24 de dezembro de 2020

UM NATAL DIFERENTE? QUEM DERA!

Caros amigos,

Todos dizemos que este Natal vai certamente ser diferente, devido às circunstâncias de confinamento impostas pela pandemia. Diferente, porque não nos podemos encontrar, celebrar, abraçar... Mas eu diria: talvez fosse realmente diferente para nós, aproveitando a oportunidade para descobrir e reviver o significado profundo e cristão do Natal do Senhor.

Alguns dizem mesmo que este ano não haverá Natal. Felizmente, Deus é fiel às suas promessas. Sim, haverá um Natal do seu Filho. Podemos ter a certeza disso. Vamos arranjar espaço para Ele na nossa casa, e este ano há espaço que chegue para Ele. Mas ele não vem como convidado, para nos fazer uma visita de cortesia, mas para ficar connosco todo o ano, para ser um de nós, um da casa. Não há necessidade de se envergonhar, ele não espera um palácio real. Está habituado à pobreza, desconforto, desordem, sujidade... Não vamos fechar-lhe o fundo do nosso coração, mas sim deixá-lo entrar ali mesmo, no lugar da nossa miséria, da nossa vergonha, dos nossos instintos carnais. Não foi por nada que ele foi deitado numa manjedoura? Sim, VEM JESUS AO MANTO DO MEU CORAÇÃO!

Fiquei comovido com a história de Manuel, um rapaz siciliano "que falou com Jesus", que morreu em 2010, aos nove anos de idade, após cinco anos de luta contra um tumor. Na véspera de Natal de 2009, numa carta aos seus colegas de escola ele disse: "Quando a minha vida era sombria e triste, conheci um Amigo muito especial. Ele deu-me a sua mão e eu confiei Nele. E foi assim que Ele veio para sempre ao meu coração. É um Amigo que não se consegue ver, mas Ele está lá. Ele nunca me deixa em paz. Ele abraça-me ao Seu coração e diz-me: "O teu coração não é teu, mas meu, e eu vivo em ti"! Ele é um Amigo muito, muito especial". No dia da sua Primeira Comunhão, confidenciou à sua mãe algo surpreendente e indecifrável que se tornaria habitual para ele: "Mamã, ouvi a voz de Jesus, tal como tu ouves a minha, mas consegui falar com Ele e Ele respondeu-me no meu coração. Que bonito! Estou feliz".

Este Natal, Senhor, peço-Te: DÁ-ME O CORAÇÃO DO MEU MANUEL, porque o Pai esconde "estas coisas dos sábios" e revela-as aos "pequeninos" como ele.

Ao celebrarmos este Natal não podemos ignorar o sofrimento de tantos que vivem na pobreza, vítimas de injustiça e violência, e muito menos esquecer os nossos entes queridos levados pela pandemia. Os nossos pensamentos vão para eles também. Na minha comunidade missionária perdemos dezoito, um terço dos nossos confrades. A nossa comunidade de idosos e doentes é uma sala de partos, onde devemos ser entregues à Vida. Mas este não foi um parto natural, mas sim um parto traumático, um parto por cesariana!

Neste Natal do Senhor também gostaria de expressar este desejo: FELIZ DIES NATALIS a todos os nossos irmãos e irmãs que morreram devido ao vírus!

Um Natal diferente para todos!
P. Manuel João Pereira Correia, Missionário Comboniano 
Castel D'Azzano (VR) 23 de Dezembro de 2020

22 de dezembro de 2020

NATAL SEM MEDO


É espantoso: uma pessoa lê, relê e volta a ler vezes sem conta os relatos evangélicos e há sempre algo de novo que mexe connosco, que nos tira do conforto das seguranças mentais ressessas, do sossego dos esquemas empoeirados de interpretação.

Na preparação para esta quadra natalícia fui surpreendido pela voz de comando «Não tenhas medo» que tomou conta do meu coração: 

— «Não tenhas medo, Zacarias»;

— «Não tenhas medo, Maria»;

— «José, filho de David, não tenhas medo»;

— «Não tenhais medo, pastores»…

Nos quatro quadros evangélicos (as anunciações a Zacarias, a Maria, a José e aos pastores) os portadores do imperativo divino são anjos: Gabriel e companheiros…

«Não tenhas/tenhais medo» é o pregão divino que atravessa a bíblia inteira do livro do Génesis ao Apocalipse de São João, repetido mais de uma centena de vezes nas páginas sagradas.

Neste Natal, em estação pandémica global, a Palavra convida-nos a desarmar o medo.

Tememos ser infetados pelo novo coronavírus, que outros nos transmitam a Covid 19, temos medo da solidão, dos beijos e abraços, de perder o trabalho, de perder a vida…

Em plena pandemia voltamos a ouvir o pregão angélico natalino: «Não tenhas medo!».

O medo em si é um alarme, uma luz vermelha que, em situações de perigo, alerta: «Tem cuidado!».

Mas quando a efervescência provocada pelo caldo hormonal da adrenalina e cortisol, hormonas do medo, toma conta das entranhas, o medo paralisa, afeta seriamente o corpo e o coração e periga o quotidiano…

Daí, o imperativo divino «Não tenhas medo».

Mediado por tantos anjos, rostos e corações que Deus nos envia, para nos manter felizes.

Daniel Comboni escreveu que «o verdadeiro apóstolo não deve ter medo de nenhuma dificuldade, nem sequer da morte», porque «nunca se pode ter medo quando vela por nós com piedoso afã Aquela que se denomina Rainha dos Apóstolos».

Foi o que o anjo anónimo anunciou aos pastores que pernoitavam com o gado nos descampados de Belém: «Não tenhais medo! Eis que vos anuncio uma boa nova, que será uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje na cidade de David, um salvador, que é Cristo Senhor».

E ajuntou: «E isto será para vós o sinal: encontrareis uma criança envolta em panos e deitada numa manjedoura».

Deus não teve medo de encarnar a realidade humana na vulnerabilidade frágil de um bebé indefeso, nascido numa gruta que protegia os animais mais delicados e os pastores do relento da noite. E estabeleceu a sua tenda entre nós para caminhar connosco os caminhos da vida e ser Caminho. Também no meio da pandemia.

Nesta hora de crise sanitária, económica, social e eclesial, Ele está connosco e faz natal dentro de cada um de nós, não num presépio que se arma e desarma cada ano, ao ritmo dos dia. Mas num presépio vivo e ao vivo em que os figurantes somos tu e eu, todos!

Vai ser um Natal diferente por culpa do SARS COV-2. Um Natal mais despojado, mais sóbrio, mais simples, mais essencial, mais genuíno. Com menos pessoas, mas com mais espaço efetivo e afetivo para com quem o vamos viver.

Feliz Natal, sem medo! Mas com cuidado!

21 de dezembro de 2020

UM NATAL DIFERENTE


Saúdo-vos desde Guilguel Beles, região de Benishangul-Gumuz, Etiópia, onde me encontro.

Aproxima-se o Natal para vós (aqui iremos celebrar o nascimento de Jesus a 7 de Janeiro) e, por isso, quero desejar a todos vós e a toda a vossa família um santo Natal.

Este será, certamente, um Natal diferente. A pandemia Covid-19 limitou as nossas vidas, obrigou-nos a recordar que somos pó, que a nossa vida é frágil e, ao mesmo tempo, preciosa. É, pois, esta vida frágil mas preciosa que celebramos no Natal: um menino nasceu para nós.

Isso é o que mais desejo neste Natal: que o Deus Menino, frágil mas precioso, nas nossas vidas nasça para todos nós, pois Ele é o Príncipe da Paz.

Estou em segurança, graças a Deus. Mas a instabilidade que existe nesta região impediu a abertura das escolas até aqui, impediu-me de visitar aldeias Gumuz onde fui feliz e onde tenho amigos que quero abraçar (aqui não há Covid-19, ou melhor, o Covid é outro).

Duas semanas atrás, o centro de saúde gerido pelas irmãs Combonianas foi assaltado e levaram os três microscópios. Não bastava que todos os trabalhadores não Gumuz (só um é Gumuz) tenham regressado a suas casas com receio de que algo lhes aconteça, senão agora também não haver microscópios tão importantes para analisar a existência de doenças como tifo, tifóide ou malária.

Pode parecer uma realidade difícil e que nos faz desanimar (e por vez é verdade). Mas esta realidade também nos ajuda a perceber que a missão pertence a Deus e que nós devemos ser meros instrumentos do seu amor: servos inúteis somos, fizemos o que devia ser feito.

Não acredito que Deus queira o nosso mal, roubos ou mortes. Mas sei que aproveita o mal ou sofrimento por que passamos para nos transformar e ajudar a sermos melhores, com a sua presença em nós.

Eu e o David, meu companheiro de missão, recomecámos algumas actividades e iniciámos outras, tais como aulas de inglês em Guilguel Beles e Mandura, aulas de matemática aos alunos da escola de Mandura, mesmo com as escolas fechadas, actividades com os jovens, entre outras.

Obrigado a todos pela vossa colaboração, especialmente através da oração.

Este ano soubemos que uma doença nos pode tirar quase tudo, mas este Natal recorda-nos que um Menino nasceu e nasce para nós e connosco está.

Feliz e Santo Natal

Pedro Nascimento, Leigo Missionário Comboniano

17 de dezembro de 2020

NOVENA DO Ó


A comunidade católica começa hoje a Novena do Ó, a novena que prepara o Natal. 

1. Do Ó, porque sete das antífonas do aleluia dessas nove missas começam por Ó:
  • Ó Sabedoria do Altíssimo, que tudo governais com firmeza e suavidade: vinde ensinar-nos o caminho da salvação. 
  • Ó Chefe da casa de Israel, que no Sinai destes a Lei a Moisés: vinde resgatar-nos com o poder do vosso braço. 
  • Ó rebento da raiz de Jessé, sinal erguido diante dos povos: vinde libertar-nos, não tardeis mais. 
  • Ó Chave da casa de David, que abris e ninguém pode fechar, fechais e ninguém pode abrir: vinde libertar os que vivem nas trevas do cativeiro e nas sombras da morte. 
  • Ó Sol nascente, esplendor da luz eterna e sol de justiça: vinde iluminar os que vivem nas trevas e na sombra da morte. 
  • Ó Rei das nações e Pedra angular da Igreja: vinde salvar o homem que formastes do pó da terra. 
  • Ó Emanuel, nosso rei e legislador, esperança das nações e salvador do mundo: vinde salvar-nos, Senhor, nosso Deus. 
2. Do Ó, porque a Senhora do Ó, no fim da gravidez, está a terminar uma penosa viagem de mais de 150 quilómetros entre Nazaré e Belém de Judá para cumprir o dever cívico do recenseamento.

3. Do Ó, porque somos convidados a acolher o espanto, a admiração ao contemplar Deus que encarna o inteiro humano viver por inteiro, e nasce, frágil e vulnerável, fora da cidade de Belém, por não haver espaço para ele e para a sua família na cidade abarrotada de recenseados.

«SENTIMOS PROFUNDA NECESSIDADE DE CELEBRAR O NATAL!»

 

«Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor» (Lucas 2, 10-11).

O Natal aproxima-se e nós vamo-nos preparando para acolher Deus que vem. O anúncio dos anjos ressoa nos céus e sobre a terra. É um anúncio claro, inconfundível e portador de alegria e esperança: Hoje nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo e é Senhor. Este anúncio é para o nosso hoje e é para todo o povo de Israel e para todos os povos da Terra.

Todavia, toda a humanidade está a viver uma situação crítica e difícil que atinge todos sem distinção. Todos sentimos o peso e o sofrimento desta pandemia que expôs a nossa fragilidade e os nossos limites, revelou os nossos medos, alterou os nossos comportamentos. Entre as vítimas, há também um bom grupo de confrades nossos que experimentaram o sofrimento e até a morte. Estamos todos, verdadeiramente, no mesmo barco e ainda no mar alto! Não obstante a dor e a perturbação, não faltaram gestos concretos de caridade e solidariedade para ir ao encontro das gentes. Nesta realidade sombria e ao mesmo tempo cheia de luz, fomos desafiados a ler os sinais dos tempos e dos lugares com os olhos da fé e a descobrir em tudo a presença de Deus.

É neste contexto de sofrimento e perturbação que somos chamados a viver com fé o Natal deste ano 2020. Em vez de dizer como muitos que não haverá Natal, nós sentimos a profunda necessidade de o celebrar e de estar despertos para receber Deus no nosso mundo e viver este acontecimento em espírito de humildade e de oração contemplativa. Ele vem em cada dia e em cada circunstância, vem sem se cansar, como Luz que refulge nas nossas trevas para habilitar-nos a ver a realidade com um olhar positivo e novo. Faz-se presente na fragilidade da nossa carne para assegurar-nos que é nela que se revela o seu poder salvador. Ele aproxima-se da humanidade ferida para a curar e para estimular em todos o desejo da fraternidade. Surge como a alba de um novo dia que vence o medo e abre à Esperança. Fixando o nosso olhar no Menino-Deus de Belém apercebemo-nos que tudo o que é humano é tocado pela sua Presença, muitas vezes escondida nas dobras da História. Ele é verdadeiramente o Emanuel. Deixando-nos envolver pelo mistério da incarnação seremos repletos de assombro e gratidão.

Na sua visita a Belém, Comboni comove-se ao contemplar o lugar onde Jesus nasceu: Entrei, e embora o nascimento seja mais alegre que a morte, fiquei mais comovido que no Calvário ao pensar na complacência de um Deus que se humilhou até ao ponto de nascer num estábulo (Escritos 111). Também nós, deixemo-nos comover pela sua presença no nosso quotidiano e no seio dos povos entre os quais vivemos. O nascimento do Menino-Deus, impele-nos a descobri-lo nas pessoas, sobretudo os mais pobres descartados, e a percorrer os caminhos da Vida juntamente com eles. Somos convidados a romper a carapaça da indiferença e do individualismo, a construir uma fraternidade aberta onde cada um é reconhecido, amado e valorizado independentemente do lugar do mundo onde nasceu ou habita (cf. Fratelli tutti, 1). A contemplação da Palavra feita carne leva-nos à conversão, a escolher estilos de vida simples e a centrar-nos no Essencial.

A situação difícil em que nos encontramos é um apelo a estar atentos aos sinais de Deus na História para encontrar os caminhos novos da missão. A contemplação da Incarnação de Deus faz-nos estremecer de gratidão e de assombro e abre-nos à solidariedade e ao empenho apaixonado a favor dos irmãos e irmãs mais pobres e abandonados na esteira de São Daniel Comboni.

Queremos viver este Natal juntamente com toda a Humanidade, deixando-nos transportar pelo amor que emana da gruta de Belém e nos faz ser sinais de alegria e de esperança. A Virgem Maria, que viveu de modo particular a espera do Salvador e o acompanhou do nascimento até à cruz, nos guie no nosso caminho tantas vezes penoso e nos transforme em testemunhas credíveis da Salvação trazida por Jesus.

Desejamos-vos um Santo Natal e um Ano Novo 2021 repleto de grande paixão missionária a caminho do Capítulo Geral.
O Conselho Geral

16 de dezembro de 2020

JESUS NASCEU PARA MIM


JESUS NASCEU PARA MIM!

Sim! Ele nasceu, porque eu existia! Mas, por causa dos meus pecados, das minhas transgressões, estava muito longe de Deus e, num movimento de Misericórdia do Seu Coração, quis trazer-me a grande alegria de me tornar um filho (uma filha) de Deus.

Para realizar essa façanha, a um certo momento da História, a que S. Paulo chama a «plenitude dos tempos», Deus voltou-se para mim, viu a minha miséria e teve compaixão de mim, por isso, «enviou o Seu Filho, nascido de Mulher (MARIA), … para que eu recebesse a adoção de filho (filha)» de Seu Pai (cf. Ga 4,4-7). Agora «já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim, … porque o Filho de Deus me amou e se entregou a si mesmo por mim» (Ga 2,20).

Eis a grande verdade: o meu Irmão, Jesus, nasceu para mim, viveu para mim e morreu por mim, para me resgatar do pecado e da morte e para que eu viva para toda a eternidade com Ele na casa do Pai.

JESUS NASCEU PARA MIM!

Sim! Ele nasceu de Maria Santíssima e continua vivo dentro de mim, para sempre, se não O expulsar com o meu pecado.

Ele não nasceu só para estar em grutas num presépio, num tempo muito distante, ou para ficar fechado dentro dum Sacrário sozinho nas nossas Igrejas. Não! Ele quer que eu seja um Tabernáculo Vivo que O leva para toda a parte para onde vou, para que, em mim, Ele possa contemplar comigo as maravilhas que o Pai criou e abençoar todas as pessoas que encontro no meu caminho.

Esta é uma grande verdade que cada um e cada uma de nós pode repetir, sem medo de errar: JESUS NASCEU PARA MIM!

Esta realidade pode confortar-nos grandemente no meio desta pandemia, onde vivemos, sabendo que a nossa vida está nas mãos do Pai agora e para sempre.

O Natal não é uma coisa banal, que celebramos na noite e no dia de Natal, num lindo presépio, mas que depois o metemos num cartão e o arrumamos até ao próximo ano.

Não! O natal é o nascimento do Deus-Menino, que nasce e renasce cada dia dentro de nós, cada vez que O recebemos no Sacramento da Eucaristia. Para celebrar com dignidade uma festa (Natal), é deixar que o Aniversariante (Jesus) esteja presente.

Peço a Nossa Senhora, a S. José e ao nosso Jesus, que vos encham das suas graças, para viverdes este tempo natalício, na paz e na alegria com a ternura do Menino Jesus, que nasce para cada uma e cada um de nós.
P. Alfredo Neres (RD Congo)

9 de dezembro de 2020

DÁ-ME ASAS



Proclama o Profeta:
«Aqueles que confiam no Senhor
renovam as suas forças.
Têm asas como a águia.»
Dá-me asas, Senhor,
para voar mais alto,
mais longe,
mais livre,
para ver o mundo com olhar de águia,
para Te contemplar mais de perto,
para aprender melhor o amor!
Confio em Ti, em quem tudo posso,
porque me empoderas e susténs.
Faz-me de novo, Oleiro amado.
Sou obra das tuas mãos criadoras,
da tua amorosidade.
Amen!

7 de dezembro de 2020

O OUTRO PULMÃO


A floresta da bacia do Congo pede atenção urgente.

A comunidade internacional segue, com alarme, os grandes incêndios que, anualmente, reduzem a cinzas grandes extensões da Amazónia. Um dos pulmões do planeta tem vindo a sofrer perdas irremediáveis de floresta e de biodiversidade por causa das queimadas e do abate ilegal de árvores. Contudo, o outro pulmão da Terra está a sofrer a mesma pressão ambiental: a floresta tropical da bacia do Congo, no coração da África, que ocupa quase dois milhões de quilómetros quadrados da costa atlântica às montanhas do Rift, onde o rio nasce.

A floresta tropical e equatorial da bacia do Congo, um ecossistema formado por rios, florestas, savanas e pantanais, estende-se por seis países: Camarões, República Centro-Africana, República Democrática do Congo (que detém a maior parte da selva), República do Congo, Guiné Equatorial e Gabão. A floresta dá sustento, água e protecção a 80 milhões de pessoas, de 150 grupos étnicos diferentes, incluindo pigmeus, um grupo de caçadores-colectores de baixa estatura que têm um estilo de vida profundamente ligado à mata.

A floresta congolesa é um repositório valioso de cerca de 20 por cento das espécies do planeta: inclui 10 mil espécies de plantas tropicais, 1300 espécies de aves, 900 de borboletas, 700 de peixes, 400 de mamíferos, 400 de répteis e 336 de anfíbios. Além disso, a floresta é rica em madeiras, petróleo, diamantes, ouro e tântalo (um metal raro fundamental para a indústria dos telemóveis).

A pressão sobre este grande depósito de biodiversidade é enorme e passa pela deflorestação para a produção de carvão (a fonte de energia mais comum), agricultura industrial (produção de óleo de palma e borracha), extracção de minerais (ilegal, na maioria, controlada por grupos armados à margem do Estado) e caça.

Entre 1990 e 2000, a floresta congolesa perdeu mais de 90 mil quilómetros quadrados, o equivalente à área de Portugal. Especialistas projectam que a este ritmo entre 2010 e 2030 outros 250 mil quilómetros quadrados venham a desaparecer, o equivalente a 10 por cento de toda a área. No limite, em 2100 não haverá mais floresta tropical na bacia do Congo, como alertou o presidente Félix Tshisekedi, se os índices de crescimento da população e de procura de energia se mantiverem.

A biodiversidade animal também se encontra em risco devido à caça furtiva e ao tráfico de marfim. Os povos da floresta têm o hábito de consumir caça brava, incluindo macacos e antílopes. Só a República Democrática do Congo consome mais de um milhão de toneladas de animais selvagens por ano. Nos Camarões, o comércio de carne selvagem chega a render 122 milhões de euros por ano. O consumo de caça também está na origem de alguns surtos de ébola.

A floresta tropical da bacia do Congo precisa de uma gestão sustentada para continuar a dar o sustento aos seus habitantes e manter o seu papel activo no controlo das mudanças climáticas e no armazenamento de dióxido de carbono, contribuindo para um planeta mais saudável. A Parceria da Floresta da Bacia do Congo é uma iniciativa que desde 2002 visa promover a conservação e a gestão responsável das suas florestas.

6 de dezembro de 2020

CANTONEIROS DE DEUS

 


O advento é tempo de romper caminhos: de preparar os caminhos do Senhor para acolher Aquele que é o Caminho, o Emanuel, Deus-connosco, porque caminha connosco.

«A Palavra fez-se carne: estabeleceu a sua tenda entre nós», proclama João no prólogo do seu Evangelho.

Jesus é caminho, porque faz caminho connosco, nómada com os nómadas de Deus.

Os primeiros cristãos definiam-se como os do Caminho.

António Machado, o grande poeta catalão, escreveu: «Caminhante, não há caminho, / faz-se caminho ao andar».

O Evangelho de Marcos começa com o pregão de João Batista — que se eleva das vastidões profundas do deserto, o lugar de Deus e do encontro com Ele: «preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas» através do batismo de conversão para perdão dos pecados.

Caminhar o caminho de Jesus pede mudanças na vida e de vida. 

Converter-se é deixar de fazer o mal para fazer o bem, passar da nossa cabeça — que tudo justifica — ao nosso coração para repousar no Coração de Deus.

No advento, Deus faz-nos seus cantoneiros, novos batistas que encorajam as pessoas a regressar aos caminhos do Senhor. Cuidadores dos caminhos de Deus no coração de cada pessoa.

"O Vicariato da África Central foi pelos caminhos que a Divina Providência traça a todas as obras santas: o caminho das provas, das lutas e do triunfo», escreveu São Daniel Comboni.

João vestia-se com peles de camelo e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. Vivia no deserto e do deserto. Tinha um estilo de vida sustentável.

Nós, os cantoneiros de Deu, temos que aprender a viver uma sobriedade feliz, sustentável, ecológica.

5 de dezembro de 2020

BOAS FESTAS DE CHIKOWA


Saudações em Jesus, o EMMANUEL.

Espero que o COVID vos tenha deixado tranquilos. As notícias que chegam daí não são as melhores. Esperamos que o medo não supere a serenidade e a prudência que a situação exige. 

Por aqui vive-se como se o bichinho não existisse. Esperamos que continue assim porque esta gente já tem quanto baste: malaria, SIDA, fome… Como aqui faz muito calor pensamos que o bichito não quer queimar o “rabinho”, salvo seja!... Antes assim!

Continuamos à espera das chuvas que acalmem este calor abrasador. Já deram os primeiros sinais e agora estamos esperançados que o futuro possa ser melhor. 

Entretanto, aguentam-se os meses mais duros até à novas colheitas. Esta gente ensina-me que nunca podemos desanimar e que há que viver na esperança de que algo melhor há-de vir. Também para vós melhores dias virão. O bichinho não há-de vencer.

Mando o cartãozinho natalício que preparei para este Natal. Possa o EMMANUEL encher-vos de esperança e das suas bênçãos.

Unidos na oração e na missão.

O amigo de sempre, 
Manuel Pinheiro - Zâmbia


4 de dezembro de 2020

TRÊS GRANDES PAIXÕES: JESUS CRISTO, COMBONI, MISSÃO


Irmã Clarisse Neves da Conceição – Missionária comboniana
Soito 27.11.44 – Lisboa 2.12.2020

Aos 76 anos de idade, o Senhor chamou a irmã Clarisse, depois de vários anos de sofrimento causado pela doença de Alzeimer. Visitei-a a última vez, já numa casa de saúde, em setembro de 2019. Nessa altura, apesar de não me reconhecer ainda cantou o fado com as palavras: “o meu destino é ser missionária”, em vez de “o meu destino é ser monge!” do cantor Hermano da Camara.

Nasce de uma família humilde com 8 irmãos, 4 rapazes e 4 raparigas. Uma família sã e feliz onde se respira Deus. Um lar de gente com talento. O pai era o carteiro e conhecia todas as pessoas da aldeia com mais de 3.000 habitantes.

Entra nas Missionárias Combonianas e faz os primeiros votos em 1972. Depois de alguns anos de preparação é destinada a Moçambique onde viveu a maior parte da sua vida, em tempos de grande sofrimento como tempo da guerra civil e em tempos de paz, depois do fim da guerra e do tempo de reconstrução do país completamente destruído no fim da guerra em 4 de outubro de 1992. Tive a graça de viver com ela a mesma missão e partilhar da sua alegria.

Em breves palavras, direi que a irmã Clarisse teve três grandes paixões na sua vida: jesus cristo, comboni e a missão. Foram estes os amores que a nortearam, lhe deram sempre uma grande alegria e causavam grande emoção na sua vida. Ela será recordada sempre pelo seu modo simples e descontraído de se aproximar das pessoas, para transmitir o Evangelho da vida sobretudo às mulheres moçambicanas e aos leigos a quem dedicou todas as suas energias. Tinha um caracter alegre e bem-disposto, atento e disponível. Era favorecida por um grande sentido de humor que a ajudava a ultrapassar tantas dificuldades próprias da missão.

Desde 1974 até 2014 esteve sempre em Moçambique embora com alguns períodos de formação ou trabalho na Itália ou em Portugal. A terra moçambicana e o seu povo tinham cativado o seu coração de um modo especial. Falar de Moçambique fazia-a saltar de alegria e emoção.

Era uma pessoa livre, alegre, gostava de cantar, sobretudo o fado. E este carisma nunca a abandonou mesmo na doença. Numa das últimas visitas que as irmãs combonianas lhe fizeram na casa onde se encontrava, ainda cantou o Ave de Fátima com a mesma emoção de uma jovem que canta para a sua querida mãe.

Clarisse consumiu a sua vida ao serviço do Reino, sempre com muita paixão e alegria. Ela descansa agora no abraço materno de Deus. Estamos certos de que continuará a cantar o fado a Maria, o seu fado missionário, espalhando alegria no Céu e na terra. Que a sua intercessão juntamente com Comboni desperte muitas e santas vocações missionárias nos jovens moçambicanos e portugueses.

P. Jeremias Martins (Vigário geral dos Missionários Combonianos)

3 de dezembro de 2020

MARAVILHA!


Estremece cada fímbria do meu ser,
arrepia-se cada célula do meu corpo,
ao ouvir que sou obra maravilhosa
moldado na bondade de Deus
pelas mãos do Amoreiro
a quem dou glória
vivendo a vida até ao último alento
com que devolvo o beijo
que o Papá depositou na minha boca
quando nasci.
Então eu sou Ele, sou eu!

18 de novembro de 2020

MORTES INJUSTAS


Caros amigos,

Alguns de vós estão a perguntar-me por novidades. Estou bem. De facto, viajo todos os dias, ou melhor, todas as noites (com bilhete de regresso!), caminho, falo, como... sempre à noite, nos meus sonhos! Eu costumava sonhar com a missão. Muitas vezes sonhei com Roma, onde vivi durante dezoito anos e deixei muitos amigos. Há já algum tempo que sonho com a minha terra natal com muita frequência. Não sei o que isso significa. Talvez um regresso às origens. De facto, nos meus sonhos, é como se eu estivesse a viver a minha vida ao contrário, a andar para trás.

É uma oportunidade para louvar o Senhor pelo dom da vida e vocação missionária, pelas pessoas que conheci e os amigos que me acolheram nos seus corações. Louvado seja o Senhor pela minha terra e pelo seu povo, pela sua beleza, pelas suas colinas e vinhas, exigentes mas generosas, pelas cerejeiras, oliveiras e árvores de fruto....

Agora que a doença me tirou o prazer de saborear a comida e a bebida, uma vez que sou alimentado por uma sonda, privando-me nestes últimos tempos de tomar o Corpo e Sangue de Cristo, pedi ao Senhor que quando chegasse às portas do Paraíso, onde espero entrar apenas pela Misericórdia de Deus, Ele faça receber-me com um grande tabuleiro de cerejas e cachos de uvas, e um bom prato de bacalhau regado com o azeite da minha terra. E que os amigos do Paraíso venham ao meu encontro com um bom fornecimento de bons vinhos para brindar à vida e a todos os amigos!

Mas eu não estou a escrever para falar de sonhos. Venho pedir-vos que rezem pela minha comunidade. A maioria dos meus colegas e do pessoal que nos assiste contraíram a covid19. Estou relativamente bem, apesar das habituais dificuldades respiratórias e perturbações de imobilidade. Estou confiante de que a baleia da minha doença (ELA - esclerose lateral amiotrófica) não será intimidada por um "animalzinho" tão vil e desprezível como o vírus. Esta minha amiga não muito simpática jurou durante 10 anos não me deixar e que me levaria com ela! 

Falo em tom de brincadeira, mas o meu coração está inchado de tristeza. Hoje em dia, a covid levou oito dos meus colegas, um ou mesmo dois ou três por dia. Outros encontram-se em situação crítica. Há mortes tão serenas como as do P. Aleardo que morreu há alguns dias com a idade de 99 anos ou do P. Efrem que também morreu há alguns meses com a idade de 99 anos, cheio de dias e das bênçãos de Deus. E há mortes injustas! Como as causadas pelo vírus, que nos arrancam a vida com violência e traição. É injusta a morte de um jovem morto por uma viagem que termina prematuramente o seu curso. Mas também é injusto a morte de um velho que é empurrado e cai, impedindo-o de gozar serenamente os últimos dias da sua vida na companhia dos seus entes queridos.

Quem deve ser responsabilizado por estas mortes injustas? Deus? Penso que não, uma vez que Deus é o amante da vida. Em vez disso, é o pai de todas as mentiras e inveja que introduziu a morte no mundo, juntamente com aqueles que lhe pertencem (Sabedoria 2,23-24). Então ficamos apenas com raiva e amargura? Não. Ainda temos esperança. E isto leva-me a acreditar que a monstruosa e insaciável baleia do vírus, inchada com mortes injustamente arrancadas da vida, não escapará à mão de Deus e, tal como fez com o Profeta Jonas, colocar-nos-á na costa onde Deus nos espera.

Eu mantenho-vos no santuário do meu coração. Que Deus vos abençoe e vos proteja!

Manuel João Pereira Correia 
Castel D'Azzano, 17 de Novembro de 2020

17 de novembro de 2020

REZAI PELA ETIÓPIA! REZAI PELOS GUMUZ! REZAI POR MIM!

 

Queridos amigos e queridas amigas,

Encontro-me já na Etiópia, o que me deixa muito feliz! Quando soube que o meu destino missionário era a Etiópia fiquei triste: era um país que não conhecia, que me era pouco familiar. Agora amo este país, quero bem a esta gente e orgulho-me de aqui estar em missão!

Cheguei no dia um de Novembro e, desde então tenho estado na capital, Addis Abeba! Estes têm sido dias de regresso, após quase quatro meses ausente, de contacto com a realidade do país, de preparação para a dura realidade que a minha região de Benishangul-Gumuz, zona Metekel, atravessa.

Quando cheguei soube da morte de cerca de 35 pessoas de etnia Amara, na região Oromo, perpetuada por rebeldes Oromo. Dois dias depois, na região Tigray, a norte da Etiópia, militares regionais de Tigray atacaram uma base militar do governo federal, que causou a morte de muita gente. Ora, o governo federal decretou guerra à região o que está a causar muitas mortes e refugiados no Sudão. Infelizmente os responsáveis de Tigray não se renderam e até já lançaram mísseis para outras cidades da Etiópia e também da Eritreia. Têm sido momentos difíceis os que se vivem na Etiópia.

Na minha região, infelizmente, também surgiu um grupo armado Gumuz e que tem criado insegurança, mortes e feridos. Ainda ontem ouvi dizer que mataram mais de 50 pessoas, normalmente, de outras etnias. As pessoas vivem com medo e sem certeza do futuro.

É, pois, para esta realidade que sou chamado a ser testemunha do amor de Jesus Cristo, a ser portador de esperança e a viver com esta gente que amo. Aguardo o meu regresso com alegria! Sei que tenho que ter cuidado pois sou responsável pela minha vida e responsável perante os que confiaram em mim para estar aqui, mas não vou com medo. O medo supera-se com a fé de que Deus me quer ali. Esta é a realidade a que Deus me chama e quero ser-lhe fiel!

Quero agradecer pelos donativos: dinheiro, roupa e outros materiais! Sem dúvida que a vossa ajuda é preciosa para a continuidade do meu serviço missionário! Estai certos de que a vossa partilha será usada para os trabalhos da missão e ao serviço deste povo lindo! Mas, mais que isso, a vossa contribuição ajuda-me a estar aqui! A vossa contribuição significa que estão comigo, que vieram comigo, que me apoiam e que querem fazer parte da obra de Deus aqui, na Etiópia! Sem dúvida que a missão se faz com os pés dos que partem, as mãos generosas dos que repartem e com os joelhos dos que rezam! Que Deus vos abençoe pelo bem que quereis à Etiópia!

Rezai pela Etiópia! Rezai por este lindo país que vive momentos de dor! Rezai pelos Gumuz! E, se ainda tiverdes um tempinho, rezai por este vosso amigo!

Obrigado pelo vosso apoio e amizade! E não se esqueçam de partilhar comigo sobre vós! É muito importante para mim saber dos amigos e amigas, sentir-me perto, presente!

Beijinhos e abraços,
Pedro Nascimento, Leigo Missionário Comboniano

7 de novembro de 2020

SOS PATRIMÓNIO


Grande mesquita de Djenné 

Alterações climáticas fazem perigar património africano.

As alterações climáticas representam uma ameaça grave para o património material e imaterial da Humanidade edificado pelos africanos em mais de três milénios. O alerta vem da Azonia, uma revista sobre investigação arqueológica no continente.

O estudo Património africano num clima em mudança, publicado em Julho, nota que a comunidade científica não está a dedicar a atenção devida à pressão do tempo sobre o património arqueológico, histórico e vivo, através da subida do nível dos mares e dos episódios climáticos extremos muito mais frequentes e violentos.

O aquecimento global pode aumentar em três graus a temperatura do planeta até ao fim do século, o nível do mar vai subir de um a dois metros e as águas vão alagar 240 metros da orla marítima. Dentro de trinta anos as costas da Gâmbia, Nigéria, Togo, Benim, Congo, Tanzânia e Comores vão sofrer forte erosão devido à subida do Atlântico. Além de afectar o património histórico costeiro, o fenómeno vai obrigar à mudança de milhões de pessoas. Metade da população urbana da África Ocidental vive em cidades à beira-mar.

A pressão da erosão marítima no património já se nota no Mediterrâneo e no Atlântico e ameaça os fortes e castelos construídos nos 500 quilómetros da Costa do Ouro, no Gana, entre os séculos xv e xviii por Portugal, Espanha, Dinamarca, Suécia, Holanda, Alemanha e Inglaterra para proteger o comércio do ouro, primeiro, e dos escravos, depois.

Um número de cidades muito antigas construídas sobre corais, lama e areia nas costas do Mar Vermelho e do Índico também podem vir a desaparecer. Suakin (com 3000 anos), no Sudão, Lamu (com 700 anos), no Quénia, e muitas medinas das ilhas Comores encontra-se fortemente ameaçadas tal como outros burgos históricos no litoral de Moçambique, Tanzânia e Madagáscar.

Os episódios climáticos extremos (tempestades, chuvas torrenciais, secas prolongadas e ondas de calor) também prejudicam o património por causa das inundações e do aumento da temperatura e da humidade.

Por exemplo, as grandes cheias do Nilo, provocadas pelas chuvas torrenciais, ameaçam as pirâmides de al-Bajrawiya, no Sudão – que têm mais de 2300 anos. No Mali, a grande mesquita de Djenné, construída em tijolos de barro, também está em perigo. As constantes inundações da planície do rio Bani (um afluente do Níger) estão a estragar a qualidade das lamas usadas no seu revestimento e reparação. A cidade, com cerca de 2000 casas de adobe, começou a ser construída há 2250 anos.

A rica e variada arte rupestre africana, do Sara e Sahel à Namíbia, está prejudicada pelo aumento da temperatura e da humidade nas cavernas onde os antepassados desenharam cenas do dia-a-dia há mais de 2000 anos. Fungos, micróbios e grandes amplitudes térmicas estão a afectar a estabilidade das faces rochosas onde esse património foi pintado ou gravado.

Por seu turno, os incêndios provocados pelas grandes vagas de calor põem em xeque muitos bosques sagrados, florestas protegidas e verdadeiras reservas de biodiversidade e de plantas medicinais espalhadas pelo continente, juntamente com os seus monumentos religiosos.

As próximas décadas serão críticas para a preservação do património africano, tão importante para a identidade cultural dos povos e para a sua economia.

4 de novembro de 2020

A DEUS, MISSIONÁRIO DOS REFUGIADOS



 

Querido Jesús,

Quando li a última postagem que deixaste no Facebook na manhã de 31 de outubro fiquei preocupado com o estado da tua saúde.

Escreveste: «disseram-me que tenho cov19, que o medicamento me vai manter a dormir, que não poderei comunicar-me; manda esta mensagem a todos os que podes. Avisa ao provincial que vamos comunicar-nos em três semanas. Unidos no coração de Cristo. Abuna Jesús Aranda».

Ontem à noite conversei com o teu provincial em Juba, no Sudão do Sul, para saber como estavas. Acabava de regressar à sede provincial e tentou telefonar-te, mas não teve resposta.

A notícia bateu-me de frente, esta manhã, como um murro no estômago: o coronavírus levou-te esta manhã do Hospital Católico de Lachor, no norte do Uganda, e ao Ir. Benito Ricci, um colega comboniano italiano que trabalhou quatro anos no Quénia e 48 no Uganda. Tinha 79 e era superior de Layibi, o centro comboniano de espiritualidade perto de Gulu.

Recordo com saudade o teu sorriso constante de missionário feliz: como formador no postulando conjunto do Sudão do Sul e do Quénia, em Nairobi; como pároco da missão de Lomin, no Sudão do Sul, junto à fronteira com o Uganda; e com os refugiados sul-sudaneses no norte do Uganda desde janeiro de 2017, quando as missionárias e missionários de Lomin decidiram acompanhar os paroquianos para o norte do Uganda depois de a guerra civil ter chegado com os seus horrores ao condado de Kajo Keji, o extremo sul do país.

Tinhas feito 68 anos em agosto e continuavas, feliz, a cuidar dos refugiados no campo de Pelorinya-Itula, com outros missionários e missionárias. As fotos e as mensagens que colocaste no Facebook mostram um missionário próximo, amigo, envolvido, dedicado.

Os tributos são muitos.

A irmã comboniana Dorinda Lopes trabalhou contigo em Lomin e com os refugiados.

«Marcou-me muito no P. Jesús Aranda, a sua capacidade de se integrar, permanecer e caminhar com  e ao lado de um povo oprimido e despojado do seu maior bem, a sua pátria.  Não se deixava abater pelas dificuldades, fixava o  seu olhar na Cruz de Cristo e seguia em frente. Estimava  os seus catequistas, confiava neles e apreciava a sua colaboração», escreve. 

E continua: «Quando chegamos ao campo de refugiados no Norte do Uganda e nos dirigimos aos vários agrupamentos dos refugiados, o P. Jesús perguntou-me: "Irmã, tu amas este povo de verdade?".  E continuou: "Se os amas de verdade podes permanecer, caso contrário seria melhor desistires, porque nestes campos de refugiados a vida não é fácil! Aqui só aguenta quem ama o povo de verdade".»

«O P. Jesús deu testemunho de que o seu amor por aquele povo, humilhado e despojado, era um amor verdadeiro e sem limites. Que Deus o acolha no seu eterno bem», implora.

O Ir. Jorge Rodríguez, mexicano como tu, escreve: «Descansa em paz, P. Jesús Aranda Nava. Teu amor exemplar à Missão do Sudão do Sul. Recordar-te-ei sempre».

O P. Carlos Nunes, testemunha da Zâmbia: «TRISTE NOTÍCIA HOJE! Encontrámo-nos no curso de Renovamento em Roma, preparando o retorno à Missão. Tornámo-nos imediatamente amigos, irmãos! Ele era o missionário dos REFUGIADOS do Sudão Sul! Sempre cheio de vida e alegria. Acolhedor com visitas e familiares que nos visitavam. Agradecia a Deus pela boa saúde que sempre tinha. Totalmente dedicado a Deus e aos refugiados… Tanto mais sofrerão com a sua falta!».

O estudante comboniano de teologia Lukeja Komakech Kenyi, que é de Lomin, agradece-te: «Significaste muito na nossa vida. Obrigado por seres genuíno durante toda a tua vida».

Seguiste o rebanho. Como o bom pastor deste a vida pelas ovelhas. Partilhaste a sorte dos pobres, dos refugiados, das vítimas da guerra.

Que o Senhor te acolha no seu abraço terno e eterno.

Descansa em paz depois de tão árdua missão.

Reza por nós.

Que a tua morte seja vida para os refugidos. Que possam regressar a casa e refazer as suas vidas. E os missionários à querida missão de Lomin, à igreja nova, ao trabalho apostólico e de promoção humana nas escolas, oficinas e na clínica.

Hasta Dios, Carnal.

Tu hermano Joe

31 de outubro de 2020

COM O PAI E CONNOSCO


A irmã comboniana Maria Ângela Séregni há muito que aprofunda o mistério da ascensão de Jesus a partir de um antigo hino cristão inserido na primeira carta que São Paulo escreveu a Timóteo, seu amigo e discípulo.

O texto diz: «Grande é — todos o confessam — o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne, foi justificado no Espírito, apresentado aos anjos, anunciado às nações, acreditado no mundo, exaltado na glória».

Desde maio de 1980 que a Ir. Mariângela anda às voltas com este hino litúrgico da primeira comunidade cristã.

«O mistério de Cristo torna-se o centro da minha atenção», confessa.

E começou a anotar aquilo que ia descobrindo na contemplação da subida de Jesus ao Pai através da leitura orante do mistério.

«Está connosco aquele que subiu ao Pai» partilha o resultado da oração do mistério da Ascensão de Jesus, uma espécie de diário contemplativo.

Os textos são curtos, profundos, inspiradores e incisivos.

Foram escritos entre 2015 e 2018.

A obra tem 64 páginas e está escrita em português e italiano (a língua original das reflexões).

Cada livro custa seis euros mais o custo do envio.

Pode ser pedido para as Missionárias Combonianas de Lisboa através do telefone número 218 517 640.

26 de outubro de 2020

OUTONO

Os dias minguam
em noites longas, resfriadas,
a pedir aconchego
de corpo e coração.
As folhagens pintam-se,
vaidosas,
de ocres, castanhos, rubros,
fogo de artifício
de fim de festa...
Restam os dióspiros, solitários,
fogo-de-Deus,
bolas de natal ao natural
a decorar árvores nuas.


O sol,
esgotado dos fulgores estivais,
arrefece
pálida luz,
que acaricia a pele
sem o ardor estiolado
do verão passado.

Outono,
o ícone colorido do ocaso
que vai ressuscitar
na erupção da Primavera
depois do hibernar invernal.

A vida decorre:
estação segue estação,
coração cura coração.

22 de outubro de 2020

DEHONIANO ASSASSINADO NA VENEZUELA

Foi com profunda tristeza que esta manhã recebi a notícia: o Padre José Manuel de Jesús Ferreira, Dehoniano, fora assassinado na Venezuela, no exercício da sua missão na Paróquia do Santuário Eucarístico de São João Baptista, na Diocese de São Carlos, onde era Pároco.

O acto criminoso aconteceu durante um assalto violento às instalações da Paróquia, na noite passada, 20 de Outubro.

O P. José Manuel tinha 39 anos, faria 40 no próximo dia 25 de Novembro e era filho de emigrantes portugueses, oriundos de Câmara de Lobos, Ilha da Madeira.

Neste mês de Outubro, mês das Missões, o P. José Manuel paga com a vida a sua dedicação à Missão.

Infelizmente, não é caso isolado, porque a Venezuela, a atravessar grave crise de que quase já ninguém fala, tornou-se um sítio muito violento e demasiado perigoso para viver.

Que descanses em paz, José Manuel, junto do Deus da Vida e da Misericórdia. E que o teu sangue derramado possa ser grito de alerta e chame a atenção para a violência gratuita que tantas vidas vai ceifando...
P. José Agostinho Sousa 
Provincial dos Dehonianos em Portugal

15 de outubro de 2020

PEGADA SUJA

 

Indústrias extractivas têm «dívida ecológica» com a África.

A África é um continente muito rico em minerais: ouro (89 por cento da produção mundial), tântalo (vêm da RD do Congo 80% deste metal fundamental para a indústria digital), platina (mais de 60% é produzida na África do Sul), diamantes (metade da produção global), bauxite (a Guiné detém 25% das reservas mundiais), carvão (Moçambique tem um dos maiores depósitos por explorar do mundo), cobalto, urânio, petróleo, gás natural e muito mais.

Muitas economias africanas dependem demasiado da exploração dos minérios que têm um impacto ecológico negativo como, por exemplo, nos casos do ouro, carvão e petróleo. As minas crescem à custa da deflorestação, da biodiversidade e da vida selvagem, de pastagens e terrenos agrícolas. A actividade ainda é responsável pela poluição dos solos, subsolos, água e ar que causa problemas graves de saúde, além da violência e corrupção. Noventa por cento dos africanos dependem da terra para viverem.

O Papa Francisco denunciou num curto vídeo que publicou em Setembro nas redes sociais o que chamou de «dívida ecológica» dos países e empresas do Norte, que enriquecem com a exploração dos bens naturais do Sul. Qualificou de ultrajante a prática de multinacionais que fazem no estrangeiro aquilo que lhes é proibido no próprio país.

A extracção de petróleo no delta do Níger e no Sudão do Sul são dois casos emblemáticos. A Shell, que explora o petróleo na Nigéria desde 1956, é responsável por inúmeros acidentes que contaminaram vastas áreas de solos e rios do delta, pondo em risco a subsistência dos povos locais.

No Sudão do Sul, dois relatórios encomendados pelo Governo denunciam a existência de águas e terras contaminadas com níveis muito perigosos de produtos tóxicos derivados da extracção do crude que podem estar na origem de malformações em bebés, abortos e outros problemas de saúde nos habitantes das áreas dos campos petrolíferos. As jazidas são exploradas por consórcios encabeçados por empresas chinesas com parceiros da Malásia, Índia, Egipto e Sudão do Sul. O Governo meteu os relatórios na gaveta, porque o petróleo cobre 98% das entradas do orçamento do país. Egbert Wesselink, da Pax Christi holandesa, que investigou o assunto, afirma que o país está a realizar uma das operações de extracção de petróleo mais sujas do mundo.

Entretanto, com a crise climática a mudar os motores movidos a combustíveis fósseis para eléctricos e a hidrogénio, as grandes petrolíferas procuram no plástico a alternativa para o uso do crude. O New York Times noticiou que um grupo das maiores firmas da petroquímica estava a pressionar a administração Trump para forçar o Governo queniano a importar plástico novo e em lixo. O Quénia tem uma das leis antiplásticos mais duras (usar sacos de polietileno dá prisão). Em 2019, empresas americanas exportaram mais de 450 mil toneladas de lixo plástico para 96 países para reciclagem. Muito acaba em lixeiras, rios ou no mar.

Mas também há sinais de esperança! O Zimbabué acaba de proibir a mineração em parques nacionais incluindo na reserva de Hwange, onde tinha concessionado a exploração de carvão a duas empresas chinesas. E tornou ilegal a exploração manual de ouro no leito dos rios.

22 de setembro de 2020

ADEUS, CARLOS!


Acabo de receber  notícia triste mas esperada do falecimento do meu colega padre Carlos Bascarán no Brasil.

O estado de saúde ia-se agravando paulatinamente e os médicos aconselharam os colegas a dar-lhe a unção dos enfermos esta manhã.

Regressou à casa do Pai depois de uma longa luta com o covid19 em João Pessoa, no estado de Paraíba.

O funeral será ainda hoje.

Tinha 79 anos.

Nasceu em Oviedo, Espanha.

Passou a maior parte do ser serviço missionário no Brasil.

Antes, foi prefeito no seminário comboniano da Maia e estudou teologia no Porto entre 1966 e 1970. E jogou no Futebol Clube da Maia.

Partiu para o Brasil-Sul em 1974. Em 1979 veio para a Espanha por quatro anos. Em 1983 regressou à província do Brasil-Nordeste. Até hoje, quando regressou ao abraço terno e eterno do Pai.

Conheci-o no Capítulo Geral de 2003. Era então o superior provincial do Brasil-Nordeste. 

Com as suas barbas longas e grisalhas, sempre de havaianas, um humor único, grande músico e cantor e … grande jogador de futebol. Um artista.

Impressionou-me muito a sua alegria e simplicidade.

O pastor tem que cheirar às ovelhas — diz o Papa Francisco.

O Carlos foi solidário com os mais pobres também na morte.

O comboniano brasileiro P. Raimundo dos Santos escreveu: "Vai ter música no céu!!! Obrigado, Bascarán, por teu testemunho e missão entre os mais pobres! Descanse em paz!".

O P. Joaquim Fonseca, português, já teve alta. O Ir. Chico d'Aiutto, italiano, continua internado.

Descansa em Deus e reza por nós para que também sejamos fiéis ao Senhor da Missão e ao seu rebanho.

2 de setembro de 2020

VIVO

 


Hiberno com o abandono do urso-polar;
Acordo com a vitalidade do galo madrugador;
Viajo com a tenacidade da borboleta monarca;
Carrego-me com a leveza da libelinha;
Deslizo com a graciosidade do golfinho;
Pairo com o encanto do beija-flor;
Prescruto com a atenção da águia;
Procuro com a persistência do guarda-rios,
Envolvo-me com a tenacidade do picapau;
Recomeço com a determinação do tecedeiro;
Amo com a ternura da rola;
Vivo com a força de Deus!

31 de agosto de 2020

ROUPA USADA


Africa dá segunda vida a roupas descartadas no Norte.

Andava a explorar os arredores do Forte de Jesus, em Mombaça, no Quénia, quando me chamou a atenção um adolescente com uma camisola do Futebol Clube do Porto com as listas finas dos tempos do patrocínio da PT. Noutras latitudes africanas também encontrei alguém com o equipamento alternativo laranja muito desbotado do mesmo clube e uma camisola do Benfica bastante maltratada.

Os equipamentos dos clubes rivais portugueses chegaram aos mercados africanos através do negócio de roupas usadas, que, pelos dados da ONU, movimenta anualmente mais de três mil milhões de euros. A Oxfam calcula que África gasta cerca de 40 milhões de euros por ano na importação de roupa em segunda mão, geralmente artigos de Primavera e Verão. Mas também gorros de lã, sobretudos e outros artigos de Outono e Inverno.

A ditadura da moda obriga muita gente dos países ricos a renovar o guarda-roupa todos os anos e a descartar o que já não se usa. Um americano deita fora em média 37 quilos de roupas por ano. Na última década, os europeus gastaram quatro vezes mais em vestuário. Em Portugal, o desperdício de roupa atinge as 195 mil toneladas anuais.

Quase 80 por cento do vestuário recolhido tem uma segunda vida, sobretudo em África. Vem em grandes fardos, de 45 a 450 quilos, depois de as peças serem seleccionadas e separadas para venda ao quilo. É comum encontrar gente à procura de uma pechincha em grandes montes de vestuário usado em cima de plásticos, no chão, em muitos mercados africanos.

Os mercados de roupa usada são populares, porque o material é barato, de melhor qualidade e com mais variedade do que o que vem da China e do Bangladesh ou da produção local. Depois, em cada mercado há um costureiro que na hora ajusta as peças às medidas do comprador. Os negociantes também ganham: no Zimbábue um fardo de roupa, comprado ao quilo, pode dar um retorno até dez vezes a despesa.

(Um parêntesis: a indústria é responsável por cerca de dez por cento das emissões de carbono. Em Portugal, já há lojas a vender roupas em segunda mão.)

Os governos da Comunidade da África Oriental (EAC na sigla inglesa, que engloba Quénia, Uganda, Tanzânia, Burundi, Ruanda e Sudão do Sul) começaram a taxar a roupa usada em 2016 para em 2019 acabar com a sua importação em nome da dignidade e da promoção da indústria local.

O Governo norte-americano não gostou da opção da EAC e ameaçou acabar com a isenção de taxas do acordo de comércio livre aos países que boicotassem as roupas usadas. Só o Ruanda se manteve firme.

A África – com Mali e Burkina Faso – é um grande produtor de algodão, mas falta mão-de-obra especializada, investimentos e energia contínua para autonomizar o continente no que respeita a têxteis e vestuário.

A pandemia global veio impor alguns entraves à importação de roupa em segunda mão. Os compradores têm medo que os artigos venham infectados com o novo coronavírus apesar de serem fumigados antes da exportação. 

O Quénia impôs em Março uma suspensão da importação dos artigos para combater a pandemia. Entretanto, as indústrias locais estão a produzir equipamentos de protecção individual, incluindo máscaras. 

A covid-19 pode dar um novo fôlego aos fabricantes e estilistas africanos.

20 de agosto de 2020

HUMILDE VIOLETA



LEÓNIA MARTIN é a filha do meio das cinco sobreviventes do casal Zélia e Luís Martin. 

A irmã mais famosa é a benjamim da família: Santa Teresinha do Menino Jesus.

Leónia descreve-se como «o pequeno diabrete». 

Teve uma infância e adolescência difíceis devido à saúde precária e ao seu carácter irreverente e difícil.

As quatro irmãs — Maria, Paulina, Celina e Teresa — entraram no Carmelo de Lisieux. 

Leónia professou nas visitandinas de Caen, seguindo os passos de uma tia.

No mosteiro de Caen, onde tomou o nome der Irmã Francisca Teresa, seguiu a pequena via da infância espiritual que a irmã mais nova plasmou nos seus escritos.

Descreve-a como «o caminho mais curto, o mais acertado para me conduzir à santidade da minha vocação».

Diz-se «humilde violeta». 

É a santa boa e alegre da humildade, da vida escondida, das pessoas simples. Está a caminho dos altares. Uma santa mais próxima de nós, o comum dos mortais.

Sabia que pertencia a uma família de santos e não queria ser o patinho feio: «por isso, não devo ser eu a manchá-la».

A irmã mais nova foi canonizada em 1925 e os pais em 2016.

Nesta obra, o meu «mano» António José Gomes Machado giza o percurso humano e espiritual da serva de Deus desde a infância até à morte, com 78 anos, a influência da sua mana mais nova, o impacte da sua vida.

O livro vem ilustrado com inúmeras fotos.

Pode ser comprado nas Edições Carmelo.

Mais uma leitura agradável para tempo de verão.

17 de agosto de 2020

"PEGAI EM MIM!"


Caros amigos,

Hoje, 15 de agosto, festa da assunção de Nossa Senhora, é o aniversário da minha ordenação sacerdotal, mas sobretudo o 50º aniversário da minha primeira profissão (votos religiosos), em 15 de agosto de 1970, em Valência (Espanha).

Os tempos não são para festejos. Comemoro este aniversário particular com gratidão e ... uma certa saudade. No último momento achei oportuno comunicar-vos este aniversário, para que a comunhão fraterna dê mais glória a Deus.

Então, por favor, dai glória a Deus comigo pela sua paciente e misericordiosa fidelidade ao longo destes 50 anos.

Agradecei à Virgem Maria comigo pelo seu carinho maternal ao longo do caminho da minha vida.

Durante a semana de retiro antes dos votos, fui ter com o meu Padre Mestre (o P. João Batista Bressani, agora doente aqui comigo em Verona), para partilhar com ele, uma vez mais, as minhas dúvidas e temores.

Ele respondeu-me: E tu achas que os teus companheiros não sentem medo? Só que eles fecham os olhos e pulam, e tu os abres, olhas para a frente, não vês com clareza o que te espera e o medo bloqueia-te. Faz como eles: fecha os olhos, confia em Deus e salta também!

E foi o que fiz! O medo voltou outras vezes, mas nunca esqueci o conselho dele!

A estrada ainda não terminou e certamente haverá outros saltos a dar a olhos fechados. Acompanhai-me com a vossa oração. Já que agora estou paralisado no leito da doença, pegai em mim e lançai-me na piscina da Vontade de Deus!

Feliz festa da Assunção, e que a nossa vida seja uma assunção contínua.

Com amizade e gratidão,
P. Manuel João Pereira Correia, mccj 
p.mjoao@gmail.com

16 de agosto de 2020

EXISTÊNCIAS CONFISCADAS


O confinamento, o esforço coletivo para conter o alastrar da pandemia do novo coronavírus e proteger os mais vulneráveis, foi um fechamento difícil e problemático. Mas representou um tempo de criatividade produtivas para escritores, músicos e outros artistas.

José Tolentino Mendonça acaba de publicar a sua própria reflexão sobre o confinamento na obra O que é amar um país - o poder da esperança com a chancela da Quetzal.

O livro abre com o discurso memorável, magistral do Dez de Junho, que dá o título à obra, e um ensaio com o subtítulo do livro.

A terceira parte, Do tempo da calamidade ao tempo da graça, é composta por uma dúzia de textos curtos, uma reflexão criativa, contemplativa, poética, lúcida sobre a pandemia global, os seus desafios imensos e as inúmeras oportunidades que abre.

O Cardeal Mendonça define o confinamento como «confiscação da existência».

Resiliência é, para ele, a palavra-chave que abre a nova normalidade.

«A presente pandemia começou por ser enfrentada como um assunto sanitário, mas evidentemente reclama que a interpretemos de um ponto de vista mais alargado, como uma encruzilhada civilizacional», sublinha.

E pergunta: «A União Europeia terminará como um monumental museu de boas intenções que se afunda ou esta será precisamente a estação do seu relançamento?»

O autor desenvolve muitas pistas de reflexão para o tempo estranho que vivemos globalmente com a lucidez que o caracteriza, um tempo difícil, prenhe de promessas.

Vale a pena remoer o último parágrafo da obra: «Este também é o tempo para descobrir a beleza de que cada um de nós pode ser protagonista: a beleza do cuidado e da compaixão. Este é o tempo em que o coração humano precisa de ser consolado — há tantos corações humanos que precisam de ser consolados! Não pensemos só no nosso coração».

Uma leitura obrigatória para as férias.

12 de agosto de 2020

MEU CORAÇÃO EXULTA NA ETIÓPIA



Queridos amigos e amigas, escrevo agora mais perto de vós, desde a minha santa terra, Ervedal, no Alentejo.

O tempo de quarentena foi um tempo especial, de descanso, oração, de paragem para reflectir sobre a missão e preparação para este tempo em Portugal. 

A casa onde fiquei a fazer a quarentena, casa com todas as condições, por 19 dias, foi cedida totalmente grátis pelo ser missão de alguém que o sente de fazer por inspiração de Nossa Senhora de Fátima.

E os alimentos para esses dias também foram cedidos, principalmente por duas famílias, igualmente generosas no seu ser missionárias. 

Com a graça de Deus, também tive quem se disponibilizasse com transporte para tudo.

Mesmo em quarentena ainda fui mimado com várias visitas que me ajudaram imenso.

Depois de feito o teste à Covid-19, de saber o resultado, negativo, foi tempo de agradecer a Deus Pai e à Nossa Mãe e, depois, viajar para casa e estar com a família.

Entretanto, a mãe foi chamada para realizar uma cirurgia à bexiga, o que já aconteceu e correu bem, graças a Deus e à oração e comunhão de tanta gente. Agora continuarei uns dias por casa, estando com a família.

Espero voltar à Etiópia em Setembro, por mais alguns meses entre o povo Gumuz de quem muito gosto.

Agradeço todas as perguntas que me foram feitas e irei responder pessoalmente a cada um e uma de vós. Para além disso, iremos realizar alguns pequenos vídeos inspirados nessas perguntas para que possa partilhar a experiência missionária com todos aqueles que o desejem.

Antes disso, já preparámos um pequeno vídeo com algumas fotos sobre a missão na Etiópia e que podem visualizar aqui

No vídeo, algumas fotos são sobre o trabalho que realizamos, como o trabalho na biblioteca, as visitas às comunidades e acompanhamento de catequistas, e as actividades com as crianças.

Alguns de vós têm perguntado como poderiam ajudar a missão na Etiópia. Actualmente, das várias actividades, existem dois projectos que carecem de ajuda económica: a biblioteca e os doentes.

A biblioteca continuará com as suas actividades: sala de estudo e consulta de livros, aulas de inglês e de informática. Para isso, precisamos de fundos para continuar a comprar livros e material escolar para serem usados na biblioteca e, por outro lado, a contratação de alguém que possa ser formado e continuar na biblioteca mesmo quando já não estejamos na missão, dando assim continuidade ao projecto.

O projecto dos doentes consiste no acompanhamento das pessoas doentes nas aldeias que visitamos: transportar e acompanhar os adultos e crianças. 

As distâncias são longas, ao centro de saúde ou a um pequeno hospital gerido pelas Irmãs Combonianas, com bom tratamento e preços acessíveis às pessoas. Por vezes, pagamos a medicação das pessoas que não têm possibilidade de o fazer. Tudo isto significa gastos com a gasolina, taxas dos exames médicos, medicamentos e, por vezes, comida para os que pernoitam no recinto da nossa casa.

Assim os que quiserem contribuírem poderão fazê-lo para a Conta dos Leigos Missionários Combonianos (LMC) que é a seguinte: PT50 0036 0131 9910 0030 1166 0 (Banco Montepio).

Pedia por favor, que enviassem um e-mail a referir o destino do dinheiro para o e-mail dos LMC: leigos.combonianos@gmail.com com o conhecimento da ecónoma dos LMC sandrafagundes@gmail.com

A vossa ajuda sempre foi e é importante. A missão faz-se em Igreja, com os que vão e com os que ficam, sempre todos em comunhão. A alegria da missão e do Evangelho não é exclusiva de uns mas de todos nós que pertencemos à Igreja! Tu és Missão!

A ajuda mais preciosa será sempre a vossa oração. Essa oração silenciosa mas profunda que tenho sentido na minha vida missionária e que muito agradeço.

Termino com o Magnificat que escrevi, em Portugal, durante o tempo de quarentena, sobre o tempo vivido na Etiópia:

A minha alma glorifica-Te, Senhor, por tudo o que me permitiste viver na Etiópia.

Glorifico-Te, Deus Santo, por tantos rostos que agora habitam no meu coração.

Louvo-Te, Senhor, pela Tua Palavra que tantas e tantas vezes iluminou a minha vida.

Regozijo-me com tantos sinais da Tua presença no meio daquele povo lindo que amo e tanto bem lhes quero.

Quero dar-Te graças, Jesus, por me teres permitido viver o Teu Amor no meio de tantas pessoas, na biblioteca, nas aulas de inglês e de informática, nos jogos de futebol, nas visitas às comunidades, nos encontros de catequistas, nas visitas às famílias, nas idas aos centros de saúde.

As cruzes não faltaram, o desalento, a dor, as lágrimas… Mas onde abundou a minha fragilidade humana e espiritual, superabundaram a Tua Graça e o Teu Amor que sempre senti no meu íntimo.

Agradeço-Te imenso as dificuldades da língua, compreensão da cultura, clima, doenças, que me obrigaram a ser pequeno junto deste povo lindo.

O dom da pequenez ajudou-me a necessitar de ajuda, a ser humilde, a parar para contemplar, a querer aprender…

Obrigado por me ajudares a ser pequeno. Quanto mais pequeno, mais necessitei de Ti, do Teu Amor, do colo terno de Tua Mãe, do Vosso olhar sobre mim.

O meu coração exulta de alegria sempre que penso na Etiópia.

Meu bom Deus, quero cantar as maravilhas da Missão, dizer como os Apóstolos no momento da Transfiguração: como é bom estar aqui, anunciar o Teu Amor e, se necessário, sofrer por Ti.


Pedro Nascimento, Leigo Missionário Comboniano

6 de agosto de 2020

CHEGUEI!


Finalmente cheguei à missão. A viajem correu bem: foram 24 horas de máscara posta, seja nos aviões seja nos aeroportos, depois… liberdade!

À chegada a Lusaka mediram-me a febre, mas estava mais fresquinho que uma alface. Depois fizeram-me o teste, mas a quarentena faço-a na missão.

Um dia em Lusaka e na sexta viajei de carro: saímos às 5h00 da manhã, parámos em Chipata a fazer umas compras e às 6h30 da tarde já estávamos na missão.

Isto é outro mundo! Higienização? Distância social? Máscara? Quem a não tem põe um pano na boca a fazer de conta, ou simplesmente não põe nada (a maioria)!

Ai se os doutores daí nos vissem!... Se o vírus cá chega, salve-se quem puder!

No domingo à noite fizemos a pizza para celebrar a minha chegada juntamente com os voluntários franceses e austríacos. Éramos 12 “jovens” (uns mais que outros!).

O meu colega de 80 anos é um herói: tem aguentado, mas dá pena vê-lo, está muito magrinho… Oxalá aguente até ao fim de Agosto que é quando pensa ir a casa na Italia.

A missão foi o grande dom que Deus me concedeu e só posso dizer “SIM”.

Permaneçamos unidos em oração.

Um abração do sempre amigo agradecido a cada um de vós.
M. Pinheiro, o carunchoso

2 de agosto de 2020

CHEIA DE GRAÇA



Reunimo-nos para celebrar a festa da Senhora da Graças em tempo de pandemia global.

Hoje fazemos uma celebração mínima, reduzida ao essencial: a Eucaristia — que é a fonte e o cume, o princípio e o fim da vida cristã — numa igreja enfeitada com os nossos corações engalanados.

Esta festa ajuda-nos a manter viva a nossa fé e a alimentar sua dimensão mariana de cinfanenses: com Maria, a mãe de Deus e a nossa mãe, aprendemos a ser discípulos missionários de Jesus.

Celebramos a Virgem Maria sob o título de Senhora das Graças.

Cheia de graça é o nome novo que o Anjo Gabriel chamou a Maria durante a anunciação.

Cheia de graça é o nome com que chamamos a Mãe cada vez que rezamos a ave-maria, a oração mais simples e talvez a mais efetiva que aprendemos desde pequeninos.

Saudamos a Senhora das Graças com as palavras do arcanjo Gabriel e com as palavras de Santa Isabel, a mãe de São João Batista, o nosso padroeiro.

Maria é cheia de graça, porque foi agraciada pelo Senhor. Ela é a cheia do amor do Amado.

A graça é o colinho de Deus, é o Espírito de Jesus ressuscitado. A graça e a verdade são os dons de Jesus (João 1, 17).

A grandeza de Maria está na resposta incondicional à graça que o Senhor lhe deu com um simples: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra».

Ou, como Isabel lhe disse: «Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor».

Maria é feliz, é bendita entre as mulheres, porque acredita sem reservas no plano de Deus desde a anunciação ao pentecostes e dispõe-se a vivê-lo incondicionalmente, sem mas nem sês.

Ela diz «faça-se» ao anjo depois de resolver as suas questões; ela conserva no seu coração o mistério do nascimento e da infância de Jesus; a atenção dela durante a boda de Caná apressa a hora de Jesus; ela mantém-se de pé, forte, junto à cruz; ela está em oração com os discípulos na sala de cima no Pentecostes.

O favor que Deus fez a Maria nossa Mãe — cheia de graça também pode ser traduzido por favorecida com graça — é o favor que faz a cada um dos seus filhos. A todos: santos e pecadores sem exceção.

Paulo escreve aos cristãos de Roma: «onde aumentou o pecado, superabundou a graça» (5, 20). Deus cobre sempre o nosso pecado com o seu amor excessivo.

A nós resta responder a esse amor desmedido com o nosso amor pequenino, limitado, mas um amor amado!

Nessa resposta, olhamos para Maria para aprender a responder ao amor do amado. Ela é nossa Mãe e Mestra. Ela diz-nos o que disse aos serventes das bodas de Caná: «Fazei o que Ele vos disser!»

O evangelho que a liturgia nos propõe para hoje conta que Jesus teve compaixão ao ver aquela grande multidão que o esperava no lugar deserto e afastado para onde se costumava retirar.

Jesus comoveu-se até as entranhas. O nosso bispo, Dom António Couto, traduziria: «Jesus tripou».

Esta atenção aos necessitados, esta compaixão entranhada Jesus aprendeu-a da Mãe. Foi ela que nas bodas de Caná disse a Jesus: «Não têm vinho».

Quando Jesus respondeu: «Mulher, que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora», ela simplesmente disse aos serventes: «Fazei o que Ele vos disser!».

Esta compaixão Jesus propõe-no-la como forma de compromisso cristão.

A grande revolução nas tecnologias da informação com o advento da internet transformou o mundo numa imensa aldeia onde somos vizinhos uns dos outros. Acompanhamos o que se passa do outro lado do mundo em tempo real.

Os dramas, os apelos, a situação das grandes multidões que encontramos nas redes sociais deve mover-nos interiormente e pôr-nos em estado de empatia para com todos.

Jesus diz-nos hoje: «Dai-lhes vós de comer!».

A nossa presença nas redes sociais deve ajudar os nossos contactos a terem mais vida, a viverem melhor, com mais esperança, com mais alegria.

Costumamos chamar ao evangelho de hoje o milagre da multiplicação dos pães. Eu prefiro chamar-lhe o milagre da partilha.

Os cinco pães e dois peixes — o pouco que temos — com a graça de Deus e a benção de Jesus chegam para todos — cinco mil homens, mais as mulheres e as crianças — e ainda sobraram 12 cestos de restos.

A partilha, abençoada por Deus, faz milagres.

A Terra produz comida suficiente para todos os seus habitantes. Apesar disso, mais de 30 por cento da população passa fome. 

O problema está na distribuição e no desperdício. Muita comida é usada para produzir combustíveis verdes. Um terço da comida produzida acaba no lixo.

Jesus manda recolher as sobras do grande piquenique no lugar ermo relvado. Ensina-nos a não desperdiçar, a guardar as sobras.

Quando eu era pequeno e se deixava cair um pedaço de pão ao chão, limpava-se o pão e dava-se-lhe um beijo antes de o consumir.

O pão, a comida é alimento sagrado e não se deve deitar ao lixo. Aliás como tudo. A nossa cultura faz muito desperdício, descarta tantas pessoas e coisas. 

Somos chamados a recolher no cesto do amanhã as sobras, a reciclar os nossos lixos, a tratar as pessoas com a dignidade que lhes é própria.

Que Maria, a Senhora das Graças, nos ensine a viver com graça, agraciados e agradecidos pela vida, pela bondade e pelo amor que Deus nos tem em harmonia com a criação inteira.

Que com São Paulo possamos dizer: «não foi em vão a graça de Deus» (Gálatas 2, 21) porque é pela graça de Deus que somos o que somos (1 Coríntios 15, 10).

Amén.

4 de julho de 2020

MÁQUINAS DE CORRIDA


Atletas da África Oriental dominam meio-fundo e fundo há décadas. 

O etíope Abebe Bikile ganhou, descalço, a maratona olímpica de Roma em 1960 e inaugurou o domínio dos fundistas da África Oriental. Voltou a ganhar a prova-rainha do atletismo em Tóquio, quatro anos depois. Em 1968, no México, lesionado, cedeu o lugar no pódio ao compatriota Mamo Welde.

Hoje, os dez mais rápidos corredores da maratona são do Quénia (quatro) e da Etiópia (seis). Entre as atletas, cinco são quenianas, três etíopes, uma é inglesa (com o segundo melhor tempo) e uma israelita. Nas provas específicas, nos 10 quilómetros e na maratona, as mais rápidas são sete do Quénia e três da Etiópia; nos homens, cinco são do Quénia e três da Etiópia.

O queniano Eliud Kipchoge (na foto) foi o primeiro a correr a maratona em menos de duas horas em Viena com o tempo-canhão de uma hora, 59 minutos e 40 segundos. O recorde, contudo, não foi homologado, porque a prova não seguira as regras de andamento e da toma de fluidos. Mas é o maratonista mais rápido: ganhou a maratona de Berlim em 2018 com o tempo de duas horas, um minuto e 39 segundos. Kipchoge venceu 12 das 13 maratonas em que participou.

Qual é o segredo do domínio absoluto dos atletas da África Oriental sobretudo na maratona, a prova dos 42,195 quilómetros, e a capacidade para bater recorde atrás de recorde?

As respostas são variadas. Os atletas dos dois países treinam em áreas altas do vale de Rift, onde o ar tem menos oxigénio, o que lhes dá mais resistência. Depois, os estudantes fazem muitos quilómetros a pé para ir à escola. Há ainda a questão da alimentação rica em verduras e amido e com pouca carne.

No caso do Quénia, há um dado transversal: os melhores atletas pertencem à tribo dos Kalenjins, um povo nilótico que vive no vale de Rift e tem algumas características físicas especiais: são altos e magros, com a barriga das pernas e tornozelos finos, aspectos morfológicos que favorecem a corrida.

Além disso, os ritos de iniciação, tanto dos rapazes como das meninas, fazem com que tenham uma capacidade enorme de sofrimento para aguentar a dor, um dos predicados para correr provas de longa duração, que exigem grande esforço físico e psicológico. Kipchoge Keino bateu o recorde dos 1500 metros nas olimpíadas do México em 1968 com uma infecção dolorosa na vesícula. Os médicos aconselharam-no a não competir, mas ele foi mais forte que a dor: venceu com um recorde olímpico.

Na Etiópia, os atletas campeões são de tribos diferentes, mas muitos vêm do vale de Rift, oromos da zona de Arsi. Treinam juntos com programas muito exigentes, são disciplinados e beneficiam da boa organização do sector. Quando vivia na Etiópia e, de madrugada, viajava da capital para Sul, encontrava as estradas à volta de Adis-Abeba cheias de gente a correr antes que o ar ficasse inquinado pelos gases dos velhos veículos. A cidade fica a quase 2500 metros de altitude e a madrugada é geralmente muito fria.

Uma nota relevante: o missionário irlandês Colm O’Connell foi para a Escola Secundária de São Patrício em Iten (no vale de Rift queniano) para leccionar Geografia por três meses, em 1976. Fundou uma equipa de atletismo (que produziu alguns dos melhores fundistas) e por lá ficou até hoje. É conhecido como o padrinho dos corredores quenianos e o melhor treinador do mundo.