31 de março de 2007

Shukran, Gina

Gina despede-se das amiguitas © JVieira

Gina tem 30 anos e vive em Cartum. É amiga da directora da Rádio Bakhita. Aliás, consideram-se irmãs. Trabalharam juntas no Departamento de Comunicação Social da Arquidiocese de Cartum.
Formada em informática, estava desempregada há alguns meses. Por isso, decidiu vir para Juba para trabalhar dois meses como voluntária na Rádio Bakhita.
A morte inesperada do tio levou-a a regressar a casa uma semana antes do previsto e a deixar suspensos alguns projectos.
Gina dedicou-se incondicionalmente durante os dois meses que trabalhou para Bakhita 91 FM. Iniciou três programas: As Nossas Raízes - sobre provérbios e cultura africana, Pão Quotidiano – reflexões para uma vida melhor a partir de textos de Anthony de Mello, e Mulheres na Bíblia.

Gina é ponto de encontro de mundos diferentes: nas suas veias corre sangue arménio, do Darfur e da Etiópia.
Foi presa meia dúzia de vezes em Cartum por recusar a seguir as regras de traje islâmicas. «Sou cristã e não me podem obrigar a vestir como uma muçulmana», explica.
Gina, shukran! Obrigado pelo trabalho que fizeste e sobretudo pela alegria e vivacidade que trouxeste à Rádio Bakhita.
Rezamos para que o tio se encontre no regaço de Deus e por ti e pela tua família.

30 de março de 2007

Penumbra

Luar © JVieira

Juba está a meia-luz desde sábado. Os técnicos estavam a efectuar uma reparação eléctrica, trocaram os fios e zás: queimaram o transformador de terra, inutilizando a central eléctrica inaugurada a 9 de Janeiro.
Enquanto o novo transformador não chegar, a cidade de Juba é (mal) fornecida pela antiga central, explicou Ajoyi Magot Chol da Southern Sudan Electricity Corporation.
O engenheiro informou que lugares sensíveis como o Hospital Escolar de Juba (com mais de 500 camas), a estação elevatória da água e os ministérios estão a receber electricidade normalmente. O resto da cidade tem que ter paciência porque a luz gerada não chega para as encomendas.
Entretanto, o Director-Geral de Southern Sudan Electricity Corporation, Engenheiro Samuel Taban Yoze, assegurou que um técnico já se encontra a caminho de Juba para prover uma solução temporária até a peça chegar e que fornecimento de electricidade será normalizado no sábado.
O Engenheiro Taban atribuiu a culpa da falha técnica ao boicote dos empreiteiros estrangeiros e garante que os funcionários da corporação sabiam resolver o problema, mas não o fizeram para respeitar a garantia da obra.
A Southern Sudan Electricity Corporation é uma instituição interessante. Quando os combonianos requisitaram a ligação das suas instalações à rede pública, apresentaram uma factura de cerca de 2500 euros de pagamentos em atraso. Parece que os antigos inquilinos da Comboni House não pagavam a luz. Pedimos uma factura detalhada para verificarmos como calcularam a dívida. Informaram-nos que nesse caso tinham que vir ler o nosso velho contador!
Entretanto, uma empresa indiana continua atarefada a renovar a rede eléctrica da cidade substituindo postes e linhas.
O Governo do Sul do Sudão, por seu turno, está a planear algumas barragens no Nilo Branco para reforçar o fornecimento de electricidade.

O regresso

Quase 9000 deslocados internos regressaram ao Sul do Sudão desde Janeiro, informou a UNMIS, a Missão das Nações Unidas no Sudão.
O repatriamento de deslocados internos faz parte do Acordo Global de Paz (CPA na sigla em inglês), assinado em 9 de Janeiro de 2005 entre o Governo do Sul do Sudão e o SPLA, o Exército de Libertação do Povo Sudanês. É um exercício conjunto das Nações Unidas e dos governos do Sudão e do Sul do Sudão.
A UNMIS comunicou que, desde Janeiro, 8944 deslocados internos regressaram aos estados de Bahr el Ghazal Norte, Warrab, Blue Nile e Jonglei, todos no Norte do Sudão meridional.
Os novos retornados juntam-se a cerca de 850 mil deslocados internos e 102 mil refugiados que regressaram a casa e iniciaram a reintegração nas antigas comunidades desde 2005, altura em que a Segunda Guerra Civil do Sudão terminou. O conflito rebentou em 1984.

26 de março de 2007

Bodas de Ouro

Ir. Augusto Lopeta © Cecilia Sierra


Os Irmãos de São Martinho de Porres, uma congregação de Juba, celebraram ontem 50 anos. Os primeiros cinco elementos fizeram a profissão religiosa a 19 de Março de 1957, em Kit.
A estrela das bodas de ouro foi o irmão Augusto Lopeta, o único sobrevivente do primeiro grupo de irmãos.
O irmão Augusto tem mais de 80 anos, mas é senhor de uma vitalidade surpreendente. Pertence à etnia Toposa. Durante a missa em que renovou a sua consagração, além do hábito – batina branca e faixa azul – tinha na cabeça um chapéu decorado com penas de avestruz e empenhava um penacho, insígnias dos chefes da sua tribo. E tocava um pequeno corno de veado para marcar o ritmo dos cânticos. No fim da cerimónia, vestiu também a pele de leopardo.
Os Irmãos de São Martinho de Porres foram fundados em Kit, Juba pelo bispo Sisto Mazzoldi, missionário comboniano, em 1953.
Hoje são cerca de 50 e dedicam-se ao ensino, pastoral, e actividades sociais e técnicas. Estão presentes no Sudão e em Uganda.

24 de março de 2007

Nim

© JVieira
Juba é uma cidade verde, apesar do sol equatorial que a recoze. E o nim é a árvore que mais contribui para o ambiente aprazível da capital do Sul do Sudão. A mangueira, o tamarindo e outras árvores de fruto também são comuns, mas em pequenas quantidades e em locais privados.
O nim – Azadirachta indica – é uma planta originária da Índia e pertence à família do mogno. Cresce rapidamente e atinge entre dez e 15 metros de altura e o tronco pode ter mais de um metro de diâmetro. Resiste ao calor e à seca, dá-se em climas semi-áridos e adapta-se com facilidade a qualquer tipo de solo. Uma vez que ganha raízes não precisa de ser regada.
As folhas são perenes embora muitas caiam durante a canícula e alguns exemplares fiquem meio despidos. As flores, em cachos brancos, cheiram bem e fazem as delícias das abelhas. Os frutos têm o tamanho de uma azeitona. São cobertos por uma substância gelatinosa e têm uma fina pele verde-clara.
O nim é uma árvore resistente à seca que cresce facilmente em ambientes inóspitos. É muito útil pela sombra que a sua copa frondosa oferece e sobretudo pelas propriedades naturais. Os seus componentes químicos – sobretudo dos frutos – são usados como repelentes e pesticidas naturais, no controlo de pragas, em cosmética e na produção de medicamentos.
Na Índia, os galhos são usados para limpar os dentes e os rebentos cozinhados.
O tronco, duro e avermelhado, é usado para a produção de mobiliário e na construção de casas e de vedações porque resiste às térmitas.
O nim foi vítima de um atentado de bio-pirataria. A árvore não despertou muito interesse até que companhias químicas europeias e norte-americanas descobriram que os indianos a usavam para o controlo de pragas. Além de iniciarem o seu cultivo intensivo para produção de pesticidas naturais, patentearam os produtos e as respectivas técnicas de produção. O governo indiano protestou contra a patenteação de práticas nativas com mais de 2000 anos e ganhou o caso.

Ah! Além de guarnecer de verde e de sombra as ruas poeirentas e sujas de Juba, o nim também serve para parar viaturas desgovernadas.

23 de março de 2007

Anti-corrupção

O Governo do Sul do Sudão iniciou uma operação de limpeza interna contra a corrupção. O ministro das Finanças e o líder da orientação política e moral do SPLA estão sob prisão domiciliária desde o início da semana.
O ministro Arthur Akuen Chol está a ser investigado por supostas irregularidades na compra de veículos para o Governo. O seu ministério está em confusão total e o ministro tentou desviar a culpa pondo na rua os secretários de Estado. Estes por seu turno meteram um processo contra o ministro por difamação.
O Major-General Isaac Mamur é acusado de ter usado fundos do exército sem autorização, ter enviado uma centena de homens do seu exército privado para treino no Uganda, ter mais de oito seguranças pessoais e de estar envolvido na importação e venda ilegal de viaturas do Quénia.
A prisão do Comandante Mamur, o meu vizinho, trouxe alguma calma ao bairro de Amarat. Os seus soldados foram expulsos do quartel provisório atrás da nossa cozinha e o local encontra-se fortemente vigiado pela polícia militar.
As noites agora estão mais sossegadas! E também mais frescas porque choveu.

22 de março de 2007

Sudão

© JVieira


As primeiras fotos do Sul do Sudão já estão no «Foto-blogalerias» - JVieira.
Três albuns: Rádio Bakhita (claro está), Madi (festa de Natal da comunidade Madi em Juba) e Rostos (colecção de retratos).
Um obrigado ao meu compadre que além de alojar a minha gelria, tem a paciência de seleccionar e introduzir as fotos.

Organizações humanitárias

Em Fevereiro, havia 245 organizações humanitárias registadas a operar no Sul do Sudão: agências da ONU, organizações nacionais não governamentais, organizações internacionais não governamentais, organizações de base comunitária, organizações internacionais, organizações religiosas, Cruz Vermelha/Crescente Vermelho e outras.
Cobrem todo o tipo de áreas: educação, saúde, infância, crianças-soldados, terceira idade, desminagem, alimentação, gripe das aves, veterinária, meio ambiente, segurança, paz e reconciliação…
Em geral empregam gente muito jovem, entusiasta e generosa, mas com pouca experiência profissional; e pessoas de idade que fazem da ajuda ou cooperação internacional um modo de (bem) ganhar a vida e extremamente (pre)ocupadas com o progresso na carreira.
Ajudam as populações desfavorecidas, preparam alguns quadros, recuperam infra-estruturas, fornecem consultadoria. Ganham muito bem e em dólares. Também pagam bem, inflacionam a economia local e criam um mercado artificial.
Tendem a viver apartados da realidade social local. São altamente móveis, usam meios de comunicação sofisticados e quando «cheiram» algum problema, são os primeiros a partir para lugar seguro.
Um colega chama-lhes os maus samaritanos.

19 de março de 2007

Última hora

Grace and Patrick © JVieira


Rádio Bakhita continua as suas emissões diárias das 17h00 às 21h00. A equipa de apresentadores, jornalistas e produtores regista melhorias diárias. Os programas estão mais ágeis e as vozes mais confiantes.
O calor e o pó estão a fazer mossa no gerador que alimenta a estação. Estamos a tentar ligar os estúdios à rede pública. Mas é uma operação que requer muito dinheiro – dois postes de ferro usados custaram 350 euros – e doses massiças de paciência. O amanhã dos serviços de electricidade demora a chegar.
Entretanto, o gerador que alimenta o transmissor foi vandalizado por desconhecidos. Os estragos foram poucos e a emissão diária não foi afectada. Mas é um gesto que nos deixa perplexos até porque não se entende facilmente o seu significado.

16 de março de 2007

Inferno

O prazo de validade de José Impaciente da Silva expirou e o finado foi para o lado de lá da eternidade.
Chegou à porta do céu e bateu.
O anjo porteiro pediu-lhe os papéis:
- Tenho que iniciar o processo de avaliação! – explicou.
- E isso demora muito?
- Vai demorar um bocado. Tenho que analisar 85 anos de arquivos.
José Impaciente da Silva achou que não tinha tempo para esperar e decidiu apanhar o elevador para o Purgatório.
- Lá não serão tão rigorosos na triagem! Sempre é um lugar de passagem…
Chegado ao Purgatório bateu à porta.
O anjo recepcionista abre o postigo e pede os papéis.
- É para abrir o processo! - explicou.
- E isso demora muito?
- Um bocado. Tenho que analisar os arquivos de 85 anos.
José Impaciente da Silva perdeu a pachorra e decidiu tentar a sorte no Inferno.
Entrou no elevador e desceu para a cave do além.
Estranho, a porta está entreaberta e parece não ter anjo de guarda – pensou José Impaciente da Silva.
Com o pé empurrou a porta com cuidado e ficou espantado com o que viu: o Inferno não era um lugar escuro, esconso, esmagador como o pintavam. Era um lugar limpo, com flores, arejado.
Capeta aparece de repente e fitando o intruso, lança-lhe um olhar de fogo:
- Que está aqui a fazer? Quem lhe deu autorização para entrar?
- Vim ver como era o Inferno e estou admirado com a ordem, a limpeza, a decoração…
Capeta suspirou:
- Eh! O Inferno já não é o que era desde que chegaram as freiras…

15 de março de 2007

Salva Kiir em tela

Salva Kiir com Talbot Rice e o embaixador do Reino Unido no Sudão © JVieira

O retrato oficial do General Salva Kiir, primeiro vice-presidente do Sudão e presidente do governo do Sul do Sudão, foi ontem apresentado ao público durante a sessão do Conselho de Ministros.
O óleo sobre tela é de Alexander Talbot Rice, artista britânico de renome que, entre outras personalidades, imortalizou a Rainha de Inglaterra e o Príncipe consorte. O autor ofereceu a obra ao Sul do Sudão.
Luka Biong, ministro dos Assuntos Presidenciais, declarou que o retrato de Salva Kiir «é um meio muito artístico de simbolizar a liderança.»
O embaixador do Reino Unido em Cartum afirmou que o autor captou com precisão «a combinação de coragem, fortaleza e a sabedoria calma» que observou no presidente Kiir.
O Dr. Riek Machar, vice-presidente do governo do Sul do Sudão, disse que o quadro tem semelhanças com a Monalisa. «Estava do lado direito e o presidente olhava para mim. Mudei-me para o lado esquerdo e Salva Kiir continuava a olhar para mim.»
Eh! Big Brother is watching you, sir!

13 de março de 2007

Educação

© JVieira

A educação é um dos grandes desafios que o Governo do Sul do Sudão enfrenta. Vinte e um anos de guerra civil destruíram a rede escolar e paralisaram o sistema de ensino. As escolas estão em muito mau estado e os centros de formação de professores não funcionam. O ensino é assegurado por gente com a oitava classe e muitas vezes nm são pagos a tempo. Não admira portanto que num panorama destes 85 por cento da população seja analfabeta e só um quarto das crianças em idade escolar vá às aulas.
Entretanto, este ano o Governo está a implementar um novo currículo escolar. O programa árabe de Cartum dá lugar ao curso em inglês no Sul apesar de os professores dominarem com dificuldade a língua de Shakespeare.
A situação entre as fileiras do SPLA nã é melhor. O Major General Kuol Deim Kuol revelou que nove em cada dez soldados não sabem ler nem escrever. A tropa é recrutada nas zonas rurais onde as escolas não funcionam.
Em 2006, o SPLA reservou 250 mil euros para a educação de 70 mil soldados. Qualquer coisa como € 3,50 por cabeça. Com um orçamento destes não há curso de alfabetização que aguente.

12 de março de 2007

Ovos

© JVieira

O ovo cozido é um petisco que os habitantes de Juba não dispensam por nada. É um acepipe caro: um ovo cozido custa 50 dinares ou 50 piastras – na moeda velha ou na nova: qualquer coisa como 20 cêntimos.
Os ovos são caros, porque são importados do Uganda – como a maioria das coisas que se consome na cidade desde as batatas, tomates, galinha, peixe… à água engarrafada, refrigerantes, cerveja e uma série de bebidas «brancas» de proveniência duvidosa da marca Royal (vodka, whisky, gin).
Os ovos cozidos são vendidos por miúdos – e às vezes por miúdas – que calcorreiam as ruas da cidade com uma cartão na mão e uma saquita com sal ou montam banca em pontos estratégicos junto a hospitais, escritórios, paragens de transportes… Uma maneira de ganhar umas moedas e melhorar o orçamento caseiro.
O ovo cozido é muito apreciado, porque é considerado um alimento limpo e energético e de fácil utilização: é cozinhado dentro da própria embalagem e depois de descascado, basta juntar-lhe uma pitada de sal refinado. Apesar de em Juba já se terem registado alguns casos de gripe aviaria e o comércio de aves vivas ter sido interditado. Mas é preciso fazer pela vida que a morte é certa e tanto os ovos como a galinha são alimentos comuns na cidade. E os seus habitantes criam patos, galinholas e galinhas.

10 de março de 2007

Mulher

Sou mulher
Toda a vida fiquei triste
Por ser mulher
Pensava que os homens
eram muito mais felizes,
As mulheres
são seres subestimados
Numa sociedade
Terrivelmente machista.

Por isso tornei-me guerreira,
Inconformada,
revoltada,
Não há homem
Que ponha um pé
á frente do meu,
Eu estarei sempre
na linha da frente
A lutar com as mesmas armas,
A mostrar aos homens
e ao mundo
Que podemos tanto quanto eles,
Que o mundo precisa
De acção, movimento
De corações de mulheres
Que amem,
Que sejam frágeis
Ou guerreiras
mas que lutem sempre!


DairHilail no Loucuras

9 de março de 2007

LRA

CHISSANO QUER SALVAR PAZ

Joaquim Chissano chefia uma delegação que se vai encontrar este fim-de-semana com Joseph Kony, o líder do LRA, o Exército de Resistência do Senhor, algures na fronteira entre o Sudão e a RD Congo.
A delegação pretende relançar as conversações de paz entre o governo ugandês e o LRA, suspensas em Dezembro passado.
O ex-presidente moçambicano, enviado especial da ONU, o vice-presidente do Gorverno do Sul do Sudão, Dr. Riak Machar, representantes dos governos do Uganda e do Quénia e membros da organização Africa Peace Point e outras individualidades vão tentar reatar o diálogo entre Joseph Kony e o Governo de Campala e estabelecer o lugar para o encontro.
Em princípio, Juba voltará a receber as delegações do LRA e das autoridades ugandesas. A mediação será assegurada por Joaquim Chissano em vez de Riak Machar e do Governo do Sul do Sudão.
Delegações do governo ugandês e dos rebeldes Acholis estiveram sentadas à mesa das negociações em Juba até Dezembro passado.
Riak Machar, vice-presidente do Governo do Sul do Sudão, e o arcebispo de Gulu, no Norte do Uganda, foram alguns dos mediadores do diálogo entre o Governo do Uganda e o LRA.
Depois do intervalo do Natal, os rebeldes recusaram-se a voltar a Juba por alegadas questões de segurança.
Omar Al Bashir, o presidente do Sudão, tinha ameaçado expulsar pela força os guerrilheiros acholis do sul do país onde têm algumas bases.
O LRA combate há duas décadas no norte do Uganda contra o regime de Campala.
Milhares de pessoas foram vítimas dos ataques dos rebeldes acholis que sistematicamente raptam crianças para combaterem nas suas fileiras ou para servirem de escravas sexuais dos seus líderes e destroem aldeias.
O Governo do Sul do Sudão tem um interresse importante no sucesso das conversações. As suas linhas de abastecimento passam pelo território de guerra do LRA.
O Exército de Resistência do Senhor é uma das causas da insegurança que se regista na região.

Dia da Mulher


© JVieira

Juba também celebrou o Dia Mundial da Mulher. A festa decorreu no estádio e juntou uma multidão considerável que aguentou com paciência sob o sol escaldante o já crónico atraso dos políticos. O evento estava marcado para as 9h00 mas os dignitários chegaram depois do meio-dia.
O Vice-Presidente do Sul do Sudão, Dr. Riak Machar, foi o convidado de honra das mulheres de Juba. Estavam presentes a ministra do Género, o ministro dos Assuntos Parlamentares e o representante do Governador de Central Equatoria.
«Acabar com a impunidade da violência contra as mulheres; violência é um crime e se tu violas uma mulher violas a sociedade» foi a frase de ordem da festa de Juba.
Um grupo de mulheres desfilou até ao estádio com camisolas 25% em apoio à política do governo que reserva um quarto dos assentos parlamentares para deputadas.
As forças militares e policiais femininas marcharam com garbo sobre a relva do estádio.
O representante do Governador do Estado de Central Equatoria propôs uma redução do horário de trabalho das mulheres das 8h00 às 14h00 ou, no máximo, até às 15h00.
Durante o seu discurso, o representante do governo estadual desancou forte e feio na Rádio Miraya pelos alertas constantes sobre o surto de cólera em Yei e Juba.
O governante denunciou que os alertas são parte de um plano para parar o regresso dos deslocados ao Sul depois de 21 anos de guerra.
A cólera é uma ameaça real e não uma mera questão política ou um boato para interferir com o repatriamento dos sulistas e manter baixos os números do recenseamento que se avizinha. Juba regista uma média de 30 novos casos por dia só no campo dos Médicos Sem Fronteiras.
A rádio Miraya foi montada pela ONU para preparar o referendo de 2011. Nesse ano os sulistas vão escolher entre a autodeterminação e a unidade do Sudão.
O Vice-presidente encerrou a celebração com um discurso em árabe e inglês. Saudou as mulheres pelo contributo que deram na luta pela libertação como mães, como viúvas e como mártires.
«Levantai-vos e lutai contra a ignorância e a pobreza; lutai pelos vossos direitos», exclamou o Dr. Machar. O Sul do Sudão tem uma taxa muito alta de analfabetismo. Mais de 87 por cento da população feminina nunca frequentou a escola.

8 de março de 2007

Cólera

Tratamento de lixo no Mercado de Custom - Juba © JVieira


Juba está outra vez sob a ameaça da cólera. Os Médicos Sem Fronteiras estão a receber em média 30 novos casos por dia no posto de emergência que montaram para apoiar as vítimas da epidemia no princípio do mês. Até ontem tinham registado uma vítima mortal.
Bakhita Radio está a difundir um alerta preparado pelos Médicos Sem Fronteira e pelo Ministério de Saúde do Governo de Central Equatoria com alguns conselhos de higiene e as medidas necessárias para combater a epidemia.
Os surtos de cólera são comuns na capital do Sul do Sudão. Juba não tem sistema de recolha e de tratamento de lixos urbanos nem distribuição de água potável.

O problema do lixo de Juba já foi a conselho de ministros. O Governo do Sul do Sudão preconiza a privatização dos serviços de limpeza para resolver a crise sanitária em que a cidade está mergulhada há mais de duas décadas.
A população de Juba está a aumentar de dia para dia e o lixo abandonado nos mercados, junto aos restaurantes e nas zonas residenciais é cada vez maior. A queima é uma das práticas a que os cidadãos recorrem para «tratar» o lixo.
Teme-se que com a chegada das chuvas dentro de um mês a situação venha a piorar substancialmnte.

7 de março de 2007

«Os Lusíadas»

A professora pergunta ao aluno:
- Diz-me lá quem escreveu «Os Lusíadas»?
O aluno, a gaguejar, responde:
- Não sei, Sra. Professora, mas eu não fui.
E começa a chorar.
A professora, furiosa, diz-lhe:
- Pois então, de tarde, quero falar com o teu pai.
Em conversa com o pai, a professora faz-lhe queixa:
- Não percebo o seu filho. Perguntei-lhe quem escreveu «Os Lusíadas» e ele respondeu-me que não sabia, que não foi ele...
Diz o pai:
- Bem, ele não costuma ser mentiroso, se diz que não foi ele, é porque não foi. Já se fosse o irmão...
Irritada com tanta ignorância, a professora resolve ir para casa e, na passagem pelo posto local da GNR, diz-lhe o comandante:
- Parece que o dia não lhe correu muito bem...
- Pois não, imagine que perguntei a um aluno quem escreveu «Os Lusíadas» respondeu-me que não sabia, que não foi ele, e começou a chorar.
O comandante do posto:
- Não se preocupe. Chamamos cá o miúdo, damos-lhe um aperto, vai ver que ele confessa tudo!
Com os cabelos em pé, a professora chega a casa e encontra o marido sentado no sofá, a ler o jornal. Pergunta-lhe este:
- Então o dia correu bem?
- Ora, deixa-me cá ver. Hoje perguntei a um aluno quem escreveu «Os Lusíadas». Começou a gaguejar, que não sabia, que não tinha sido ele, e pôs-se a chorar. O pai diz-me que ele não costuma ser mentiroso. O comandante da GNR quer chamá-lo e obrigá-lo a confessar. Que hei-de fazer a isto?
O marido, confortando-a:
- Olha, esquece. Janta, dorme e amanhã tudo se resolve. Vais ver que se calhar foste tu e já não te lembras...!

Obrigado, Zezita!

6 de março de 2007

The Juba Post


The Juba Post já tem edição electrónica e pode ser folheado em www.thejubapost.com. Além da edição semanal, o sítio tem uma secção de oferta de emprego e de informações variadas.
O semanário independente é publicado em Juba e sai às quintas-feiras. Foi fundado em 2004 por jornalistas que se recusaram a trabalhar sob sensores.
O primeiro número saiu a 9 de Janeiro de 2005, dia em que foi assinado o Tratado Global de Paz entre Cartum e os rebeldes do SPLA.
The Juba Post é publicado em inglês. Tem a redacção em Juba e uma delegação em Cartum, onde é impresso.
O semanário de Juba pretende facilitar o desenvolvimento da sociedade civil, monitorizar a governação, promover a justiça e encorajar o diálogo Sul-Sul em questões de paz e reconciliação.
A partir de Abril vai ter uma escola de jornalismo.
O semanário é apoiado pela Noruegian Church Aid (Ajuda da Igreja da Noruega).

5 de março de 2007

A ponte

Desde que parte do tabuleiro que dá acesso a Juba ruiu sob o peso de um camião de cimento em Dezembro, atravessar o Nilo Branco tornou-se mais complicado. A circulação faz-se só por uma via para quem entra e para quem sai da cidade. A ponte não é muito comprida e apesar de intenso, o tráfico parece fácil de gerir. Excepto quando as autoridades entram em conflito!
O movimento de viaturas é controlado pela polícia de trânsito, mas a ponte é vigiada por soldados por ser um alvo militar. Meter polícias e tropas em exercício simultâneo de autoridade, é pedir confusão pela certa. Como ontem aconteceu!
Dirigia-me para Gumbo atrás de um camião. Parámos em frente do posto da polícia. O agente, fardado de branco, mandou-nos avançar. Espreitei pelo lado do camião para me certificar se a via estava livre. Não havia viaturas do outro lado.
Quase no final da travessia do rio, o camião à minha frente engrenou a marcha-atrás. E aparece um soldado esbaforido a esbracejar para recuarmos.
Quando regressei ao lugar do polícia de branco, perguntei-lhe qual era o problema. Furioso, explicou que um dos grandes da tropa decidiu atravessar a ponte e obrigou o trânsito a recuar para sua excelência passar.
Os militares em Juba são mesmo um desatino!

4 de março de 2007

Amor | Amizade

Um dia o Amor virou-se para a Amizade e perguntou:
- Para que existes tu se já existo eu?
A Amizade respondeu:
- Para repor um sorriso onde tu deixaste uma lágrima!
Obrigado, Margarida

Lua feiticeira


Esta noite a lua eclipsou-se. O fenómeno foi visível em Juba. O céu estava limpo e estrelado. Às duas da manhã a Lua cheia era um imenso disco laranja com uma pontinha amarela. Lindo de se ver!
Não fazia conta de me levantar para observar o fenómeno provocado pelo alinhamento da lua, da terra e do sol, com o planeta azul a cobrir o seu satélite com a sombra. Mas como não conseguia dormir, resolvi levantar-me e admirar o eclipse lunar. Valeu a pena.
Não sei se era do eclipse ou do calor, mas foi impossível dormir até às 4h00 da manhã. A vizinhança de Amarat, o bairro onde vivo, estava em festa em duas ou três frentes. Houve de tudo: música ao vivo, gravada, discursos, lengalengas que soavam a orações.

O meu colega alemão teve que colocar algodão nos ouvidos para poder ter algumas horas de sono e um hóspede disse que conseguiu descansar porque tomou três comprimidos para dormir.
Uma curiosidade: Amarat literalmente significa arranha-céu. Não sei de onde vem o nome: a casa mais alta é um modesto rés-do-chão e primeiro andar, ocupada por um dos comandantes do SPLA, o exército do Sul do Sudão.

Gumbo

© JVieira
Os Salesianos têm uma missão em Gumbo, a 15 quilómetros de Juba, na margem sul do Nilo Branco.
A paróquia, dedicada a São Vicente de Paulo, entrou em decadência nos anos noventa. O Exército de Resistência do Senhor (LRA), um grupo de guerrilha do Norte do Uganda com ligações ao Sudão, começou a atacar a área e os habitantes, da etnia Bari, trocaram Gumbo e pela segurança de Juba.
Hoje, Gumbo é uma pequena aldeia de palhotas baixas. A velha igreja está em ruínas e a comunidade reúne-se num pequeno salão numa planície de perder de vista, ressequida pelo sol abrasador.
Os salesianos querem construir uma escola, mas Gumbo ainda não é um lugar seguro. O último ataque do LRA aconteceu há dois meses. Depois disso, os guerrilheiros assinaram um cessar-fogo com o exército ugandês e iniciaram conversações de paz em Juba sob o patrocínio do Governo do Sul do Sudão. Entretanto, as conversações pararam e o período de tréguas acabou há dois dias.
Por enquanto, os missionários vivem em Juba e como o espaço para as celebrações é acanhado, estão a alargar as instalações provisórias.
Quando tenho saudades da Etiópia vou à missa a Gumbo. Não sei uma palavra de Bari, mas sinto-me em casa naquela comunidade.
A eucaristia em Gumbo é verdadeiramente um acontecimento. Os católicos de Juba são muito passivos durante as celebrações. As «despesas» da animação litúrgica ficam por conta do grupo coral.
Em Gumbo as pessoas cantam, batem palmas, com-celebram! A eucaristia é, de facto, uma festa de acção de graças. Sinto-me lá muito bem e regresso à outra margem do rio da vida com o coração a transbordar de paz – como hoje.

3 de março de 2007

Projecto Rádio Bakhita

Ir. Cecília Sierra em diálogo com Grace © JVieira

FORMAÇÃO DE RADIALISTAS

Bakhita Radio 91 FM, a Voz da Igreja, foi inaugurada a 8 de Fevereiro de 2007, em Juba, no Sul do Sudão. Trata-se da emissora-mãe da Rede Católica de Rádios do Sudão, montada pela família comboniana e oferecida à Conferência Episcopal. As revistas Audácia e Além-Mar lançaram um projecto para co-financiar a formação de radialistas de Bakhita Radio 91 FM, a Voz da Igreja.

A primeira e única emissora católica na história sudanesa iniciou as emissões experimentais na noite de Natal. Depois da inauguração, Bakhita Radio emite regularmente das 17h00 às 21h00. O período de emissão será alargado quando a rede eléctrica de Juba entrar em funcionamento.
A programação abre com a leitura do Evangelho do dia e uma reflexão. Juventude, acordo global de paz, evangelização, mulher, infância, informação e música religiosa e africana são alguns dos programas da grelha.
Os programas são pré-gravados em inglês e árabe. Bakhita Radio informa, ilumina e educa os ouvintes nas áreas humanas, sociais, religiosas, culturais e políticas com um cunho particular na construção da paz, cura de traumas e reconciliação. O Sul do Sudão acaba de sair de uma guerra civil de 21 anos.
Os funcionários da Bakhita Radio – quatro raparigas e nove rapazes – são jovens sudaneses que fazem formação enquanto produzem os programas diários. A guerra civil destruiu a estrutura de ensino superior.
Os programas de formação são orientados pelo pessoal comboniano da emissora: a irmã Cecilia Sierra, directora da estação, e o padre José Vieira, encarregado da informação.
A administração de Bakhita Radio pede a colaboração dos leitores da Audácia e da Além-Mar para co-financiar o programa de formação dos seus radialistas: material didáctico, alimentação, ajuda para transportes e incentivo mensal.
Com o projecto 2/2007 propomos colaborar com 5000 euros para o co-financiamento das acções formativas de Bakhita Radio, em Juba, no Sul do Sudão.

Para colaborar no projecto de Além-Mar e Audácia para a formação dos radialistas da Bakhita Radio, clique aqui!

1 de março de 2007

Abrir aspas

O PRANTO DA AREIA

Assim que chegou a Marrakesh, o missionário resolveu que passearia todas as manhãs pelo deserto que ficava nos limites da cidade. Na sua primeira caminhada, notou um homem deitado nas areias, com a mão acariciando o solo, e o ouvido colado na terra.
"É um louco", disse para si mesmo.
Mas a cena repetiu-se todos os dias, e passado um mês, intrigado com aquele comportamento estranho, ele resolveu dirigir-se ao estranho. Com muita dificuldade – já que ainda não falava árabe fluentemente – ajoelhou-se ao seu lado.
- O que estás a fazer?
- Faço companhia ao deserto, e o consolo por sua solidão e suas lágrimas.
- Não sabia que o deserto era capaz de chorar.
- Ele chora todos os dias, porque tem o sonho de tornar-se útil ao homem, e transformar-se num imenso jardim, onde se pudesse cultivar cereal, flores, e carneiros.
- Pois diga ao deserto que ele cumpre bem a sua missão – comentou o missionário. – Cada vez que caminho por aqui, entendo a verdadeira dimensão do ser humano, pois o seu espaço aberto me permite ver como somos pequenos diante de Deus.
"Quando olho as suas areias, imagino as milhões de pessoas no mundo, que foram criadas iguais, embora nem sempre o mundo seja justo com todos. As suas montanhas me ajudam a meditar. Ao ver o sol nascendo no horizonte, minha alma se enche de alegria, e me aproximo do Criador."
O missionário deixou o homem, e voltou para os seus afazeres diários. Qual foi sua surpresa, na manhã seguinte, ao encontra-lo no mesmo lugar, e na mesma posição.
- Você comentou com o deserto tudo que lhe disse? – perguntou.
O homem acenou afirmativamente com a cabeça.
- E mesmo assim ele continua chorando?
- Posso escutar cada um de seus soluços. Agora ele chora porque passou milhares de anos pensando que era completamente inútil, e desperdiçou todo este tempo blasfemando contra Deus e seu destino.
- Pois conte para ele que, apesar do ser humano ter uma vida muito mais curta, também passa muitos de seus dias pensando que é inútil. Raramente descobre a razão do seu destino, e acha que Deus foi injusto com ele. Quando chega o momento em que, finalmente, algum acontecimento lhe mostra o porque de ter nascido, acha que é muito tarde para mudar de vida, e continua sofrendo. E como o deserto, culpa-se pelo tempo que perdeu.
- Não sei se o deserto ouvirá – disse o homem. – Ele já está acostumado com a dor, e não consegue ver as coisas de outra maneira.
- Então vamos fazer aquilo que eu sempre faço quando sinto que as pessoas perderam a esperança. Vamos rezar.
Os dois ajoelharam-se e rezaram; um virou-se em direcção a Meca porque era muçulmano, o outro colocou as mãos juntas em prece, porque era católico. Rezaram cada um para o seu Deus, que sempre foi o mesmo Deus, embora as pessoas insistissem em chamá-lo por nomes diferentes.
No dia seguinte, quando o missionário retomou a sua caminhada matinal, o homem não estava mais lá. No lugar onde costumava abraçar a areia, o solo parecia molhado, já que uma pequena fonte tinha nascido. Nos meses que se seguiram, esta fonte cresceu, e os habitantes da cidade construíram um poço em torno dela.
Os beduínos chamam o lugar de "Poço das lágrimas do deserto". Dizem que todo aquele que beber de sua água, irá conseguir transformar o motivo do seu sofrimento, na razão da sua alegria; e terminará encontrando seu verdadeiro destino. "

Paulo Coelho
Shukran, Nyny

Juba

Nilo Branco © JVieira