31 de dezembro de 2016
A FORÇA DA NÃO-VIOLÊNCIA
O papa repropõe a não-violência como método evangélico para uma «política para a paz» baseado no Sermão da Montanha. Uma proposta ousada e corajosa que nos devolve às origens do cristianismo e responde aos desafios de «uma terrível guerra mundial aos pedaços» em curso.
«Hoje, ser verdadeiro discípulo de Jesus significa aderir também à sua proposta de não-violência», destaca Francisco.
A mensagem do papa para o 50º Dia Mundial da Paz de 2017 – que se celebra a 1 de janeiro – faz uma leitura holística da experiência de todos os dias e revela o fio subtil que nos «cose»: os conflitos que preenchem noticiários e telejornais são os mesmos que enchem o meu coração.
Não há violências maiores e menores, nem violências de estimação. O coração humano é o campo de batalha onde a violência e a paz se defrontam, onde nasce o conflito. Daí que o papa proponha um roteiro cordial para o superar: admitir a violência que cada um carrega no coração e buscar a cura na misericórdia de Deus, através da solidariedade «como estilo para fazer a história e construir a amizade social».
A família é o primeiro laboratório da paz. A não-violência aprende-se de pequenino em casa na forma de lidar com os conflitos e atritos através do diálogo, respeito, busca do bem do outro, misericórdia e perdão.
A paz na família gera a paz entre a família das nações!
O desarmamento começa com palavras gentis, de sorrisos, gestos mínimos de paz e amizade, o pequeno caminho do amor de Teresa de Lisieux, que conduzem ao desarmamento global.
A violência dá sempre mais violência para gáudio e ganho de uns tantos «senhores da guerra» desviando recursos tão urgentes para a grande multidão dos pobres de hoje!
O Papa apela ao desarmamento, à proibição e abolição das armas nucleares juntamente com o fim da violência doméstica e do abuso sobre mulheres e crianças, do descarte das pessoas, dos danos do meio ambiente e do vencer a todo o custo.
«A violência não é o remédio para o nosso mundo dilacerado», afirma com veemência.
António Guterres, secretário-geral designado da ONU, defendeu no discurso de juramento a reforma do sistema de manutenção de paz das Nações Unidas.
Notou que os capacetes azuis muitas vezes são chamados a manter uma paz que não existe e propôs um continuum de paz baseado na prevenção, resolução de conflitos, manutenção e construção da paz e desenvolvimento.
A «ética da fraternidade e da coexistência pacífica» não seria mais efectiva para proteger e manter a paz entre os povos? Resultou na África do Sul e é incomparavelmente mais barata que a solução militar.
22 de dezembro de 2016
COMOVER
O fundador descreveu aos pais numa longa carta o que sentiu ao visitar Belém em outubro de 1857: «Finalmente, à tardinha chegámos a Belém. Meu Deus! Mas onde quis nascer J. C.? Contudo eu quis nessa mesma tarde descer à afortunada gruta que viu nascer o Criador do mundo. Entrei, e embora o nascimento seja mais alegre que a morte, fiquei mais COMOVIDO que no Calvário ao pensar na complacência de um Deus que se humilhou até ao ponto de nascer num estábulo» (Escritos 111).
Por seu turno, o Papa Francisco anota na exortação pós-sinodal Amoris lætitia (A alegria do amor): «A encarnação do Verbo numa família humana, em Nazaré, COMOVE com a sua novidade a história do mundo» (AL 65).
A Infopédia da Porto Editora define comover como «afetar, causando uma adesão profunda». A raiz etimológica latina commovere indica mobilizar, mover ou mexer-se com.
Hoje, é comum celebrar-se o Natal do Senhor sem o Senhor do Natal. Passou-se do Natal de Jesus ao natal das coisas, da contemplação ao consumo. A estridência das cores, dos tons e dos sabores abafa o murmúrio da melodia mística da glória a Deus e paz na Terra.
Passados tantos natais, a contemplação da encarnação do Senhor ainda te comove? Ou a inércia do suceder dos dias adormeceu o coração? Os magos e os pastores moveram-se com Jesus para a gruta de Belém. Para onde te move Jesus, hoje?
A virgem do Natal, a mãe de Belém convida-nos a (re)viver o Natal com um olhar contemplativo que reordena tudo no coração: «Quanto a Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração» (Lucas 2, 19).
O mistério da Encarnação é um processo abrangente e largo, que pede um coração grande e um olhar profundo para além do momento!
«Precisamos de mergulhar no mistério do nascimento de Jesus, no sim de Maria ao anúncio do anjo, quando foi concebida a Palavra no seu seio; e ainda no sim de José, que deu o nome a Jesus e cuidou de Maria; na festa dos pastores no presépio; na adoração dos Magos; na fuga para o Egipto, em que Jesus participou no sofrimento do seu povo exilado, perseguido e humilhado; na devota espera de Zacarias e na alegria que acompanhou o nascimento de João Baptista; na promessa que Simeão e Ana viram cumprida no templo; na admiração dos doutores da lei ao escutarem a sabedoria de Jesus adolescente», escreve o papa argentino no nº 65 da Amoris lætitia.
E prossegue: «E, em seguida, penetrar nos trinta longos anos em que Jesus ganhava o pão trabalhando com suas mãos, sussurrando a oração e a tradição crente do seu povo e formando-Se na fé dos seus pais, até fazê-la frutificar no mistério do Reino. Este é o mistério do Natal e o segredo de Nazaré, cheio de perfume a família! É o mistério que tanto fascinou Francisco de Assis, Teresa do Menino Jesus e Charles de Foucauld, e do qual bebem também as famílias cristãs para renovar a sua esperança e alegria».
Comover-se com o mistério da Encarnação, celebrar o natal com emoção é isto: deixar-se mover com Jesus que nasce despojado, fora da cidade «envolto em panos e deitado numa manjedoura» para ser «uma grande alegria para o povo»: «Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor» (Lucas 2, 11).
Só um olhar humilde e contemplativo, vazio de ideias feitas e de categorias mentais e sociais calcificadas, é capaz de ver o Menino de Belém encarnar nos bebés refugiados, traficados, famintos, doentes, ameaçados pelos herodes de hoje. E são tantos…
Como ontem no Campo dos Pastores, em Belém, hoje o anjo diz: «Não temais!» (Lucas 2, 10). O medo amarra, sufoca, mata! E há tantos medos, tantas ameaças no horizonte carregado de populismo extremado de 2017.
Diz-nos o Senhor: «Celebrai dias de alegria, e cantai a sua glória» (Tobite 13, 8b).
Que assim seja no teu natal e em todos os dias do novo ano.
Boas festas!
15 de dezembro de 2016
MENSAGEM DE NATAL
Os meus olhos viram a Salvação (Lc 2, 30)
Caros irmãos em Cristo,
Recebei um abraço fraterno por ocasião da celebração do mistério da Encarnação de Nosso Senhor.
O Natal oferece-nos um tempo propício para contemplar Deus na fragilidade e na esperança de que um mundo novo é possível. Somos chamados a descobrir os sinais da presença de Deus num mundo ofuscado pela violência sem sentido que destrói a humanidade e torna incerto o futuro. Neste último ano seguimos com preocupação a situação da Síria e de alguns países nos quais estamos presentes, Sudão do Sul, República Centro-africana, República Democrática do Congo, Etiópia, Eritreia, Moçambique, México, Colômbia… A presença dos nossos confrades nestas situações é sinal de que estamos convictos de que Deus está também ali, por muito limitada que possa ser a nossa actividade missionária. O Natal é também uma oportunidade para dar vigor à nossa vida fraterna, aprendendo a olhar o outro com os olhos do Pai, caminhando como família que sabe perdoar e aceitando-nos tal como somos.
Os fenómenos migratórios atingiram proporções excepcionais por causa das guerras e das profundas desigualdades económicas. Milhões de pessoas vêem-se obrigadas a sair da segurança das suas casas em busca de uma vida digna. O nosso Instituto está a empenhar-se cada vez mais com esta realidade para ser sinal da presença de Deus que recria a vida e abre o coração à solidariedade numa sociedade cada vez mais fechada em si mesma.
O Natal é semente de esperança porque o próprio Deus se faz história para a transformar e recriar numa nova direcção. Isto compreende-se melhor da parte das vítimas, dos pobres, dos sem-terra e dos sem-tecto. O nosso fundador fez da sua vida um projecto de amor e causa comum com os últimos; toda a sua existência foi configurada pela paixão que brota do Evangelho através de uma relação íntima com o Pai. O nosso Instituto nasce desta experiência fecunda de Daniel Comboni que luta incansavelmente contra a injustiça que os mais abandonados sofrem.
Deus incarnou na fragilidade. Também nós hoje, como Instituto, nos sentimos frágeis, mas é a partir desta fraqueza que somos mais criativos e abertos à acção do Espírito. Sentimos necessidade de escutar, acolher e assumir aquilo que Jesus nos diz neste momento particular, que é também tempo de salvação. Esperamos que a celebração do Natal nos ajude a incarnar o nosso carisma dentro de cada uma das realidades em que nos encontramos para ser presença criativa e sinais do Reino.
O Conselho Geral deseja-vos um Natal de 2016 repleto de bênçãos e um 2017 rico de iniciativas que nos motivem a colaborar com o plano que Deus leva por diante através de nós.
O Conselho Geral
14 de dezembro de 2016
«UM RAMO SAIRÁ DO TRONCO DE JESSÉ, UM REBENTO BROTARÁ DE SUAS RAÍZES»
Citando passagem do profeta Isaías 11, 1, o bispo comboninao dom Odelir Magri de Chapecó presta solidariedade às famílias e aos sobreviventes da tragédia com a Chapecoense.
Irmãos e irmãs
Povo de Deus da Diocese de Chapecó
Familiares das vítimas e dos sobreviventes.
Desde que chegou até nós a notícia deste dramático acidente envolvendo os jogadores da Chape, equipe técnica, Diretoria, profissionais dos meios de comunicação (jornal, TV, rádio); especialmente em Chapecó, temos experimentado e vivido dois tipos de sentimentos. Primeiro, lembrar que no dia 28 de novembro entramos na noite em um clima de alegria, de festa e de muita expectativa com a final da Copa Sul Americana que se aproximava. Já estava entalado na nossa garganta o desejo de poder começar a gritar: É CAMPEÃO.
No dia 29, porém, acordamos ou fomos acordados com a derradeira informação de que o avião que transportava a Chape havia caído na Colômbia. E aos poucos com a confirmação da verdade e as proporções dramáticas do acontecido, um sentimento de tristeza, de perda, de dor e do luto invadiu nossas almas, nossos corações, nossos lares, nossa cidade, nossa torcida, enfim, a família chape.
Foi difícil acreditar. Mas, infelizmente era a mais pura verdade! Confirmados 71 mortos e 6 sobreviventes do trágico acidente com o avião da companhia LaMia.
De repente. Tudo mudou. E algumas perguntas não querem calar. Mas como? Por quê? Para quê? Meu Deus...
E daquele momento em diante passamos a experimentar, sentir, viver a força da solidariedade, da comunhão e da oração. Nesse sentido como não se lembrar do gesto de nossos irmãos Colombianos, representando os mais diversos gestos de compaixão e solidariedade de todos os povos, raças e credos.
E um texto da Palavra de Deus das leituras do dia do acidente, (terça feira dia 28 de novembro, 1ª semana de advento), ficou especialmente para nós de Chapecó, como uma luz, uma resposta de sentido na fé e um sinal de esperança. «Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará de suas raízes» (Is, 11,1).
A CHAPE representa essa árvore que cresceu, criou raízes, ficou grande, bela e estava no auge de sua colheita. À sua sombra de abrigava e celebrava a Família Chape. Naquela noite essa árvore foi atingida, foi decepada, foi machucada. Mas a árvore não morreu. Do seu tronco nascerá um broto (um rebento) que crescerá, dará muitos frutos e um deles será NOVAS ALEGRIAS. Esta é nossa esperança. EU ACREDITO!
Eu acredito porque o clube Chape representa hoje no Brasil uma experiência humilde e vitoriosa. É uma Equipe ou uma experiência de sucesso alicerçada numa organização e gestão séria de recursos humanos e financeiros. Representa a certeza de que em nosso país ainda existem pessoas e cidadãos do bem, que sonham e lutam por objetivos comuns. A Chape representa a possibilidade do esporte trazer alegrias a um povo sem depender do investimento de bilhões.
Nesse momento histórico que vive o nosso país, tão desacreditado e marcado por exemplos de corporativismo para o mal, com a aprovação de leis que legalizam a morte de inocentes, de corrupção vergonhosa, de falta de ética em todos os níveis e classes, especialmente entre muitos agentes políticos. Eis um pequeno e humilde exemplo a ser seguido, sem achar que tudo está perfeito.
Aos sucessores desse time de guerreiros e campeões, fica a honra, o dever moral e o compromisso de substituí-los à altura, lutando sempre juntos, até a morte se preciso for, pela VITÓRIA da Vida, do Bem comum, da competência e da honestidade.
Então será possível gritar novamente: É CAMPEÃO também ao nosso Brasil!
Portanto, juntos, hoje como família de Deus, como família Chape, sem distinção de credo, de raça ou de nacionalidade... vamos fortalecer nossa corrente de solidariedade e a fé na VIDA.
"Vamos Chape, Chape, Chape..."
Força Família Chape!
Dom Odelir José Magri
Bispo diocesano de Chapecó, SC
8 de dezembro de 2016
OLHAR IMACULADO
Um parágrafo cheio, redondo e profundo!
Vivemos sob o olhar misericordioso da Imaculada Virgem Maria que abre a procissão, o itinerário santo do amor.
O Cardeal-arcebispo John Njue de Nairobi repete que viemos de longe e vamos para longe. Eu sou mais específico: viemos de Deus e vamos para Deus. Este é o roteiro sagrado, a procissão que Maria abre e em que todos participamos.
Nessa procissão vamos sob o manto protetor de Maria, o pálio que nos protege e resguarda – a todos.
Maria abre o caminho e indica o olhar de Jesus, o «rosto radiante da misericórdia de Deus». «Fazei tudo o que Ele vos disser», repete hoje o que disse ontem aos serventes das bodas de Caná.
Algumas igrejas protestantes criticam a superlativação de Maria, produto de muitas teologias e práticas católicas e ortodoxas, transformando-a numa semidivindade, distante da nossa realidade humana.
Mas Maria é sobretudo mulher, mulher-menina, menina-mãe!
São Paulo diz que «Deus enviou seu Filho, nascido de mulher» (Gálatas 4, 4). Jesus dirige-se por duas vezes à mãe chamando-lhe simplesmente mulher em Caná (João 2, 4) e no Calvário (João 19, 26), no início e no fim da vida pública.
O evangelho da anunciação – os ortodoxos chamam à anunciação a evangelização de Nossa Senhora – apresenta Maria como uma mulher como nós. Uma mulher de Nazaré de onde para Natanael/Bartolomeu não vinha nada de bom (João 1, 46), da Galileia dos gentios, gente mestiçada com pagãos.
Esta é a primeira condição da Senhora da Anunciação: mulher-menina marginalizada e descriminada. Como tantas mulheres-meninas que passam cabisbaixas e apressadas pelos ecrãs das nossas televisões e computadores a fugir da Síria, da Eritreia, do Sudão, do Paquistão, da guerra, da violência, da pobreza, da fome, da morte.
Gabriel chamou-lhe cheia de graça, cheia do amor do amado, e Maria ficou perturbada com tal saudação. Não parecia muito virada para florilégios, não se deixava levar por palavras sumptuosas. Podem fazer bem ao ego, mas não passam disso!
O anjo explicou-lhe que Deus achou-a com graça e escolheu-a para ser a mãe de Jesus, «grande e filho do Altíssimo».
Maria-menina questiona a possibilidade de ser mãe: «Como será isso se não conheço homem?» Estava prometida, era noiva mas ainda não casara, não coabitava.
O relato da anunciação apresenta uma Maria ao nosso nível: que se espanta, perturba, questiona, duvida. Mulher que sente a solidão. O versículo 38 termina com este apontamento que a liturgia deixou de fora: «E o anjo retirou-se de junto dela». No fim da anunciação ficou só!
Esta é a menina-mulher que depois de encontrar as respostas para o espanto e para as dúvidas diz: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
Frederico Lourenço traduz: «Eis a escrava do Senhor. Aconteça-me segundo a sua palavra».
O Mestre Eckhart, místico dominicano alemão do século XIII-XIV escreve no Tratado do discernimento: «Quando o Anjo apareceu a Nossa Senhora: tudo o que ela e ele possam ter conversado, nunca a teria transformado em mãe de Deus; mas assim que ela renunciou à sua vontade, ela tornou-se logo numa verdadeira mãe da palavra eterna e concebeu Deus nesse momento que se tornou no deu filho por natureza».
Maria ao abrir a procissão, aponta para o roteiro sagrado do eu para o tu, o recentramento redentor. Este ícone mariano é muito actual e desafiante para os dias de hoje, marcados pela cultura do selfie, do auto-retrato no centro de tudo, do individualismo globalizado e paralisante.
Esta é Senhora da Conceição que hoje celebramos!
O dogma católico proclama desde 1854 que Maria foi concebida sem pecado original. Um dogma recente mas uma verdade de fé que vem do Concílio de Basileia em 1439.
Para nós portugueses tem um significado especial: Nossa Senhora da Conceição é padroeira e rainha de Portugal desde 1646 quando Dom João IV a coroou no Solar de Vila Viçosa! Desde então os nossos réis e rainhas deixaram de usar a coroa real.
Celebrar a Imaculada Conceição é reconhecer que como Maria somos gratificados por Deus – todos somos cheios de graça, todos somos beneficiários da sua misericórdia.
Mas, como nota o mestre Eckhart, não podemos ficar pela conversa fiada! Na procissão da fé, temos que sair da zona de conforto do eu, recentrar-nos no Tu, deixar-nos encher e preencher por Deus, deixar-nos «cobrir pela força do Altíssimo» para sermos geradores de Jesus-Palavra hoje, «um hino de louvar da sua glória» (Efésios 1, 12).
E esta a graça que peço à Imaculada Conceição para cada um de nós hoje na sua festa.
Ámen.
7 de dezembro de 2016
NÓMADA(S)
Carlos de Foucauld viveu Deus com os nómadas do Sara.
A 1 de Dezembro faz 100 anos que Carlos de Foucauld, o Irmãozinho Carlos de Jesus, foi assassinado em Tamanrasset, no Sul do Sara argelino, ao que parece num momento de pânico de um dos bandidos que o sequestraram.
Carlos nasce em 1858 no seio de uma família aristocrata e muito cristã em Estrasburgo, Leste de França. Órfão de pai e mãe aos seis anos, é criado pelo avô materno, que também perde mais tarde.
Abandona a fé e vive uma vida dissoluta de boémio rico. Em 1876, entra no exército e vai para a Argélia. Entre 1883 e 1884, explora os desertos de Marrocos e da Argélia por conta própria, disfarçado de rabi pobre: percorre 3000 quilómetros em onze meses. Os muçulmanos e judeus impressionam-no com o acolhimento e a prática da fé, reavivando o fogo de Deus no seu coração.
Regressa a França e torna-se explorador de Deus. É monge trapista entre 1890 e 1897 na França e na Síria. Depois muda-se para a Terra Santa: as Clarissas empregaram-no como sacristão e hortelão. «Fixei-me em Nazaré. Abracei aqui a existência humilde e obscura de Deus, operário de Nazaré», explica.
Em 1900, regressa a França para ser ordenado. «Acabo de ser ordenado sacerdote e ando a fazer tudo para ir continuar no Sara “a vida escondida de Jesus em Nazaré”, não para pregar, mas para viver na solidão, a pobreza, o humilde trabalho de Jesus, empenhando-me a fazer o bem às almas não pela palavra, mas pela oração, pela oferta do Santo Sacrifício, pela penitência e pela prática da caridade», explica numa carta.
Em 1901, volta à Argélia e fixa-se em Beni Abbès, perto da fronteira com Marrocos. Cumpre um sonho: «Quero habituar todos os habitantes – cristãos, muçulmanos, judeus, idólatras – a verem em mim um irmão, o irmão universal. Começaram a chamar a esta casa “fraternidade”, e isso é para mim um louvor», explica. A fraternidade torna-se um oásis de amor para escravos, pobres, soldados, doentes, viajantes.
Em 1904, a busca pessoal leva-o a Tamanrasset, no coração do Sara argelino, para viver entre os Tuaregues dos montes Hoggar. Estuda a língua, escreve um dicionário, publica uma recolha de milhares de poemas, traduz os Evangelhos. Vai para o Hoggar sobretudo «para levar o evangelho aos mais abandonados, não pregando, mas vivendo-o».
O Irmãozinho Carlos, o nómada de Deus, encontra-o entre os Tuaregues, os nómadas do deserto. «O meu ermitério está num cume de onde se avista praticamente todo o Hoggar e está no meio de montanhas agrestes. O horizonte, que parece não ter fim, faz pensar na infinidade de Deus», descreve.
Passa o dia a servir as pessoas – «Presto serviços naquilo que posso, esforço-me por mostrar que os amo» – mas anseia pela noite: «Logo que o Sol se põe, há um grande silêncio que é tão gostoso.»
Os Tuaregues acolhem-no como um marabu, um homem de Deus. Moussa, o chefe tuaregue seu amigo, recorda-o como um pobre no meio deles. «O meu apostolado deve ser o da bondade», anota no diário em 1909.
O Irmãozinho Carlos de Jesus, o irmão universal, morreu só e sem seguidores. Bento XVI beatificou-o a 13 de Novembro de 2005. Hoje, uma vintena de famílias espirituais inspiram-se no seu estilo de seguimento escondido de Jesus em Nazaré no trabalho humilde e na contemplação.
6 de dezembro de 2016
MENSAGEM DOS COMBONIANOS DA AMÉRICA E DA ÁSIA ÀS JUVENTUDES
No final do encontro dos superiores novos e atuais das circunscrições combonianas da América e Ásia, que se realizou de 22 a 26 de Novembro, em São Paulo, no Brasil, os 13 missionários escreveram uma mensagem dirigida aos jovens dos dois continentes.
Escrevemos a vocês, jovens.
Vocês têm sede de vida plena e de valores autênticos. Seu desejo nos interpela, nos desafia a partilhar convosco as razões de nossa esperança.
Acreditamos em sua força e vitalidade para cuidarmos juntos desse mundo, conforme o projeto de amor de Deus.
Escrevemos desde as periferias do continente americano e da Ásia. As fronteiras são nossa casa.
Como missionários, tentamos assumir o desafio de Papa Francisco: uma Igreja em saída, que caminha junto aos pobres e aos que não conhecem a alegria do Evangelho.
Uma vida doada a Jesus e a seu povo é uma vida bela. Nas fronteiras do sofrimento humano, experimentamos o «gosto espiritual de estarmos próximos à vida das pessoas» (EG 268). Queremos ser testemunhas e profetas de relações fraternas, fundadas no perdão e na misericórdia.
Estamos inquietos e preocupados pela situação de nossos continentes.
O resultado das eleições nos Estados Unidos reforça, mundo afora, uma onda de intolerância e racismo. Representa a falência da política e da democracia por causa do medo e da hegemonia do poder financeiro. Essa economia saqueia os bens comuns, devasta, corrompe e mata.
Nas zonas onde trabalhamos está aumentando a violência, no campo e nas periferias urbanas. Em América Central e México as 'pandillas' e o tráfico ceifam a vida das juventudes. Os defensores de direitos humanos, dos povos indígenas e da mãe terra são executados para calar a boca aos movimentos sociais e à Igreja, quando se manifesta com profecia. Em Colômbia, apesar do esforço desmedido para promovermos uma cultura de reconciliação, nos surpreendeu o resultado de um referendum que mais uma vez pode adiar os acordos de paz.
Em Ásia, sentimo-nos pequenos frente aos desafios de um imenso continente e à complexidade do diálogo entre as culturas e as religiões. Porém, é esse o caminho para promover o encontro e descobrir Deus vivo na humanidade.
É no coração dessa história que os cristãos se envolvem como comunidade, acompanham, frutificam e festejam! Sem medo, ousando tomar a iniciativa.
Aprendemos muito ao lado das juventudes, trabalhando juntos na solidariedade às vítimas do terremoto no Equador, ou enfrentando a violência nas paróquias de periferia de Lima, em Peru. Rezamos convosco e descobrimos o rosto de Deus em nossas casas de formação. Admiramos sua determinação no Brasil, onde estão ocupando mais de mil escolas em protesto não-violento contra as medidas antipopulares do governo.
Vos pedimos desculpa se não estamos sempre à altura de sua coragem. Queremos abrir mais nossas casas ao encontro convosco, porque vocês renovam nossa paixão missionária.
Caminhemos juntos! Nos ajudem a sonhar e promover a justiça e a paz, a cuidar da mãe terra assim como nosso Pai cuidou de nós até aqui.
Padre Ezequiel Ramin, jovem missionário comboniano que doou a vida junto aos indígenas e às famílias sem terra no Brasil, nos inspire e provoque sempre. Ele nos disse: «Tenham um sonho. Sigam somente um sonho. Uma vida que tem um sonho se renova dia após dia».
Escrevemos a vocês, jovens.
Vocês têm sede de vida plena e de valores autênticos. Seu desejo nos interpela, nos desafia a partilhar convosco as razões de nossa esperança.
Acreditamos em sua força e vitalidade para cuidarmos juntos desse mundo, conforme o projeto de amor de Deus.
Escrevemos desde as periferias do continente americano e da Ásia. As fronteiras são nossa casa.
Como missionários, tentamos assumir o desafio de Papa Francisco: uma Igreja em saída, que caminha junto aos pobres e aos que não conhecem a alegria do Evangelho.
Uma vida doada a Jesus e a seu povo é uma vida bela. Nas fronteiras do sofrimento humano, experimentamos o «gosto espiritual de estarmos próximos à vida das pessoas» (EG 268). Queremos ser testemunhas e profetas de relações fraternas, fundadas no perdão e na misericórdia.
Estamos inquietos e preocupados pela situação de nossos continentes.
O resultado das eleições nos Estados Unidos reforça, mundo afora, uma onda de intolerância e racismo. Representa a falência da política e da democracia por causa do medo e da hegemonia do poder financeiro. Essa economia saqueia os bens comuns, devasta, corrompe e mata.
Nas zonas onde trabalhamos está aumentando a violência, no campo e nas periferias urbanas. Em América Central e México as 'pandillas' e o tráfico ceifam a vida das juventudes. Os defensores de direitos humanos, dos povos indígenas e da mãe terra são executados para calar a boca aos movimentos sociais e à Igreja, quando se manifesta com profecia. Em Colômbia, apesar do esforço desmedido para promovermos uma cultura de reconciliação, nos surpreendeu o resultado de um referendum que mais uma vez pode adiar os acordos de paz.
Em Ásia, sentimo-nos pequenos frente aos desafios de um imenso continente e à complexidade do diálogo entre as culturas e as religiões. Porém, é esse o caminho para promover o encontro e descobrir Deus vivo na humanidade.
É no coração dessa história que os cristãos se envolvem como comunidade, acompanham, frutificam e festejam! Sem medo, ousando tomar a iniciativa.
Aprendemos muito ao lado das juventudes, trabalhando juntos na solidariedade às vítimas do terremoto no Equador, ou enfrentando a violência nas paróquias de periferia de Lima, em Peru. Rezamos convosco e descobrimos o rosto de Deus em nossas casas de formação. Admiramos sua determinação no Brasil, onde estão ocupando mais de mil escolas em protesto não-violento contra as medidas antipopulares do governo.
Vos pedimos desculpa se não estamos sempre à altura de sua coragem. Queremos abrir mais nossas casas ao encontro convosco, porque vocês renovam nossa paixão missionária.
Caminhemos juntos! Nos ajudem a sonhar e promover a justiça e a paz, a cuidar da mãe terra assim como nosso Pai cuidou de nós até aqui.
Padre Ezequiel Ramin, jovem missionário comboniano que doou a vida junto aos indígenas e às famílias sem terra no Brasil, nos inspire e provoque sempre. Ele nos disse: «Tenham um sonho. Sigam somente um sonho. Uma vida que tem um sonho se renova dia após dia».
São Paulo, Brasil – 25 de novembro de 2016
Os missionários combonianos de América e Ásia