3 de novembro de 2023

PARTIU UM HOMEM DE DEUS


Dom Paride Taban, bispo emérito de Torit, no Sudão do Sul, regressou à Casa do Pai no dia 1 de novembro de 2023 de um hospital de Nairobi, Quénia, onde havia sido internado. Um santo que vive a comunhão plena com Deus e com os irmãos e irmãs no Dia de Todos os Santos. Contava 87 anos.

«Paride Taban era um humilde guerreiro para a paz», declarou Dom Eduardo Hiiboro Kussala, bispo sul-sudanês de Tombura-Yambio, ao programa Newsday da Rádio BBC.

Paride nasceu em 1936 em Opari, na Província de Equatória de Leste, no sudeste do Sudão. Foi ordenado padre em 1964 e bispo auxiliar de Juba, a capital do país, em 1980. Em 1983 tomou posse da nova diocese de Torit que governou até 2004, altura em que resignou.

Dom Paride fez parte da geração de jovens padres sul-sudaneses que, sem preparação alguma, tiveram de tomar em mãos a Igreja local quando, em 1964, o regime islamista de Cartum decretou a expulsão de todos os missionários — católicos e protestantes — do sul do país. Fizeram-no com muita dedicação e sucesso, enfrentando inúmeras dificuldades.

Defensor intrépido do seu rebanho, foi perseguido tanto pelo Governo de Cartum como pelos rebeldes do SPLA, o Exército de Libertação dos Povos do Sudão, que o mantiveram preso em condições humilhante durante algum tempo.

Dom Paride era, acima de tudo, um místico e um paladino da paz.

Em 1994, foi enviado ao Ruanda para mediar os esforços de reconciliação depois do terrível genocídio que afetou aquele país da África Oriental. Em 2013, tornou-se um denunciante acérrimo da guerra civil que estalou no Sudão do Sul entre as forças do Presidente Salva Kiir e do Vice-Presidente Riek Machar. Antes, havia mediado entre Kiir e o líder rebelde David You You.

Em 2000, inspirado pela visita que fez a uma comunidade na Terra Santa onde israelitas e palestinianos viviam juntos em paz, estabeleceu a Aldeia da Paz da Santíssima Trindade em Kuron para fomentar a concórdia entre as tribos beligerantes da sua diocese.

Em Kuron, vacas e armas, que alimentam as lutas intertribais na Equatória Oriental e noutras partes do país, estão banidas. Os residentes trocam a pastorícia pela agricultura e os jovens medem forças não através das razias, mas no campo de futebol. Defensores da paz observam e reportam movimentos suspeitos de jovens e homens armados na região e comunicam-nos através da rede móvel.

Em 2013, Ban Ki-Moon, Secretário Geral das Nações Unidas, galardoou Dom Paride com o Prémio da Paz Sérgio Vieira de Mello pelo trabalho em Kuron.

Dom Paride foi co-fundador do Conselho das Igrejas do Novo Sudão de quem foi o primeiro presidente. Por isso, o Arcebispo de Cantuária, Justin Welby, distinguiu-o com o Prémio Hubert Walter para a Reconciliação e Cooperação Interfé em 2017. Normalmente a Igreja Católica mantém o estatuto de observador neste tipo de organismos.

O bispo emérito de Torit era também desde 2016 co-presidente do Comité de Diálogo Nacional, organismo que devia promover a reconciliação e a paz no país mais jovem do mundo.

Em 2018, recebeu o Prémio Four Freedoms da Fundação Roosevelt pela «sua dedicação incondicional e abnegada para trazer a liberdade e paz ao povo do Sudão do Sul».

Encontrei-me inúmeras vezes com Dom Paride durante a minha estada de sete anos no Sudão do Sul ao serviço da Rede de Rádios Católica da qual era diretor de informação. 

Entrevistei-o algumas vezes quando se deslocava de Kuron a Juba para participar nas reuniões da Conferência Episcopal e noutros eventos. Era uma voz sábia capaz de ler os sinais dos tempos.

Entrevistá-lo foi sempre uma experiência única e impar pela transparência, humildade, bondade, alegria e sabedoria que irradiava.

Contou-me muitas histórias da sua vida. Durante o cativeiro às mãos do SPLA, os rebeldes fizeram a sua retrete no alto de uma colina sem nenhuma privacidade para todos o poderem ver a fazer as suas necessidades.

Homem de hábitos espartanos, confidenciou-me que isso o ajudou a passar esse tempo difícil de cativeiro. Alguns prisioneiros dos rebeldes sofreram muito, porque estavam habituados ao chá ou às papas para pequeno-almoço. Ele contentava-se com o que lhe serviam.

Um dos momentos a que se referia com grande humor foi quando, aos 68 anos, decidiu pedir a resignação de primeiro bispo de Torit para se dedicar à aldeia de Kuron.

«No Vaticano pensavam que eu estava maluco e exigiram que fosse visto por uma junta de psicólogos e psiquiatras», disse-me com o seu sorriso travesso.

Dom Paride é uma figura maior, impar e incontrolável da Igreja e da independência do Sudão do Sul. Nunca deixou de promover a paz e os direitos do seu povo. Agora fá-lo desde a Casa do Pai.

Descansa em paz!, servo bom, humilde e fiel.

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