudão, Etiópia). A famosa rainha de Sabá tanto poderia ser etíope como sudanesa, do reino de Meroé onde as rainhas eram chamadas Kandake.

China. Esta é a nova maneira de os miúdos — e os graúdos em menor escala — chamarem os estrangeiros brancos. Ouvi-a pela primeira vez em Adis-Abeba na tarde em que cheguei ao país há dois anos. Quando me chamam «China» eu respondo «China, não. Portugal!» (ou Burtukan que é a forma etíope de dizer Portugal e significa laranja). Os chineses têm uma presença muito notada no país através da construção de infra-estruturas (auto-estradas, estradas, vias férreas — renovaram e electrificaram a linha do Jibuti e montaram um metro de superfície na capital, fábricas, linhas de alta tensão, etc.). Uma presença em quase toda a África. Os chineses são os novos senhores do continente negro mais interessados nas matérias primas (petróleo e outros minerais, madeira, etc.) em troca de empréstimos ou de construção de infra-estruturas. Quando os estados não pagam as dívidas tomam conta e gerem em proveito próprio as infra-estruturas locais (portos, aeroportos, auto-estradas, etc.) dadas como garantia para os empréstimos.

Petros. Este é o nome que me chamam na zona de Anfarara, uma aldeia que está a uns 25 quilómetros de Qillenso a caminho de Adola. O comboniano mexicano P. Pedro Pablo Hernández — conhecido em guji como Abba Petrosi — abriu em Anfarara um catecumenato durante algum tempo. Ser branco é ser Petros!

Lio. Na picada através da floresta para a missão de Soddu Abala — filha da missão de Qillenso onde vivo — a pequenada grita «Lio, Lio» quando vê o veículo passar. O P. Leonardo d’Alessandro, um sacerdote da diocese de Bari que trabalha como missionário na Etiópia há trinta anos, foi pároco de Soddu Abala durante muito tempo. É conhecido como Abba Leo.

Beka. Junto do bairro onde as Missionárias da Caridade vivem e têm e o centro de acolhimento para doentes terminais e bebés rejeitados, nos arredores de Adola, a pequenada quando vê o todo-o-terreno que conduzo desata a gritar «Beka, Beka». É o nome do condutor das missionárias que têm um veículo igual.

You you. Tu, tu em inglês. Há 30 anos, quando cheguei à Etiópia pela primeira vez, ao verem um estrangeiro os miúdos entoavam a lengalenga: «You, you, you! Money, money, money!», «Tu, tu, tu! Dinheiro, dinheiro, dinheiro!». Agora ficam-se pelo «You, you!» quando querem chamar a minha atenção.

Oito nomes para a mesma pessoa! Sou rico de nada!

24 de novembro de 2023

NOVO DIÁCONO COMBONIANO ETÍOPE









Melaku Wolde Tekle fez a profissão perpétua no Instituto dos Missionários Combonianos e foi ordenado diácono em vista ao presbiterado missionário.

Melaku — Anjo, em amárico, uma das muitas dezenas de línguas faladas na Etiópia — nasceu há 30 anos em Tanaka, eparquia de Emdibir.

Depois de concluir o postulantado em Adis-Abeba em 2015, foi para o noviciado em Lusaka, Zâmbia. Fez a primeira profissão como missionário comboniano em 2017 e completou o curso de teologia em Casavatore, Itália, em 2022.

Em 2023 regressou à Etiópia para o serviço missionário, um período de pastoral de dois anos antes da ordenação, integrando a comunidade comboniana de Gublak, entre o povo Gumuz.

A consagração perpétua para a missão no Instituto Comboniano teve lugar na tarde de 16 de novembro de 2023 no Postulantado de São Daniel Comboni em Asko, um bairro de Adis-Abeba, a capital etíope.

O comboniano ganês P. Joseph Anane, superior do postulantado, nas boas-vindas apresentou a celebração como um acontecimento grandioso que motiva os sete postulantes no processo pessoal de discernimento vocacional.

A celebração solene, presidida pelo superior provincial P. Asfaha Yohannes, contou com a presença de familiares e amigos do professante, uma dúzia de padres (dez combonianos e dois de Emdibir) e algumas Missionárias Combonianas.

Durante a homilia, o P. Asfaha recordou que Melaku iniciou a sua formação de base naquela comunidade há uma dezena de anos e agora encerra-a no mesmo local através da profissão de perpétua castidade, pobreza e obediência no Instituto Comboniano.

O Superior Provincial convidou Melaku a seguir as pegadas de São Daniel Comboni, abandonando-se à Providência Divina.

Depois das fotos da praxe, a celebração concluiu com o jantar festivo para todos os participantes.

Três dias depois, Melaku foi ordenado diácono em Bahirdar, a sede da eparquia onde serve como missionário e capital do estado regional amara.

A ordenação diaconal teve lugar no domingo, 19 de novembro, na igreja paroquial de Genete-Selam Kidanemihret.

Dom Lesanuchristos Metheos, eparca de Bahirdar-Dessie, presidiu à eucaristia da ordenação, que foi celebrada no Rito Católico Etíope.

Eparquia é o nome dado a uma diocese do Rito Católico Oriental e o seu bispo é eparca.

A Igreja Católica Etíope tem quatro eparquias (do rito oriental etíope) e oito vicariatos apostólicos e uma prefeitura apostólica (do rito latino).

Uma assembleia diversificada, formada por paroquianos, freiras, padres do clero local, jesuítas, vicentinos e combonianos, participou na eucaristia da ordenação.

Durante a homilia, Dom Lesanuchristos disse que a estimada posição de serviço do diácono traz uma responsabilidade imensa, pedindo-lhe para ser um farol do amor de Cristo, de compaixão e serviço aos irmãos e irmãs da comunidade cristã.

O novo diácono continua o seu estágio em Gublak, uma das duas missões confiadas aos combonianos na Eparquia de Bahirdar-Dessie.

A ordenação estava agendada para o fim de outubro na missão de Gublak, durante a festa dos seus padroeiros, os Beatos Mártires de Paimol (Uganda), Daudi Okelo e Gildo Irwa. Contudo, a insegurança causada pelos combates desde abril passado entre a milícia amara e o exército levou ao seu adiamento para Bahirdar.

9 de novembro de 2023

FINALMENTE, A CAPELA VERDE







A comunidade católica de Hirbora fica nos arredores da cidadezinha de Zambaba, a quase três dezenas de quilómetros de Adola, o segundo centro da missão comboniana de Qillenso, na estrada que dá para a Somália.

Os rebeldes do Exército de Libertação da Oromia (OLA na sigla em inglês) — a quem o Governo apoda pejorativamente de Chané — estão particularmente ativos na área. Devido à insegurança, nos últimos dois anos visitamos a capela apenas quatro vezes.

Conheci Hirbora no primeiro domingo de novembro, depois de dois anos em Qillenso. Tínhamos agendado os batismos para o domingo de Pascoela, mas um ataque do OLA a Zambaba — com o saque do posto de saúde local — levou ao adiamento para 5 de novembro.

Saí de Adola com o todo-o-terreno lotado: duas Missionárias da Caridade (as Irmãs de Santa Teresa de Calcutá), o senhor Sholango (o professor reformado sempre pronto a acompanhar os missionários nas visitas às comunidades), Gammachu (um adolescente que está a ser tratado da tuberculose no hospício das irmãs e que também nos acompanha nas idas às capelas) e um grupo de jovens que queriam conhecer Hirbora ou simplesmente dar um passeio.

A cerca de oito quilómetros de Adola fomos parados no controlo militar junto à capela de Hurre Heto. Todos saímos da viatura para sermos identificados e o veículo revistado.

A partir daí, a estrada era uma incógnita para mim! Por isso, tinha alguma preocupação com o que poderia encontrar adiante. As estórias de assaltos, destruição de veículos, sequestros e mortes às mãos dos rebeldes do OLA são comuns.

A estrada enrola-se, qual jibóia gigante de asfalto, pelas colinas verdejantes de campos de tefi (o cereal miúdo nativo da Etiópia) ou pastos e através de uma floresta frondosa de árvores autóctones a competirem com pinheiros e eucaliptos por um lugar ao sol.

Uma paisagem linda, mas perigosa: os rebeldes usam a densa floresta para organizarem emboscadas na estrada com o fito de extorquir dinheiro e bens aos passantes. Também fazem sequestros para extorquirem avultados resgates.

Hirbora, a capela com a frente de verde pintada, ali está: altaneira, com vistas deslumbrantes para as colinas à sua volta com uma alta coluna, obra das térmitas, de sentinela à sua frente.

A pequena capela — luminosa das seis janelas e do reflexo do seu teto de tecido branco — estava cheia. Mais de quatro dezenas de católicos esperavam a cantar pela minha chegada para celebrarmos a eucaristia e os batismos.

Na assembleia estava Haro Waqo. É um dos dois catequistas de Massina — a capela azul — que fica a uns cinquenta quilómetros de Hirbora. Veio por iniciativa pessoal passar algum com os católicos das comunidades à volta de Zambaba para os animar na fé.

Perguntei-lhe se queria aproveitar a boleia até Adola. «Fico por aqui mais uns dias» — respondeu, com o seu sorriso habitual. Um lindo exemplo de dedicação missionária.

Fiquei muito edificado com o modo como as pessoas participaram na missa através das respostas seguras e dos cânticos cheios de energia e alegria. Apesar de, em dois ano, ser aquela a quarta vez que celebravam a Eucaristia dominical, mostravam pelo seu estar que se reunem amiúde para celebrar a Palavra, presididos pelo catequista.

(Abro um parêntesis: reconhecendo a dedicação e empenho de alguns catequistas na liderança das comunidades e com a preparação catequética que têm, pergunto-me porquê, mesmo casados, não podem ser ordenados presbíteros para que as comunidades católicas sejam verdadeiramente eucarísticas, que se reunam à volta da Eucaristia pelo menos semanalmente?)

Antes da Eucaristia, atendi de confissão quem quis, como é prática pastoral no Vicariato Apostólico de Hawassa. A assembleia, entretanto, rezou as orações da manhã e algumas dezenas do terço.

No início da celebração expressei a grande alegria por finalmente conhecer os católicos de Hirbora depois de dois anos da chegada a Qillenso! Zambaba era uma palavra mágica que me enchia de expectativas e — confesso — de medos.

A Eucaristia foi celebrada com a calma e alegria que caraterizam as liturgias por estas latitudes. O tempo não é um bem essencial que não se pode esbanjar. É um estar juntos que se faz e celebra.

Durante a celebração, administrei o batismo a três adolescentes e cinco bebés. A comunidade continua paulatinamente a crescer.

No final da missa, pediram-me para abençoar os rebuçados a ser distribuídos pela petizada.

A minha primeira visita a Hirbora concluiu com uma refeição: injera (o pão local feito com farinha de tefi) e um refugado de lentilhas, regados com um refresco.

Depois fizemos uma visita guiada pelo terreno da comunidade.

Quando o comboniano mexicano padre Pedro Pablo Hernández pediu às autoridades locais um pedaço de terra para começar o catecumenato, ofereceram-lhe aquele espaço avantajado no alto da colina com vistas sobre Zambaba.

A primeira construção foi de paus e capim. Depois construíram a capela atual: de madeira e barro, coberta a zinco, com dois pequenos cómodos atras do altar.

A viagem de regresso a Adola foi já bem mais descontraída.

Como a segurança à volta de Zambaba a melhorar, decidimos começar a celebrar a eucaristia dominical todos os meses em Hirbora, mantendo a situação sob o radar.

A comunidade fiel católica merece essa atenção. E esse risco.

3 de novembro de 2023

PARTIU UM HOMEM DE DEUS


Dom Paride Taban, bispo emérito de Torit, no Sudão do Sul, regressou à Casa do Pai no dia 1 de novembro de 2023 de um hospital de Nairobi, Quénia, onde havia sido internado. Um santo que vive a comunhão plena com Deus e com os irmãos e irmãs no Dia de Todos os Santos. Contava 87 anos.

«Paride Taban era um humilde guerreiro para a paz», declarou Dom Eduardo Hiiboro Kussala, bispo sul-sudanês de Tombura-Yambio, ao programa Newsday da Rádio BBC.

Paride nasceu em 1936 em Opari, na Província de Equatória de Leste, no sudeste do Sudão. Foi ordenado padre em 1964 e bispo auxiliar de Juba, a capital do país, em 1980. Em 1983 tomou posse da nova diocese de Torit que governou até 2004, altura em que resignou.

Dom Paride fez parte da geração de jovens padres sul-sudaneses que, sem preparação alguma, tiveram de tomar em mãos a Igreja local quando, em 1964, o regime islamista de Cartum decretou a expulsão de todos os missionários — católicos e protestantes — do sul do país. Fizeram-no com muita dedicação e sucesso, enfrentando inúmeras dificuldades.

Defensor intrépido do seu rebanho, foi perseguido tanto pelo Governo de Cartum como pelos rebeldes do SPLA, o Exército de Libertação dos Povos do Sudão, que o mantiveram preso em condições humilhante durante algum tempo.

Dom Paride era, acima de tudo, um místico e um paladino da paz.

Em 1994, foi enviado ao Ruanda para mediar os esforços de reconciliação depois do terrível genocídio que afetou aquele país da África Oriental. Em 2013, tornou-se um denunciante acérrimo da guerra civil que estalou no Sudão do Sul entre as forças do Presidente Salva Kiir e do Vice-Presidente Riek Machar. Antes, havia mediado entre Kiir e o líder rebelde David You You.

Em 2000, inspirado pela visita que fez a uma comunidade na Terra Santa onde israelitas e palestinianos viviam juntos em paz, estabeleceu a Aldeia da Paz da Santíssima Trindade em Kuron para fomentar a concórdia entre as tribos beligerantes da sua diocese.

Em Kuron, vacas e armas, que alimentam as lutas intertribais na Equatória Oriental e noutras partes do país, estão banidas. Os residentes trocam a pastorícia pela agricultura e os jovens medem forças não através das razias, mas no campo de futebol. Defensores da paz observam e reportam movimentos suspeitos de jovens e homens armados na região e comunicam-nos através da rede móvel.

Em 2013, Ban Ki-Moon, Secretário Geral das Nações Unidas, galardoou Dom Paride com o Prémio da Paz Sérgio Vieira de Mello pelo trabalho em Kuron.

Dom Paride foi co-fundador do Conselho das Igrejas do Novo Sudão de quem foi o primeiro presidente. Por isso, o Arcebispo de Cantuária, Justin Welby, distinguiu-o com o Prémio Hubert Walter para a Reconciliação e Cooperação Interfé em 2017. Normalmente a Igreja Católica mantém o estatuto de observador neste tipo de organismos.

O bispo emérito de Torit era também desde 2016 co-presidente do Comité de Diálogo Nacional, organismo que devia promover a reconciliação e a paz no país mais jovem do mundo.

Em 2018, recebeu o Prémio Four Freedoms da Fundação Roosevelt pela «sua dedicação incondicional e abnegada para trazer a liberdade e paz ao povo do Sudão do Sul».

Encontrei-me inúmeras vezes com Dom Paride durante a minha estada de sete anos no Sudão do Sul ao serviço da Rede de Rádios Católica da qual era diretor de informação. 

Entrevistei-o algumas vezes quando se deslocava de Kuron a Juba para participar nas reuniões da Conferência Episcopal e noutros eventos. Era uma voz sábia capaz de ler os sinais dos tempos.

Entrevistá-lo foi sempre uma experiência única e impar pela transparência, humildade, bondade, alegria e sabedoria que irradiava.

Contou-me muitas histórias da sua vida. Durante o cativeiro às mãos do SPLA, os rebeldes fizeram a sua retrete no alto de uma colina sem nenhuma privacidade para todos o poderem ver a fazer as suas necessidades.

Homem de hábitos espartanos, confidenciou-me que isso o ajudou a passar esse tempo difícil de cativeiro. Alguns prisioneiros dos rebeldes sofreram muito, porque estavam habituados ao chá ou às papas para pequeno-almoço. Ele contentava-se com o que lhe serviam.

Um dos momentos a que se referia com grande humor foi quando, aos 68 anos, decidiu pedir a resignação de primeiro bispo de Torit para se dedicar à aldeia de Kuron.

«No Vaticano pensavam que eu estava maluco e exigiram que fosse visto por uma junta de psicólogos e psiquiatras», disse-me com o seu sorriso travesso.

Dom Paride é uma figura maior, impar e incontrolável da Igreja e da independência do Sudão do Sul. Nunca deixou de promover a paz e os direitos do seu povo. Agora fá-lo desde a Casa do Pai.

Descansa em paz!, servo bom, humilde e fiel.

30 de outubro de 2023

ETIÓPIA: PROVÍNCIA COMBONIANA TEM NOVO PADRE





A província comboniana da Etiópia tem um novo presbítero: Abba Tamirat Tagegn, ordenado no sábado, 28 de outubro de 2023.

A paróquia católica de São Miguel de Hembecho, dirigida pelos Frades Capuchinhos no Vicariato Apostólico de Sodo, Sul da Etiópia, vestiu-se de festa para acolher a ordenação sacerdotal de um dos seus filhos.

A chuva matinal não impediu que os fiéis, vestidos com os trajes festivos e tradicionais, se pusessem a caminho e enchessem o grande templo quadrado construído à volta de um enorme altar sustentado por doze colunas.

Mais tarde, o sol agraciou o evento com a sua luz radiante.

Dois coros emprestaram  cor, alegria e energia à celebração solene.

Dom Tsegaye Keneni, Vigário Apostólico de Sodo, presidiu à Eucaristia e conferiu a ordenação.

Cerca de quarenta sacerdotes — padres locais dos Vicariatos Apostólicos de Sodo e Hawassa e missionários de vários Institutos, algumas religiosas e dois diáconos — também testemunharam a ordenação de Abba Tamirat.

A liturgia, conduzida em amárico e wolaytta, prolongou-se por mais de três horas.

O novo sacerdote escolheu Lucas 10,1-11 como Evangelho para a sua ordenação.

Dom Tsegaye, na homilia, sublinhou que Deus chama as pessoas do seio da família; que Abba Tamirat é ordenado para estar ao serviço da Eucaristia, que está no centro da vida cristã; que o seu ministério representa a presença da Igreja local de Sodo na missão da Igreja universal de Cristo; que os fiéis devem apoiar o novo presbítero com as suas orações.

Depois da homilia, os pais de Tamirat apresentaram o filho para a ordenação.

Abba Asfaha Yohannis, superior provincial dos combonianos na Etiópia, revestiu o recém-ordenado com os seus paramentos litúrgicos.

Durante a ação de graças, o Abba Asfaha expressou a sua gratidão a Deus, ao Bispo e a Abba Tamirat, aos seus pais, à paróquia e a todos os presentes. Aproveitou a ocasião para evocar a vida e o carisma de São Daniel Comboni.

O neo-sacerdote teve também palavras de agradecimento em inglês, amárico e wolaytta.

No final da celebração eucarística, muitos participantes vieram saudar o novo sacerdote comboniano e abençoá-lo com muitos presentes, algum dinheiro e um touro.

A cerimónia de ordenação concluiu com um almoço fraterno onde foram servidos aos participantes muitos pratos tradicionais saborosos.

Abba Tamirat regressa ao Peru no início de novembro. Concluiu a sua formação teológica em Lima no início deste ano e foi destinado pelo Conselho Geral para inaugurar o seu ministério sacerdotal missionário na Província do Peru.

18 de outubro de 2023

A BENÇÃO DA MISSÃO


Lucas conta no Evangelho que os setenta e dois regressaram da sua jornada missionária com incontida alegria. «Senhor, até os demónios se nos submetem em teu nome» — reportaram, jubilosos, a Jesus (Lucas 10, 17).

O Mestre acolheu o seu entusiasmo com alguns ditos. A minha atenção fixou-se na sua última afirmação. Jesus congratula os discípulos com uma bênção: «Felizes os olhos que veem o que estais a ver. Porque — digo-vos — muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não ouviram» (Lucas 10, 23-24).

A missão é, de facto, uma bênção, uma felicidade. Ao aceitar sair para as periferias do mundo, o missionário entra numa jornada inédita de redescoberta de Deus e do humano viver.

Quando vim pela primeira vez viver com o povo guji do Sul da Etiópia — já lá vão trinta anos — aprendi a entender Deus de uma maneira diferente.

Os gujis começam a oração tradicional invocando Deus como Pai e Mãe, Avô e Avó, Bisavô, que nos deu à luz. Esta invocação ilumina o conceito de Deus como o antepassado comum do qual todos provimos e para o qual todos voltamos. O Alfa e o Omega do nosso viver. A Fonte e o Destino do nosso ser.

Já no Sudão do Sul, impactou-me a afirmação «Deus é generoso», «Allah Karim». Ouvi esta frase árabe imensas vezes durante os sete anos que permaneci no país mais jovem do mundo. Deus é generoso e nós somos produto e destino dessa generosidade sem limites.

Estes novos modos de dizer Deus, aprendidos dos povos a quem vim missionar, são parte da novidade do seguir Jesus pelos caminhos do Evangelho.

Depois, há a outra vertente: a experiência de ser humano em expressões totalmente novas e tão legítimas como a nossa experiência própria.

Começa com a aprendizagem da língua local e da sua cultura para ter acesso ao coração das pessoas. Ainda hoje quem não me conhece fica surpreendido por me ouvir a falar — mais ou menos bem — guji. A polícia em Adis-Abeba perdoou-me duas multas, agradecendo-me por falar a língua deles.

A língua, além de ser o instrumento de trabalho mais importante do missionário, dá-lhe acesso às pessoas numa plataforma de igual para igual. Na Etiópia, os combonianos têm a tradição de não usar intérpretes. Quando chegam têm o tempo necessário para entrar nos meandros da gramática local para depois poderem trabalhar sem a barreira da tradução.

Há ainda outro aspecto a reter: a emersão numa cultura nova escancara as portas a uma experiência nova de humanidade, experimentando o humano viver em dimensões e expressões novas e desafiantes e reconhecendo a legitimidade e a validade das culturas hospedeiras.

Esta experiência passa pela comida e pela bebida (às vezes à custa de algumas diarreias), pelas danças e cantares, pela forma de vestir, pela singularidade dos conceitos de tempo e espaço, pelas prioridades, pelos salamaleques…

A experiência humana mais profunda que fiz foi passar da vida tranquila dos gujis do Uraga para a Cidade do México depois de uma breve semana em Portugal para levantar o visto de estudante na embaixada mexicana em Monsanto.

Não pode haver contraste maior do que a vida dos gujis do Uraga e a vida dos mexicanos na megalópole que lhes serve de capital. Das colinas verdejantes e cheias de vida à confusão poluída da grande urbe onde — descobri — é quase impossível estar sozinho. Duas maneiras de viver tão díspares e tão legítimas.

Jesus felicita os discípulos pelo que veem e ouvem. O que é? A erupção silenciosa do tempo de Deus no tempo humano, o irromper humilde do Reino de Deus na cidade humana através de pequenos e singulares gestos de partilha, respeito, hospitalidade, acolhimento, salvação.

A missão, essa estranha forma de vida que faz do missionário um andarilho do Evangelho, é uma felicidade, uma bênção, uma jornada pessoal de redescoberta e crescimento na vivência do mistério de Deus e do humano.

11 de outubro de 2023

OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO



O novo ano escolar de 2016 (segundo o calendário local) está a dar os primeiros passos. Na escola da missão de Qillenso, 180 alunos já se matricularam da quinta à oitava classe: 72 raparigas e 108 rapazes. A turma maior é a do oitavo ano: 68 estudantes (40 rapazes e 28 raparigas).

Para os ensinar o Governo destacou sete professores: duas mulheres e cinco homens. A missão contratou mais dois em regime parcial: um bibliotecário que também dá aulas de recuperação algumas tardes por semana e um professor de moral e estudos de paz.

A escola, neste ano letivo, tem de comprar três computadores para os alunos praticarem o que aprendem nas aulas de informática.

A escola de Gosa — uma antiga missão que agora é capela da missão de Qillenso — tem quase 1300 alunos matriculados do infantário até à oitava classe. O vicariato de Hawassa, a nossa diocese, controla a escola. O infantário de Adola, das Missionárias da Caridade, tem 200 inscritos: lotação máxima.

No total, a missão de Qillenso serve quase 1700 alunos nas suas três escolas.

Este ano escolar será mais tranquilo que os últimos dois? É a minha esperança e o meu voto!

O sistema educativo etíope está a a ser reformado. As mudanças colocam alguns desafios tanto a alunos como a professores.

O Ministério da Educação do Estado Regional de Oromia — de que Qillenso faz parte — decidiu rever o currículo no ano passado, mas não imprimiu os livros a tempo. Os professores davam as aulas usando os PDF dos novos manuais nos seus telemóveis.

Para mitigar esta dificuldade, fizemos fotocópias dos manuais para os professores. Mas o serviço ficou muito caro.

Os alunos pagam 100 birr (pouco mais de um euro) de propinas por ano mais 100 birr para os exames (para pagarem as fotocópias dos testes). O Governo dá-nos um subsídio anual de 10 mil birr e o vicariato também contribui com cerca de 90 mil birr. Contudo, as entradas são manifestamente insuficientes para cobrir as despesas da escola. Valem-nos as ajudas dos benfeitores.

O Mistério Federal da Educação, por seu turno, decidiu reformar os exames nacionais no ano passado. Os resultados foram catastróficos.

Dos alunos que fizeram o exame de admissão à universidade no ano passado só 3,3 por cento passaram. Os resultados deste ano são idênticos. Os exames, que duram três dias, foram feitos nalgumas universidades regionais com polícias federais na vigilância. Os candidatos podem tentar três vezes o exame ou frequentar uma universidade privada.

Os maus resultados espelham as dificuldades que o ensino público enfrenta, sobretudo o conhecimento do inglês, a língua de instrução a partir do nono ano. Na Escola Secundária Comboni, que as Missionárias Combonianas dirigem em Hawassa, dos 187 alunos que fizeram as provas de acesso ao superior 176 passaram.

Os resultados do exame de admissão ao ensino secundário este ano foram um desastre. Dos 54 alunos de Qillenso que o fizeram só um passou (o filho de um professor). No nosso distrito dez escolas registaram zero passagens.

Tentei perceber o que aconteceu. Por um lado, os testes seguiram um modelo novo. Por outro, os alunos fizeram os exames não nas próprias escolas, mas nas escolas da cidade.

No passado, com os exames locais, havia fuga de testes e as respostas eram publicadas na rede social Telegram. Este ano, não houve copianço, porque os testes foram guardados a sete chaves.

Entretanto, o Ministério nacional introduziu o novo exame de fim de curso da universidade. Sessenta por cento dos universitários reprovaram.

O ministro da educação — que é o líder de um partido da oposição — quer reformar e melhorar o sistema educativo etíope.

Para tal, suspendeu a construção de algumas universidades nos estados regionais — com o argumento de que não há professores para tantas instituições públicas de ensino terciário — e investiu nos infantários para criar hábitos escolares na pequenada.

Os alunos em geral têm algumas atitudes negativas em relação à assiduidade e ao estudo.

Se têm duas semanas de férias — no Natal e na Páscoa — aparecem depois de três semanas. Quando lhes é dada uma semana para ajudarem os pais na colheita do milho e do café aparecem 15 dias depois.

Por outro lado, não há o hábito de estudar depois das aulas. Os rapazes sentam-se a conversar na estrada e as raparigas têm as tarefas domésticas à sua espera. Aliás, quando passam de ano, celebram queimando os cadernos diários e ficando sem apontamentos para se prepararem para os exames.

26 de setembro de 2023

SÃO DANIEL COMBONI: APÓSTOLO DE ÁFRICA E DA MISSÃO


No caminho de catequeses sobre a paixão evangelizadora, ou seja, o zelo apostólico, meditemos hoje sobre o testemunho de São Daniel Comboni. Ele foi um apóstolo cheio de zelo pela África. Sobre aqueles povos, escreveu: «Apoderaram-se do meu coração, que só vive para eles» (Escritos, 941), «morrerei com a África nos meus lábios» (Escritos, 1441). É bonito... E a eles dirigia-se assim: «O mais feliz dos meus dias será quando eu puder dar a vida por vós» (Escritos, 3159). Trata-se da expressão de uma pessoa apaixonada por Deus e pelos irmãos que servia em missão, a propósito dos quais não se cansava de recordar que «Jesus Cristo sofreu e morreu também por eles» (Escritos, 2499; 4801).

Afirmava-o num contexto caraterizado pelo horror da escravatura, de que foi testemunha. A escravatura “coisifica” o homem, cujo valor se reduz a ser útil a alguém ou a algo. Mas Jesus, Deus que se fez homem, elevou a dignidade de cada ser humano, desmascarando a falsidade de qualquer escravatura. À luz de Cristo, Comboni adquiriu consciência do mal da escravatura; além disso, compreendeu que a escravatura social se arraiga numa escravatura mais profunda, a do coração, do pecado, da qual o Senhor nos liberta. Portanto, como cristãos, somos chamados a lutar contra todas as formas de escravatura. Mas infelizmente a escravatura, assim como o colonialismo, não é uma recordação do passado, infelizmente! Na África tão amada por Comboni, hoje dilacerada por numerosos conflitos, «depois daquele político, desencadeou-se (...) um “colonialismo económico”, igualmente escravizante (...). É um drama perante o qual o mundo economicamente mais avançado muitas vezes fecha os olhos, os ouvidos e a boca». Por isso, renovo o meu apelo: «Deixai de sufocar a África: ela não é uma mina a explorar, nem um solo a saquear» (Encontro com as Autoridades, Kinshasa, 31 de janeiro de 2023).

Voltemos à vicissitude de São Daniel. Depois de ter passado um primeiro período na África, teve que abandonar a missão por motivos de saúde. Demasiados missionários tinham morrido por ter contraído doenças, devido ao escasso conhecimento da realidade local. Mas se outros abandonavam a África, Comboni não. Após um período de discernimento, sentiu que o Senhor lhe inspirava um novo caminho de evangelização, que ele resumiu com as seguintes palavras: «Salvar a África com a África» (Escritos, 2741 s.). Trata-se de uma intuição poderosa, não há colonialismo algum nisto: é uma intuição poderosa que contribuiu para renovar o compromisso missionário: as pessoas evangelizadas não eram apenas “objetos”, mas “sujeitos” da missão. E São Daniel Comboni desejava tornar todos os cristãos protagonistas da ação evangelizadora. E com este espírito, pensou e agiu de modo integral, envolvendo o clero local e promovendo o serviço laical dos catequistas. Os catequistas são um tesouro da Igreja: os catequistas são aqueles que vão em frente na evangelização. Assim concebia também o desenvolvimento humano, interessando-se pelas artes e profissões, favorecendo o papel da família e da mulher na transformação da cultura e da sociedade. E como é importante, ainda hoje, fazer progredir a fé e o desenvolvimento humano a partir do interior dos contextos de missão, em vez de neles transplantar modelos externos, ou limitar-se a um assistencialismo estéril! Nem modelos externos, nem assistencialismo. Haurir da cultura dos povos o caminho para fazer a evangelização. Evangelizar a cultura e inculturar o Evangelho: caminham juntos!

No entanto, a grande paixão missionária de Comboni não foi principalmente fruto do esforço humano: ele não era impelido pela sua coragem, nem motivado apenas por valores importantes, como a liberdade, a justiça e a paz; o seu zelo nascia da alegria do Evangelho, alimentava-se do amor de Cristo e levava ao amor a Cristo! São Daniel escreveu: «Uma missão tão árdua e laboriosa como a nossa não pode viver de aparências, de sujeitos de pescoço torto, cheios de egoísmo e de si próprios, que não se preocupam, como deviam, com a saúde e a conversão das almas». Este é o drama do clericalismo, que leva os cristãos, até os leigos, a clericalizar-se e a transformá-los - como se diz aqui - em sujeitos de pescoço torto, cheios de egoísmo. Esta é a chaga do clericalismo. E acrescentava: «É preciso fazê-los arder de caridade, com a sua fonte em Deus e no amor de Cristo; e quando se ama verdadeiramente a Cristo, então as privações, os padecimentos e o martírio são docilidades» (Escritos, 6656). O seu desejo era ver missionários fervorosos, alegres, comprometidos: missionários - escrevia - «santos e capazes. [...] Primeiro: santos, isto é, alheios ao pecado e humildes. Mas não basta: é necessária a caridade para tornar os sujeitos capazes» (Escritos, 6655). Portanto, para Comboni a fonte da capacidade missionária é a caridade, em particular o zelo de fazer seus os sofrimentos dos outros.

De resto, a sua paixão evangelizadora nunca o levou a agir como solista, mas sempre em comunhão, na Igreja. «Só tenho a vida para consagrar à saúde daquelas almas», escreveu, «gostaria de ter mil para as consumir com este objetivo» (Escritos, 2271).

Irmãos e irmãs, São Daniel dá testemunho do amor do bom Pastor, que vai em busca de quem se perdeu e dá a vida pelo rebanho. O seu zelo foi enérgico e profético, opondo-se à indiferença e à exclusão. Nas cartas recordava com entusiasmo a sua amada Igreja, que durante demasiado tempo tinha esquecido a África. O sonho de Comboni é uma Igreja que faça causa comum com os crucificados da história, para experimentar com eles a ressurreição. Neste momento, dou-vos uma sugestão. Pensai nos crucificados da história de hoje: homens, mulheres, crianças, idosos que são crucificados por histórias de injustiça e de domínio. Pensemos neles e oremos! O seu testemunho parece reiterar a todos nós, homens e mulheres de Igreja: “Não esqueçais os pobres, amai-os, pois neles está presente Jesus crucificado, à espera de ressuscitar”. Não vos esqueçais dos pobres: antes de vir aqui, tive um encontro com legisladores brasileiros que trabalham a favor dos pobres, que procuram promover os pobres com a assistência e a justiça social. E eles não se esquecem dos pobres: trabalham pelos pobres. Digo-vos: não vos esqueçais dos pobres, pois são eles que vos abrirão a porta do Céu.

Papa Francisco

20 de setembro de 2023

BABEL: A TENTAÇÃO DO UM


O Génesis, o livro que abre as Escrituras, conta uma estória intrigante: um grupo de pessoas, unidas pela mesma língua, emigraram do Oriente e, ao chagarem a uma planície em Chinear, deitaram mãos ao barro para construirem uma cidade e uma torre que teria o céu por limite.

Deus, na sua infinita curiosidade, desceu para ver a cidade e a torre que estavam a ser edificadas com tijolos e betume, evocando os zigurate da Babilónia, torres de menagem muito altas dedicadas aos deuses.

E o Senhor disse: «Eles constituem apenas um povo e falam uma única língua. Se principiaram desta maneira, coisa nenhuma os impedirá, de futuro, de realizarem todos os seus projetos. Vamos, pois, descer e confundir de tal modo a linguagem deles que não consigam compreender-se uns aos outros» (Génesis 11: 6-7).

A narração tem um final inesperado: O Senhor dispersou-os por toda a Terra e eles pararam com a construção da cidade que foi batizada de Babel.

Esta narrativa primordial pode ser lida como um ato de sabotagem da parte de Deus contra a concorrência daquele povo sem nome.

De facto, uma das raízes do vocábulo Babel pode ser confusão. Deus confundiu-os e espalhou-os pelo mundo — e obrigou-nos a aprender línguas estrangeiras — porque o empreendimento no vale de Chinear punha em causa a sua soberania incondicional.

Aliás, esta é a leitura mais comum desta estória que explica a origem das línguas diferentes e da colonização de toda a Terra que, segundo a evidência científica, começou a partir de África.

Mas há outra leitura mais interessante.

Reparemos no texto: um povo, com uma linguagem única e um único vocabulário, queria construir num vale uma cidade e uma torre para adquirir um nome.

O numeral um é a chave de leitura da estória, que representa uma grande tentação.

Quando visitei Moçambique em 1990 para participar na ordenação de um colega comboniano e fazer uma reportagem sobre o país, a rádio nacional repetia à saciedade o jingle — cito de cor — «Do Rovuma ao Maputo, um país, uma língua, um partido». A ordem e as palavras podem ser diferentes.

Os regimes ditatoriais e totalitários amam o número um: a unidade nacional, o partido único, o pensamento único contra a diversidade das opções políticas, a essência da democracia. 

E Deus? Ele ama o plural! 

Em Fevereiro de 2019, o Papa Francisco escreveu juntamente com Grande Imã de Al-Azhar Ahmad Al-Tayyeb no Documento sobre a Fraternidade Humana em prol da paz mundial e da convivência comum que «o pluralismo e a diversidade de religiões, cor, sexo, raça e língua são despejados por Deus na Sua sabedoria, por meio da qual ele criou os seres humanos».

O Papa argentino, durante a sua participação na Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, explicou que «um significa solidão, fechamento, pretensão de autossuficiência». Ele tem afirmado repetidamente que a realidade é poliédrica.

Babel também pode significar Porta de Deus. 

Vamos até Ele através da pluralidade das línguas, das culturas e dos povos. Ele quis assim. 

O último livro da Bíblia, o Apocalipse de São João descreve o conjunto dos redimidos como «uma multidão enorme que ninguém podia contar, de todas as nações tribos, povos e línguas» diante do Cordeiro a aclamar «a salvação pretende ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro» (Apocalipse 7, 9-10).

Daí que o missionário tenha de descalçar as sandálias da sua «etnocentricidade» diante do povo que o acolhe e respeitar a diversidade, porque foi criada e é amada por Deus!

16 de setembro de 2023

VALSA DA VIDA


 O meu coração é um salão de dança,

espaço mega, luminoso, acolhedor,
onde recebo e trago quem amo!
Por direito próprio.
Uma multidão transcontinental,
que me energiza,
humaniza,
revitaliza.
Com cada querida e querido
no meu coração
danço a valsa da vida!
São dom do Deus que dança,
com quem aprendo os passos simples e complicados
da valsa do humano viver,
amar.
A melodia da valsa?
O amor da amizade,
música profunda e harmoniosa
que (pre)enche o palco da vida.
A orquestra?
O palpitar ritmado de centenas de corações em
harmonia,
sintonia,
simpatia,
sinfonia;
que se querem, 
porque se amam.
Danças comigo?

ETIÓPIA: CRENTES VIVEM DIAS COMPLICADOS


Comunidades ortodoxas, muçulmanas e católicas vivem tempos difíceis devido a conflitos e reformas administrativas na Etiópia.

Não têm sido fáceis os últimos tempos na Etiópia. O país mais antigo de África tem vivido uma espiral de conflitos com raízes em tensões etnocêntricas, derivadas da sua federalização depois de 1991. Estas tensões afectam as diferentes comunidades de fé.


Igreja Ortodoxa entre cismas

A Igreja Ortodoxa Etíope, uma Igreja com quase 1700 anos e que conta com cerca de 46 milhões de fiéis – 40 por cento dos 115 milhões de etíopes –, está ameaçada por cisões desde Maio de 2021, altura em que os cinco arcebispos do Tigré anunciaram o corte de relações com a Igreja-mãe – o Santo Sínodo Ortodoxo Etíope – criando a Igreja Ortodoxa Tigrínia.

A cisão vem da guerra que opôs o Estado Regional Tigrinío ao Governo Federal entre Novembro de 2020 e Novembro de 2022, e que extravasou aos Estados vizinhos de Amara e Afar. O conflito envolveu tropas federais, milícias locais e soldados eritreus e deixou um rasto enorme de deslocamentos, destruição e morte. 

Os arcebispos tigrínios denunciaram o silêncio da Igreja Ortodoxa perante a chacina de milhares de civis, incluindo a mortandade na cidade santa de Axum por tropas eritreias no início dos confrontos, a morte de um grande número de padres e monges e o saque e destruição de mosteiros e igrejas. No início, o patriarca ortodoxo, Abune Matias I, ele próprio tigrinío, denunciou o genocídio contra o seu povo. Depois remeteu-se ao silêncio. 

Os prelados tigrínios acusam a hierarquia ortodoxa de ter apoiado o Governo Federal durante a guerra e de contribuir para o financiamento do conflito por meio das colectas levadas a cabo pelas autoridades locais.

Em Fevereiro deste ano, o Santo Sínodo – o governo central da Igreja Ortodoxa – escreveu individualmente aos arcebispos tigrínios a propor um diálogo para a reconciliação e normalização de relações com a Igreja-mãe. A missiva caiu mal, porque não foi endereçada ao Conselho dos Bispos da Igreja Ortodoxa do Tigré, que rejeitou a proposta. «Não podemos viver com aqueles que nos chacinaram», sublinharam.

Com o cisma tigrino por sanar, o Santo Sínodo Etíope foi confrontado por outra rebelião, desta feita no Estado Regional da Oromia. Razões? Línguas, centralismo, finanças e corrupção.

Três arcebispos de etnia oromo decidiram criar o Santo Sínodo de Oromia e das Nações e Nacionalidades, acusando a hierarquia ortodoxa de favorecer os padres de etnia amara nas suas promoções e de travar a celebração da liturgia em oromo em vez do guêes – uma língua morta muito antiga – e do amárico, arrastando milhões de fiéis para as denominações protestantes. Havia ainda a questão financeira com a gestão das ofertas dos fiéis centralizada em Adis-Abeba.

No dia 22 de Janeiro, os três arcebispos ordenaram 26 bispos, 17 para o Estado Regional da Oromia e nove para outras regiões. Quatro dias depois, o Santo Sínodo excomungou os três arcebispos mais 25 dos novos bispos. Um tinha voltado para a Igreja-mãe depois de pedir perdão. Os arcebispos rebeldes retaliaram, excomungando uma dúzia de arcebispos ortodoxos. No dia 22 de Julho, seis dos dez novos bispos nomeados pelo Sínodo do Tigré foram sagrados à revelia da Igreja Ortodoxa Etíope, que marcou uma reunião de emergência para o início de Agosto para analisar os últimos desenvolvimentos.

A cisão oromo gerou alguma insegurança e o Governo pôs as forças da ordem em alerta e restringiu o acesso à Internet, sobretudo às redes sociais mais populares (a meados de Julho a situação foi normalizada). No dia 4 de Fevereiro, pelo menos oito pessoas foram mortas em Shashamane, uma cidade do Sul da Etiópia, quando um dos novos bispos tentou entrar na sua catedral. Um grupo de fiéis ortodoxos opôs-se e as forças da ordem atacaram os manifestantes.

Entretanto, numa intervenção televisiva, o primeiro-ministro, Abiy Ahmed, instou os ministros a não se envolverem na questão da Igreja Ortodoxa, o que foi entendido como um apoio aos dissidentes. O chefe do Governo é oromo e pertence a uma Igreja pentecostal apesar de ter nome árabe. Algumas vozes acusaram Abiy de querer destruir a Igreja Ortodoxa Etíope. O Santo Sínodo proclamou um jejum de três dias e marcou uma manifestação nacional para 12 de Fevereiro em memória dos mártires que perderam a vida durante os confrontos com as forças da ordem. O Governo proibiu-a.

O primeiro-ministro sentou-se à mesa com representantes da Igreja Ortodoxa Etíope e da Oromia a 15 de Fevereiro e a crise foi sanada. Os três arcebispos excomungados foram readmitidos nas suas funções, os novos bispos voltaram ao estado presbiteral e o Santo Sínodo comprometeu-se a desenvolver (e financiar) a liturgia e a catequese nas línguas locais e a abrir seminários para formar clérigos não amaras e a ordenar alguns monges para servirem as dioceses oromos como bispos.

Em Maio, o canal de televisão por cabo da Igreja Ortodoxa foi suspenso durante alguns dias pela Autoridade da Comunicação Social, que acusou a estação de transmitir conteúdos passíveis de provocar conflitos. Em questão esteve um comunicado da comissão nomeada pelo Santo Sínodo para seguir a nomeação de novos bispos de etnia oromo. A comissão ameaçou não ficar em silêncio perante um grupo de bispos «a seguirem agendas mundanas dentro da Santa Igreja». O comunicado coincidiu com a abertura da convenção anual dos padres ortodoxos em Adis-Abeba, a capital do país. O canal, entretanto, voltou às emissões regulares com liturgias, entrevistas, ensinamentos e cânticos ortodoxos.


Muçulmanos protestam

Os muçulmanos representam o segundo maior grupo religioso etíope com mais de 36 milhões, 31 por cento da população, e chegaram à Etiópia ainda Maomé era vivo.

O Estado regional de Oromia redesenhou, em Março passado, algumas zonas administrativas e criou cidades, incluindo Shaggar, nos subúrbios de Adis-Abeba. Os autarcas da nova cidade decidiram demolir milhares de construções ilegais, incluindo 19 mesquitas e outros templos religiosos.

O Conselho Supremo dos Assuntos Islâmicos do Estado Regional da Oromia denunciou a demolição «ilegal» das mesquitas e fiéis muçulmanos manifestaram-se contra as demolições no final das orações de sexta-feira na Grande Mesquita de Anwar, situada em pleno mercado de Adis-Abeba a 26 de Maio e a 2 de Junho. Pelo menos cinco pessoas foram mortas nos confrontos com as forças da ordem e mais de uma centena ficaram feridas, incluindo seis dezenas de polícias. A Comissão Etíope dos Direitos Humanos anunciou que umas 140 pessoas foram detidas na sequência dos protestos. A Grande Mesquita foi encerrada durante algum tempo.

No início de Junho, o presidente do Estado regional da Oromia reuniu-se com o líder do Conselho Supremo dos Assuntos Islâmicos Etíopes, sublinhando que as autoridades de Shaggar não estavam a visar a comunidade muçulmana. Outras construções religiosas ilegais também foram demolidas. Perante as dificuldades que os muçulmanos apontaram em adquirir terrenos e autorizações para a construção de novas mesquitas, os edis prometeram ter o novo plano director para Shaggar pronto em Julho. O mapa incluirá áreas destinadas a templos religiosos, incluindo uma grande mesquita.


As cruzes da Igreja Católica

O conflito no Tigré também afectou a hierarquia da Igreja Católica no país, que conta com pouco menos de um milhão de fiéis. D. Tesfasellasie Medhin, bispo de Adigrat, a diocese católica do Tigré, assumiu a defesa intrépida do seu rebanho e denunciou o conflito como «genocídio devastador com actos horrorosos de crimes brutais». 

Dom Tesfasellasie pediu, em Novembro de 2021, à hierarquia católica etíope que rompesse o silêncio perante as atrocidades cometidas no Tigré, uma acusação implícita da falta de solidariedade dos irmãos bispos. A resposta chegou em Março do ano seguinte com uma mensagem onde os bispos pediram a paz para o país: «A Conferência dos Bispos Católicos da Etiópia renova o seu apelo a todas as partes envolvidas no conflito no país para baixar as armas e começar um diálogo genuíno para o interesse do povo.»

Entretanto, a rebelião armada do OLA (Exército de Libertação Oromo, na sigla em inglês) contra o Governo Federal também tem afectado a Igreja Católica na Oromia, sobretudo no Oeste e no Sul. 

Em Março, visitei Dom Abraham Desta, bispo de Meki, uma diocese no Estado Regional da Oromia a 150 quilómetros a sul de Adis-Abeba. O bispo esteve exilado durante mais de um ano na Europa onde se encontrava a tratar da saúde quando o conflito no Tigré estalou. Dom Abraham pertence ao clero da diocese de Adigrat e era conotado com os dirigentes tigrínios que lideraram o país de 1991 até 2018. Disse-me que o vicariato tinha limitado o trabalho pastoral à catedral devido à insegurança provocada pelos rebeldes do OLA. 

Os rebeldes oramos estão activos sobretudo nas zonas guji e arsi, no Sul, e no Wollega, no Oeste. Há quase dois anos que a insegurança impede a visita a três das comunidades da missão onde sirvo. 

O OLA recorre ao rapto, incluindo membros da Igreja Católica, para se autofinanciar. Em Fevereiro passado, uma freira indiana das Irmãs de Betânia foi raptada na sua comunidade perto da cidade de Nekemte, no Wollega, durante a noite e, no início de Junho, um padre da diocese de Meki foi capturado no mercado local onde fazia as compras. Ambas as vítimas foram libertadas mediante o pagamento de um resgate de perto de dez mil euros cada.

No final de Abril, o Governo Federal iniciou o diálogo com o OLA na ilha tanzaniana de Zanzibar. Espera-se que as conversações à porta fechada, mediadas pelo Quénia e a Noruega, respondam ao descontentamento dos Oromos e tragam paz e reconciliação para o Estado regional e para o país.

12 de setembro de 2023

AS CONTAS DO TEMPO





Para ti que me lês hoje é dia 12 de Setembro de 2023. Um dia de fim de verão, a retoma da vida corrente depois das férias estivais, o regresso à escola. Para os etíopes — e para mim que com eles partilho o diário viver — hoje é o primeiro dia do mês de Meskerem do ano de 2016, o Ano novo etíope, que a liturgia nacional dedica à solenidade de João o Precursor, São João Batista no santoral católico.

A inkutatash é o símbolo do ano novo. Uma flor silvestre amarela que pinta de alegria a paisagem da Etiópia nesta altura do ano. Nas montanhas, onde vivo, a flor desponta mais tarde.

A celebração do ano novo começa na véspera com uma grande fogueira à volta da qual se canta e dança a alegria do tempo novo prestes a chegar.

Desejam-se mutuamente «Melkam addis amet», Feliz ano novo em amárico. Ou o equivalente nas línguas vernaculares.

Para celebrar o ano novo, as pessoas alindam-se com as roupas tradicionais das respetivas culturas.

As meninas prendem inkutatash de plástico nos cabelos ou nas orelhas. Também usam a flor amarela bordada nos vestidos longos de algodão. As construções e os veículos são decorados com flores gigantes, fitas amarelas e balões, amarelos e pretos na predominância.

Os miúdos e os jovens juntam-se em bandos a cantar «Minha flor, minha flor, tu és linda» enquanto dançam e pedem dinheiro. Fazem-no de casa em casa ou nas estradas, parando o tráfego.

Os cristãos começam o ano nas respetivas igrejas. A maioria são ortodoxos. Celebram a divina liturgia na madrugada, transmitida através de altifalantes.

Depois de louvar o Senhor do tempo pelo dom de mais um ano, vão para casa celebrar à volta da mesa ou de uma travessa gigante.

O chão da sala é adornado com erva grossa da família do junco.

Carne de vaca, galinha e ovos (cozinhados em molho picante) e cerveja local são parte da ementa festiva. E café.

Porquê 2016? 

Os etíopes, na maioria cristãos ortodoxos, não aceitaram o calendário universal que foi promulgado pelo Papa Gregório XIII em 1582 para corrigir algumas discrepâncias do calendário juliano, o contador em uso. A Igreja Ortodoxa Etíope segue ainda o calendário do imperador romano.

Estamos em 2016 e começarmos o ano normalmente a onze de Setembro — este ano inicia-se um dia mais tarde, porque Fevereiro tem vinte e nove dias e, por isso, o mês de Pagumé, o décimo terceiro mês do calendário etíope, tem seis dias em vez de cinco.

O calendário etíope é formado por doze meses de trinta dias, mais o Pagumé para não perder mais dias para o calendário geral.

Quando cá cheguei pela primeira vez, há trinta anos, a Etiópia auto-promovia-se como o país de «Treze meses de sol». Agora apresenta-se como «Terra das origens».

Além disso, as zero horas correspondem às seis da manhã. Mais ou menos a hora do nascer do sol.

Outras peculiaridades do Calendário Etíope: o Natal é a sete de Janeiro, o Batismo do Senhor (Timket) a dezanove do mesmo mês (este ano, celebra-se a vinte por ser ano bissexto), a Páscoa de 2024 vai ser a cinco de Maio (mais de um mês depois da Páscoa do calendário universal), a Assunção de Nossa Senhora celebra-se a vinte e dois de Agosto, a festa da Santa Cruz a vinte e oito de Setembro.

É normal que povos diferentes tenham modos diferentes de contar o tempo. Melhor: modos diferentes de celebrar o tempo.

John Mbiti, o filósofo queniano, que também era pastor anglicano, nota com precisão que «em África o tempo não se conta. Faz-se.»

Feliz Ano Novo!

6 de setembro de 2023

A ALEGRIA DA PEQUENADA










Todos os anos as Missionárias da Caridade, as Irmãs fundadas por Santa Teresa de Calcutá, organizam um campo de férias para os mais novos durante as férias grandes com a colaboração de alguns voluntários.

Este ano tiveram a ajuda valiosa de cinco jovens vindos de Adis-Abeba, a capital da Etiópia, mais cinco rapazes e duas raparigas da cidade de Adola, no Sul do país, onde as Missionárias têm uma comunidade que cuida de mais de 150 doentes, alguns incapacitados, outros em tratamento da tuberculose e outras doenças.

O campo deste ano teve três edições: Adola, Soddu Abala e Qillenso.

Meninas e meninos entre os cinco e os quinze anos tiveram a oportunidade de passar duas semanas especiais cheias de alegria em cada centro.

Em Adola, cerca de 470 pequenos desfrutaram, de segunda a sexta, de umas férias especiais com muita animação, jogos, canções, catequese, oração e um lanchinho diário. Porque as atividades puxam pelo corpo e é preciso repor as energias.

Muitos outros tiveram de ficar de fora por falta de espaço e de animadores. Um dia passei pela rua em frente ao espaço onde os participantes brincavam e tive pena dos que seguiam as atividades do outro lado da rede.

Em Soddu Abala, uma paróquia rural entre o povo guji, vizinha de Adola, os participantes rondaram os 250. Qillenso, a minha casa, contou com cerca de 170 petizes.

Ao todo, quase mil crianças e adolescentes beneficiaram das atividades estivais especiais.

Para facilitar as atividades, os participantes são divididos em grupos. Os mais empenhados de cada grupo são premiados.

O campo de Qillenso concluiu com uma missa.

Os pequenos escolheram os cânticos — entre os muitos que aprenderam — e fizeram as orações. Foi uma verdadeira festa de fé. Presidi à celebração e adorei estar e rezar com aquele grupo de gente pequena tão empenhada e animada.

No final do encontro todos os participantes recebem uma peça de roupa como recordação.

O campo de férias representa uma ocasião para as Irmãs avaliarem o estado de saúde dos participantes sobretudo em matéria de malnutrição. A guerra na Ucrânia encareceu os produtos essenciais — farinha, óleo e açúcar custam o dobro — e alguns pais têm dificuldades em alimentar os filhos.

Quando aqui cheguei, há dois anos, um litro de gasóleo custava 27 birr. Agora está quase nos 80.

Para os organizadores, duas irmãs e a dúzia de voluntários e voluntárias que com elas trabalharam, foram seis semanas de muito trabalho e cansaço.

Soddu Abala fica a uma dúzia de quilómetros de Adola, mas a picada florestal está em muito mau estado. Para chegar a Qillenso é preciso fazer 35 quilómetros de estrada asfaltada que sobe cerca de 500 metros. Os facilitadores estavam baseados em Adola e tinhas de se fazer à estrada de segunda à sexta.

Mas, no final, tanto participantes como facilitares, exprimiam a alegria imensa de fazer os outros felizes. Sobretudo os mais pequenos.
 
Para o ano há mais! Se Deus quiser!