11 de junho de 2020

PÃO PARA O CAMINHO


Celebramos a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo há 756 anos (com nomes diferentes) para sublinhar o lugar único da Eucaristia na vida do povo cristão. A celebração foi criada pelo Papa Urbano IV em tempos de crise sobre a presença real de Jesus no Sacramento do Altar. 

O Papa Francisco sublinha na exortação apostólica Querida Amazónia duas afirmações fundamentais sobre a Eucaristia: ela é fonte e cume de toda a vida cristã (nº 88, recordando o Concílio Ecuménico Vaticano II que afirma que «a Eucaristia aparece como fonte e coroa de toda a evangelização») e que é a Eucaristia que faz a Igreja (nº 89).

Estas duas afirmações atestam sobre a primazia essencial da Eucaristia na vida cristã: vivemos da Eucaristia e vivemos para a Eucaristia. Infelizmente, devido a uma certa esquizofrenia doutrinal há muita gente barrada desta fonte e desta meta, porque não há ministros ordenados solteiros suficientes ou porque vivem muitas pessoas em situações irregulares.

Há ainda aqueles que decidem autoexcluir-se do banquete que o Senhor prepara com o seu próprio corpo e sangue para o seu povo.

A participação na Eucaristia não é uma devoção opcional. Sentar-se à mesa da Palavra e do Pão é um ato essencial para a vida da comunidade que se reúne cada domingo para fazer memória da Páscoa do Senhor e para se tornar cada vez mais seu corpo aqui e agora.

«A Igreja vive da Eucaristia», escreveu São João Paulo II.

Moisés, num dos três grandes discursos de despedida do outro lado do Rio Jordão, diz ao povo para recordar o êxodo de 40 anos através do deserto.

Deus queria conhecer o íntimo do seu coração e alimentou-os com o maná desconhecido «para te fazer compreender que o homem não vive só de pão, mas de toda a palavra que sai da boca do Senhor».

No Evangelho, Jesus autoapresenta-se como o pão vivo descido do céu. Jesus tinha saciado uma multidão de vários milhares de pessoas com cinco pães de cevada – o pão dos pobres – e dois pequenos peixes que foram partilhados por um rapazito.

Pão e circo são votos garantidos. As pessoas, saciadas, queriam fazer Jesus rei. Ele retirou-se sozinho para um monte e depois regressou com os discípulos de barco a Cafarnaum.

As pessoas foram à procura de Jesus. Ele faz então o grande discurso sobre o pão da vida.

Jesus diz: «O pão que Eu hei de dar é a minha carne, que Eu darei para a vida do mundo».

Jesus explica assim o seu mistério pascal que recordamos e atualizamos em cada Eucaristia que celebramos: Ele oferece-se por cada um de nós.

As pessoas puseram-se a discutir as palavras de Jesus: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?». Não somos canibais…

A resposta de Jesus não deixa espaço para dúvidas: para termos a vida eterna em nós, para sermos ressuscitados temos de comer a carne do Filho do Homem e beber o seu sangue.

Através desse alimento verdadeiro permanecemos no Senhor, Ele em nós e viveremos por Ele; a carne e sangue do Senhor são o verdadeiro pão do Céu para vivermos para sempre, para vivermos do e com o Vivente.

A vida eterna que o corpo e sangue de Jesus alimentam não é um tempo futuro: já está em construção aqui e agora. Precisamos de comungar Jesus para sermos como Ele, para podermos viver o seu Evangelho no dia-a-dia.

O alimento que ingerimos é assimilado pelo nosso organismo para se transformar em energia. Quando comungamos o corpo e sangue do Senhor, assimilamo-lo em nós – a sua vida e o seu evangelho, os seus gestos – e temos a energia para viver o amor e a bondade ao seu jeito.

O Papa Francisco escreveu na exortação A alegria do Evangelho que «a Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos» (nº 47). Repetiu-o diversas vezes.

Construímos uma teologia da Eucaristia que afasta mais do que aproxima as pessoas da mesa eucarística. Jesus fala que os convidados para o banquete messiânico, as suas núpcias, não são os perfeitos, mas as pessoas com defeito – os pobres, aleijados, cegos e coxos – que estavam banidos da liturgia do templo.

Só têm de vestir a roupa de casamento, o traje nupcial, aceitar a viver uma relação amorosa com Jesus-esposo de cada um de nós.

É importante reconhecer que não nos bastamos a nós próprios: precisamos de Jesus, da sua força, da sua vida em nós para vivermos dele e com Ele.

Quando era adolescente li uma frase que ficou sempre comigo este tempo todo. O autor refletia sobre o que se passa na consagração: o pão e o vinho transformam-se no corpo e sangue do Senhor. Essa transformação é chamada de transubstanciação, mas tradições teológicas diferentes chamam-lhe nomes diferentes.

Esse autor escreveu que para ele não era importante o nome técnico do que se passa na consagração. O que importa é que o Espírito Santo que transforma o pão e o vinho no corpo e sangue do Senhor também é capaz de me transformar n’Ele.

Celebrar a Eucaristia em memória do Senhor – como ele nos mandou – é repetir os gestos da sua última ceia (que explicam o que se passou horas depois no monte Calvário).

É também estar disposto a oferecer a nossa vida pelos outros, aceitarmos ser pão repartido para a salvação do mundo de braços e coração escancarados.

A segunda leitura termina com uma expressão interessante: «Visto que há um só pão, nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo, porque participamos do mesmo pão».

Este pensamento de Paulo ensina duas coisas: que a eucaristia é o sacramento da nossa unidade; e que quando comungamos Jesus na Eucaristia nos comungamos uns aos outros, porque formamos o mesmo e único corpo de Cristo.

Comungar o outro é amá-lo como ele é, relacionar-se.

A Eucaristia tem também uma dimensão cósmica.

São Daniel Comboni conta numa carta ao pai que uma noite o barco da missão ficou preso num banco de areia no Nilo Branco pondo os missionários e a tripulação em grande perigo e à mercê de homens armados. De manhazinha cedo os missionários celebraram a Eucaristia a bordo.

«Pela manhã celebrou-se missa. Oh, que doce foi naquela difícil circunstância ter entre as mãos o Senhor de todos os rios e de todas as tribos da terra e pedir-lhe por nós e por nossas necessidades, pelos que estavam em perigo junto a nós, por vós, pelos que não o conhecem, por todo o mundo!» (E 256) – escreveu.

Jesus-Eucaristia é socorro para as horas difíceis, alimento para o nosso caminho, energia para o processo de cristificação que cada um de nós é chamado a fazer como cristão.

O cardeal José Tolentino Mendonça diz que «nós comemos Cristo para que seja Ele a base da nossa vitalidade. Para que a nossa vida, nas suas múltiplas expressões e sintomas, se torne reflexo da vida de Cristo em nós».

Que assim seja.

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