14 de junho de 2023
ÁFRICA: A IGREJA COM QUE OS CATÓLICOS SONHAM
Duzentos e cinco delegados de todos os países africanos e ilhas, incluindo uma dezena de cardeais, quinze bispos, trinta e dois sacerdotes e dezasseis religiosas e religiosos, reuniram-se no início de Março em Adis-Abeba, a capital da Etiópia, para estudar em assembleia continental a síntese das respostas das dioceses e das conferências episcopais ao questionário para o Sínodo sobre a Sinodalidade.
O documento final da assembleia continental africana, em inglês, tem quase cinco mil palavras. Começa com uma introdução em pormenor sobre todo o processo sinodal, o método usado no discernimento (oração, silêncio e conversação espiritual), as três sessões (em Acra, no Gana, em Dezembro de 2022, Nairobi, no Quénia, em Janeiro deste ano, e, em Adis-Abeba, em Março passado) e as alegrias e dificuldades encontradas no exercício concreto da sinodalidade.
Adis-Abeba foi escolhida para acolher a assembleia continental porque, entre outros factores, é sede da União Africana – o organismo que reúne os países africanos, e a Etiópia acolhe as três religiões monoteístas (Judaísmo, Cristianismo e Islão) e é distinguida pela cultura do bem receber.
Intuições
O documento final apresenta uma lista de vinte intuições «que ecoam de um país para o outro». Faz referência às experiências de sinodalidade já presentes no continente com destaque para o Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar – SECAM (na sigla em inglês), outras conferências episcopais regionais e para as comunidades cristãs de base.
A assembleia contesta o ícone da tenda como a imagem principal para a sinodalidade, preferindo «a imagem da família de Deus onde cada um tem o seu lugar e responsabilidades de acordo com os valores da família». Sublinha que a Igreja africana para ser sinodal tem de ser uma Igreja que escuta e, como família de Deus, deve dar espaço a todos.
Mulheres, jovens e pessoas com deficiência são os seus grupos prioritários. O documento reconhece «a percentagem maioritária» das mulheres na Igreja africana e pede que façam parte das estruturas decisórias eclesiais. Os jovens, que fazem a maioria dos africanos e são vítimas do desemprego, querem mais visibilidade na Igreja. A assembleia faz a opção preferencial pela juventude africana, comprometendo-se a dar-lhe mais formação, ajudando-a a descobrir o valor do matrimónio e a dar-lhe voz e oportunidades para inovar na Igreja. As pessoas portadoras de deficiência devem ser valorizadas através de uma participação mais realçada.
No que diz respeito ao governo eclesial, o documento pede co-responsabilidade entre clero e leigos para aprenderem a nova cultura do «caminhar juntos através do discernimento e diálogo». Fala da necessidade de formação permanente para todos os católicos – leigos e clérigos – para aprenderem a caminhar juntos. Os pastores, por seu turno, devem assumir o método sinodal na sua vida e ministério para «adquirir a capacidade de escutar o Espírito de Deus e o povo».
O documento sonha com uma Igreja menos conservadora e menos clerical, capaz de aceitar novas ideias com grande abertura e atitude de aprendizagem, fundamentais para a manter relevante. Uma Igreja que reveja as posições em relação aos católicos marginalizados devido a matrimónios poligâmicos, divórcios, recasamentos e mães e pais solteiros.
Os temas incontornáveis da cultura e da liturgia são tratados em quatro parágrafos que sublinham a necessidade de escutar a cultura e convidam a modos diferentes de celebrar a liturgia «numa maneira culturalmente autêntica». Invocam a necessidade de dar mais atenção aos assuntos culturais para combater a marginalização das minorias e preconizam uma releitura da história indígena para recuperar e integrar as suas práticas de culto na liturgia e torná-la «mais contextual».
Finalmente, a prática da sinodalidade pode ajudar à unidade africana, que tem níveis de solidariedade fracos, oferecendo soluções africanas para problemas africanos. As autoridades eclesiásticas devem dialogar mais com o poder político, defendendo a boa governação e a justiça, que fazem parte do mandato missionário. Além disso, a Igreja tem de cuidar das necessidades espirituais e materiais das pessoas, seguindo o exemplo de Jesus.
Questões em aberto
O documento coloca seis questões sobre os mecanismos que cuidam do respeito pela diversidade das culturas; os meios para uma sinodalidade mais empática e mais solidária; e como tratar a tensão entre verdade e misericórdia, entre pertença à Igreja e não prática, entre autonomia e co-responsabilidade.
As outras três perguntas questionam aonde leva a sinodalidade no processo de escuta da diversidade em ordem a distingui-la da democracia, sendo que a linha entre diálogo, escuta e processo decisório é muito ténue; como é que as Igrejas locais podem actualizar os diversos tópicos discutidos na assembleia continental; e, finalmente, quais são os critérios para discernir e julgar no processo de escuta dos outros, do Espírito Santo e da Palavra de Deus.
Prioridades urgentes
O documento conclui apresentando oito prioridades urgentes relacionadas com a sinodalidade da comunhão, participação e missão que pedem resposta urgente da Igreja universal.
Elas incluem: o aprofundamento da sinodalidade católica de acordo com os valores da Igreja família de Deus enquadrando-a nas Escrituras, Tradição e Magistério da Igreja, a dignidade da vida e de toda a Criação; a escuta das vozes e valores da África no processo de elaboração doutrinal da Igreja; o compromisso com o ecumenismo na resolução de conflitos, luta contra o colonialismo económico, a exploração ilegal de recursos naturais na África e a promoção da boa governação, justiça e paz; a inculturação e renovação litúrgica «para responder à aspiração, participação e crescimento global dos fiéis africanos», porque em África o culto é uma experiência integral envolvendo a pessoa inteira: mente, espírito e corpo.
As outras quatro prioridades que a sinodalidade deve endereçar prendem-se com a necessidade da formação para transformar o modelo sinodal de liderança no modo pastoral da vida e prática da Igreja; alargar a subsidiariedade a todos os níveis da vida da Igreja para promover inclusão, participação e comunhão (sobretudo das mulheres, jovens e pessoas com deficiências); o cuidado pastoral da família e os desafios da poligamia, divórcio, recasamento, pais solteiros e a protecção das crianças; e, finalmente, a justiça ecológica e a salvaguarda da Criação como modo de vida da Igreja sinodal, porque os Africanos são as grandes vítimas da crise climática, embora quase nada tenham colaborado para essa situação.
O documento conclui com uma declaração importante: «A sinodalidade, fundada no amor e respeito por todos, engendrou um novo dinamismo através do Sínodo sobre a Sinodalidade. Este dinamismo deve ser sustentado para a sinodalidade se tornar numa identidade cristã (cf. João 13, 35), numa maneira de ser Igreja desde as bases até ao nível mais elevado. Isto só acontece se cada pessoa se abrir sinceramente ao Evangelho e ao Espírito Santo que acendeu esta sinodalidade como um novo caminho do Cristianismo no nosso tempo».
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