9 de outubro de 2025

POBRE, EU TE AMEI


Aí está o primeiro grande documento de Leão XIV que também é o último de Francisco. O papa americano explica que o papa argentino tinha em mãos uma exortação apostólica sobre o cuidado da Igreja pelos pobres e com os pobres que ele assumiu, completou e hoje publica. Os Agostinhos, a que o papa Leão pertence, são uma congregação mendicante como os Franciscanos e Dominicanos, entre outras.

Chama-se DILEXI TE, «Eu te amei», e versa sobre o amor para com os pobres no seguimento de DILEXIT NOS, «Amou-nos» a exortação de Francisco sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus.

A exortação apostólica escrita a quatro mãos é um documento curto que começa e acaba com as palavras «Eu te amei» tiradas do Apocalipse de São João (3, 9), o último livro da Bíblia. Tem 121 parágrafos e 130 notas. As citações que apoiam o texto remetem sobretudo para o magistério de Francisco.

O documento pontifício abre com uma curta introdução de três parágrafos e desenvolve o tema em cinco capítulos: Algumas palavras indispensáveis; Deus escolhe os pobres; Uma Igreja para os pobres; Uma história que continua; e, Um permanente desafio.

Deixa uma pergunta fundamental: «Muitas vezes pergunto-me, quando há tanta clareza nas Sagradas Escrituras a respeito dos pobres, por que razão muitos continuam a pensar que podem deixar de prestar atenção aos pobres» (nº 23).

 

Algumas pérolas

De uma leitura rápida do texto, respiguei algumas passagens-chave:

Os pobres são o caminho de santificação para os cristãos (cf. nº 3);

«Nos pobres, Ele [Jesus] ainda tem algo a dizer-nos» (nº 5);

«No rosto ferido dos pobres encontramos impresso o sofrimento dos inocentes e, portanto, o próprio sofrimento de Cristo» (nº 9);

«O serviço da caridade [é] o núcleo incandescente da missão eclesial» (nº 15);

«Ele [Jesus} apresenta-se ao mundo não só como Messias pobre, mas também como Messias dos pobres e para os pobres» (nº 19);

«A caridade é uma força que muda a realidade, um autêntico poder histórico de transformação» (nº 91);

«Torna-se normal ignorar os pobres e viver como se eles não existissem. Apresenta-se como uma escolha razoável organizar a economia exigindo sacrifícios ao povo, para atingir certos objetivos que interessam aos poderosos. Entretanto, para os pobres restam apenas promessas de “gotas” que cairão, até que uma nova crise global os conduza de volta à situação na qual estavam anteriormente. É uma verdadeira alienação que leva a encontrar apenas desculpas teóricas e não a tentar resolver hoje os problemas concretos daqueles que sofrem» (nº 93);

«Mesmo correndo o risco de parecer “estúpidos”, é tarefa de todos os membros do Povo de Deus fazer ouvir, ainda que de maneiras diferentes, uma voz que desperte, denuncie e se exponha. As estruturas de injustiça devem ser reconhecidas e destruídas com a força do bem, através da mudança de mentalidades e também, com a ajuda da ciência e da técnica, através do desenvolvimento de políticas eficazes na transformação da sociedade. É preciso recordar sempre que a proposta do Evangelho não é apenas a de uma relação individual e íntima com o Senhor» (nº 97).

«O cuidado com os pobres faz parte da grande Tradição da Igreja, como um farol de luz que, a partir do Evangelho, iluminou os corações e os passos dos cristãos de todos os tempos. Portanto, devemos sentir a urgência de convidar todos a entrar neste rio de luz e vida que provém do reconhecimento de Cristo no rosto dos necessitados e dos sofredores. O amor pelos pobres é um elemento essencial da história de Deus connosco e irrompe do próprio coração da Igreja como um apelo contínuo ao coração dos cristãos, tanto das suas comunidades, como de cada um individualmente» (nº 103).

«Com frequência, o bem-estar torna-nos cegos, a ponto de pensarmos que a nossa felicidade só pode ser alcançada se conseguirmos viver sem os outros. Nesse sentido, os pobres podem ser para nós como mestres silenciosos, reconduzindo o nosso orgulho e a nossa arrogância a uma conveniente humildade» (nº 108).

«Para nós, cristãos, a questão dos pobres remete-nos à essência da nossa fé. A opção preferencial pelos pobres, ou seja, o amor que a Igreja tem por eles, como ensinava São João Paulo II, “é decisivo e pertence à sua constante tradição, impele-a a dirigir-se ao mundo no qual, apesar do progresso técnico-económico, a pobreza ameaça assumir formas gigantescas”. A realidade é que, para os cristãos, os pobres não são uma categoria sociológica, mas a própria carne de Cristo. Com efeito, não basta limitar-se a enunciar de modo genérico a doutrina da encarnação de Deus. Para entrar verdadeiramente neste mistério, é preciso especificar que o Senhor se faz carne que tem fome e sede, que está doente e na prisão» (nº 110).

«Por vezes, em alguns movimentos ou grupos cristãos, nota-se a falta ou mesmo a ausência de compromisso pelo bem comum da sociedade e, em particular, pela defesa e promoção dos mais fracos e desfavorecidos. A este respeito, é preciso recordar que a religião, especialmente a cristã, não pode ser confinada à esfera privada, como se os fiéis não devessem interessar-se também pelos problemas relacionados com a sociedade civil e pelos acontecimentos que dizem respeito aos cidadãos» (nº 112).

«Convém dizer uma última palavra sobre a esmola, que hoje não goza de boa fama, frequentemente nem mesmo entre os cristãos. Não só é raramente praticada, como às vezes é até desprezada» (nº 115).

«O amor e as convicções mais profundas devem ser alimentados, e isso faz-se com gestos. Permanecer no mundo das ideias e das discussões, sem gestos pessoais, frequentes e sinceros, será a ruína dos nossos sonhos mais preciosos. Por esta simples razão, como cristãos, não renunciamos à esmola. Um gesto que pode ser feito de várias maneiras, e podemos tentar fazer de forma mais eficaz, mas que deve ser feito. E será sempre melhor fazer alguma coisa do que não fazer nada. Em todo o caso, tocar-nos-á o coração. Não será a solução para a pobreza no mundo, que deve ser procurada com inteligência, tenacidade e compromisso social. Mas precisamos de praticar a esmola para tocar a carne sofredora dos pobres» (nº 119)

«O amor cristão supera todas as barreiras, aproxima os que estão distantes, une os estranhos, torna familiares os inimigos, atravessa abismos humanamente insuperáveis, entra nos meandros mais recônditos da sociedade. Por sua natureza, o amor cristão é profético, realiza milagres, não tem limites: é para o impossível. O amor é sobretudo uma forma de conceber a vida, um modo de a viver. Assim, uma Igreja que não coloca limites ao amor, que não conhece inimigos a combater, mas apenas homens e mulheres a amar, é a Igreja de que o mundo hoje precisa» (nº 120).

«Quer através do vosso trabalho, quer através do vosso empenho em mudar as estruturas sociais injustas, quer através daquele gesto de ajuda simples, muito pessoal e próximo, será possível que aquele pobre sinta serem para ele as palavras de Jesus: “Eu te amei”» (Ap 3, 9).

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