18 de março de 2021

CAÇADOR DO INSTANTE


O escritor russo Fiodor Dostoiewski escreveu que «a beleza salvará o mundo».

A palavra grega kalós tanto pode ser traduzida em português por bom como por belo.

Bondade e beleza equivalem-se, porque têm em Deus a sua fonte; são manifestação da bondade e beleza do Criador que fez tudo muito bom e muito bem.

A teologia cristã tem explorado o imperativo ético (bondade) e o imperativo estético (beleza) — menos — como caminhos de santificação. 

A bondade e a beleza são dois caminhos complementares que levam a Deus.

A beleza — um rosto, uma paisagem, uma flor, um detalhe, um pôr-do-sol, um luar, o voo de um pássaro ou de uma borboleta, neblina — encanta-me, desarma-me, humaniza-me.

Gosto de a fotografar, de fixar esses instantes da epifania de Deus, da revelação da sua beleza.

Costumava andar com uma pequena câmara no bolso: antes, analógica; depois, digital; agora é com o telemóvel.

Caçar instantâneos de pura beleza faz parte da tentação de capturar o instante, de possuir a beleza, de a caçar e domar, de a cristalizar como uma peça de fruta na doçaria tradicional.

Uma atitude consumista que se remedia com um olhar contemplativo e um coração livre do ter.

Muitas vezes prefiro sentar-me, deixar-me tomar pelo instante místico, centelha da beleza de Deus, em vez de me preocupar com o melhor enquadramento ou a luminosidade correta.

O instante respira-se, vive-se, entranha-se, assimila-se; não se captura nem se deixa caçar.

Uma foto é uma ilusão a cores ou a preto-e-branco.

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