14 de março de 2022
MISSIONAR É… REZAR JUNTOS
O Papa Francisco escreveu que «precisamos de rezar, porque precisamos de Deus». Tal e qual! Sendo a missão testemunho do encontro com o Deus Unitrino que todos e tudo ama, é também oração, é rezar juntos.
Dia do Senhor. A oração mais importante que fazemos juntos é a Eucaristia dominical em memória da Ressurreição do Senhor que fez de nós criaturas novas. Os grupos corais ensaiam os cânticos no sábado. Nós preparamos a homilia, rezando a Palavra de Deus da missa de domingo. Nessa preparação tento encontrar um ditado guji que ilustre o tema da liturgia. O comboniano mexicano Pedro Pablo Hernández publicou uma recolha de provérbios gujis em guji, inglês e espanhol, ilustrados com fotos da sua autoria. É uma boa ajuda.
No domingo, enquanto as pessoas se vão juntando para missa o catequista dirige a oração da manhã e alguns mistérios do terço enquanto o padre atende de confissão quem quer. A liturgia é celebrada com calma e a missa pode demorar mais de duas horas. Além dos cânticos e das respostas, a assembleia participa com a oração dos fiéis e de agradecimento espontâneas. No ofertório as pessoas colocam ao pé do altar as suas oferendas: produtos agrícolas, dinheiro… Algumas deixam garrafas de água para serem benzidas no fim da missa.
No fim da Eucaristia os grupos corais das crianças, jovens e adultos cantam dois ou três cânticos cada um para a assembleia. A missa é sempre uma festa!
Na missão de Qillenso celebramos cinco missas dominicais: no sábado, ao fim do dia, com os utentes do centro de acolhimento das Missionárias da Caridade, em Adola; no domingo, nas igrejas de Qillenso e de Adola e em numa capela de cada zona. Durante a semana, celebramos a missa em cada capela de Qillenso. Em Qillenso, a missa de sexta-feira às 7h00 é sobretudo para as mulheres e a de sábado para os jovens.
Oração comunitária. São Daniel Comboni escreveu que «a omnipotência da oração é a nossa força». Por isso, além da oração pessoal, os dois missionários de Qillenso rezamos a oração da manhã às 6h45, na igreja, e a oração da tarde às 18h45, em casa. Todas as quartas-feiras fazemos uma hora de adoração pelas vocações entre as 18h00 e as 19h00 na igreja. A terceira quarta-feira do mês é uma jornada de oração. Os nossos colegas missionários, familiares, benfeitores e amigos espalhados pelo mundo inteiro estão presentes na nossa oração quotidiana.
Terço. Em Adola, costumamos rezar o terço todas as segundas-feiras às 17h00 com os moradores de um pequeno bairro social construído pelas Missionárias da Caridade. É uma hora que me enche e pacifica. O terço é cantado em tom monocórdico, tranquilo. No final, o catequista Petrosi ou o ancião Sholamo lêem o evangelho do dia e fazem uma pequena reflexão em amárico, a língua franca da cidade.
Via-sacra. Nas sextas-feiras da Quaresma os católicos reunem-se às três da tarde em cada capela para fazerem as estações da via-sacra, presidida pelo catequista. É uma forma de oração penitencial vivida intensamente.
Doentes. Visitar os doentes e rezar com eles e por eles é parte do nosso serviço missionário. Normalmente o catequista ou um ancião sinalizam alguém doente que queira a nossa visita. As pessoas gostam que lhes imponhamos as mãos durante a oração. Também nos convidam para uma oração de ação de graças quando a pessoa recupera a saúde.
Funerais. Quando alguém morre perto da missão, não importa de que religião, vamos visitar os doridos e permanecer com eles um bocado para os consolar com a nossa presença — quase sempre silenciosa. É costume servirem algo de comer e beber na mana bo’a, na casa do choro, como os gujis chamam à casa onde se juntam — normalmente uma tenda gigante — para celebrar a pessoa falecida. Quem participa colabora com algum dinheiro para cobrir a despesa da celebração. Aos católicos fazemos o funeral. No passado, as pessoas sepultavam os seus falecidos junto à casa; são parte da família. Agora, junto à igreja de Qillenso, há um pequeno cemitério em formação com quatro campas de cimento.
Bênçãos. Quando os exames do oitavo e décimo segundo ano e de entrada na universidade chegam os estudantes geralmente no fim da Eucaristia dominical ajoelham-se em frente ao altar para serem abençoados. Alguns depois passam por casa para benzermos as esferográficas e outros materiais com que vão fazer os testes.
Um católico que vai fazer uma casa nova, habitualmente pede para abençoarmos o terreno e o material de construção. A oração começa na casa velha com a leitura de um texto bíblico, uma pequena reflexão e uma oração partilhada pelos presentes. Depois benze-se a água para aspergir os membros da família, o terreno e os materiais. A celebração termina normalmente com uma pequena refeição de injera ou cocho, o pão feito de tef ou farinha de falsa banana com creme de leguminosas.
Oração solidária. Em Adola, ortodoxos, protestantes e muçulmanos competem através das ondas sonoras. Em vez de praguejar porque os clérigos ortodoxos me acordam às duas da manhã de domingo — ou nalgum dia de festa — junto às suas cacofonias um glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo. Também o faço quando o muezim chama os muçulmanos à oração pelo menos antes da alvorada e depois do crepúsculo. Chamo-lhe oração solidária.
Silêncio. A oração que mais me preenche é o silêncio contemplativo. Durante o dia, sentado num canto sossegado a escutar a polifonia alegre e cheia de vida dos pios, assobios e chilreios da passarada nesta nesga de floresta. À noite, sentado nos degraus da igreja, a contemplar o céu de veludo ponteado de estrelas, planetas, luas e satélites, riscado por estrelas cadentes, enquanto as cigarras, os grilos e as aves noturnas enchem o silêncio de música. Estamos a cerca de 2300 metros de altitude e não há poluição atmosférica ou luminosa: os corpos celestes parecem muito perto, quase à mão.
O teólogo alemão Karl Rahner escreveu que o cristão do século XXI ou será místico ou não será cristão. Eu ajunto: o missionário do século XXI ou é místico ou não é missionário.
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