24 de março de 2021

DEUS FERIDO


Os filósofos e teólogos definem Deus como omnipotente, omnisciente, omnipresente.

Para falar de Deus, recorrem ao prefixo OMNI que vem do vocábulo latino omne e exprime a ideia de todo, inteiro.

Por outras palavras, Deus é capaz de tudo, sabe tudo, está em todo o lugar; tudo pode, tudo sabe, tudo vê…

Em tempos de dificuldade, estes títulos podem levar-nos a expectativas falsas do poder e agir de Deus.

Se Deus é tudo isso, então tem o direito — e o dever — de intervir nas nossas histórias e acabar com o mal, qualquer mal, num qualquer ato milagroso omni de pura magia.

Porquê é que tal não está a acontecer? Porque há tanto sofrimento e dor no mundo? 

Porque essa é uma ideia de Deus, não é Deus.

São Pedro escreve na primeira carta, citando a profecia de Isaías, que fomos curados nas suas chagas.

O nosso Deus não é omni. É um Deus ferido, crucificado e ressuscitado, que padece connosco e transforma o nosso sofrimento, as nossas misérias em graça, num processo lento, artesanal, como o oleiro trabalha com arte paciente o barro.

Onde, por um lado, atua a compaixão de Deus e, por outro, a nossa colaboração compassiva.

Em estação pandémica, onde todos somos atribulados por um vírus que pode ser eliminado com água e sabão, Deus não é omni. Para nos salvar, Ele precisa da nossa lavagem das mãos, do distanciamento social e do uso de uma máscara protetora.

Li que um dia os prisioneiros do campo de extermínio de Auschvitz desfilavam junto à forca coletiva onde um grupo tinha sido executado. Entre os enforcados encontrava-se uma criança que, por não ser pesada, não morreu logo como os adultos e retorcia-se em agonia atroz. Um dos prisioneiros, chocado pela cena, pergunta: «Onde está Deus?». Outro responde-lhe: «Está naquela criança que se retorce em morte lenta…».

Os  tempos críticos como o nosso ajudam-nos a purificar a nossa ideia de Deus, a passar de uma fé de catecismo, de conceitos abstratos e expectativas sem limites a um encontro pessoal com o Senhor ressuscitado e vivente que caminha connosco todos os caminhos da vida, que passeia livremente connosco através das fornalhas ardentes da nossa vida. 

Também o da dor e da morte. Para transformar em Páscoa.

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