26 de abril de 2020

CAMINHAR COM O RESSUSCITADO


A narrativa da aparição de Jesus aos discípulos de Emaús (24, 13-35) é um ícone do caminho pessoal formado por percursos diversos que cada discípulo missionário é chamado a fazer com o Senhor ressuscitado na companhia de outros crentes. Um ícone que quero comentar amparado pelo testemunho de São Daniel Comboni (1831-1881)


1. A caminho


Cléofas e (muito provavelmente) a sua esposa estavam a caminho de Emaús, uma povoação a 60 estádios de Jerusalém, cerca de doze quilómetros. Conversavam e debatiam o que havia acontecido a Jesus: a sua prisão, condenação, morte, sepultura e o boato impossível de que Ele estava vivo! Estavam desiludidos: esperavam que Jesus resgatasse Israel das mãos dos romanos e ficaram espantados com a fala das mulheres que encontraram o sepulcro vazio.

Jesus encontra-se com eles no caminho da desilusão e do regresso pesaroso à vidinha do dia-a-dia. Acerta o passo pelo caminhar desiludido do casal. Faz perguntas sobre as palavras desassossegadas que trocam. A missão faz-se em saída, porque o Senhor saiu para salvar o seu povo (Habacuc 3, 13).

Comboni recorda-nos que a nossa vida – tal como a missão – é única e complexa, poliédrica: «O missionário deve estar disposto a tudo: à alegria e à tristeza, à vida e à morte, ao abraço e à despedida. E a tudo isso estou disposto também eu».


2. As Escrituras
O casal conta ao forasteiro tudo sobre a execução de Jesus de Nazaré, «profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo». Jesus explicou-lhes o que a Ele dizia respeito nas Escrituras por inteiro, de Moisés aos profetas.

A Palavra de Deus é o GPS, a chave de leitura, interpretação e discernimento de tudo o que vivemos. O mapa encriptado que nos leva ao Tesouro, à Pérola maior que procuramos e que vale mais que todo o resto.

Comboni anuncia a força da Palavra encarnada: «Para curar estas feridas abertas da humanidade, esta estridente injustiça, há apenas um meio: estabelecer nessas regiões a fé católica e pregar nelas o Evangelho de Jesus Cristo, que ensina a igualdade de todos, escravos e livres e que trouxe à Terra para todos a liberdade de filhos de Deus».


3. Partir o pão

Quando o casal chegou à sua aldeia – digo casal, porque tinham casa posta em Emaús e no tempo de Jesus não havia uniões homo – o forasteiro «fez menção de seguir adiante». Eles deram-lhe hospitalidade: «Fica connosco, porque é tarde e o dia já está a declinar».

O ressuscitado aceita o abrigo. Reclina-se com eles à mesa, toma o pão, abençoa-o, parte-o e dá-lho: os gestos que conjugam a Eucaristia no presente e revelam o Senhor vivo.

Diz Lucas: «Abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-no». É na Palavra e na Eucaristia que encontramos diariamente o Senhor ressuscitado: são a comida para o nosso caminhar.

Comboni é um missionário eucarístico. Um dia o barco Stella matutina ficou encalhado num banco de areia no Nilo Branco em grande perigo. O missionário encontrou na Eucaristia a força para aquele aperto: «Pela manhã celebrou-se missa. Oh, que doce foi naquela difícil circunstância ter entre as mãos o Senhor de todos os rios e de todas as tribos da terra e pedir-lhe por nós e por nossas necessidades, pelos que estavam em perigo junto a nós, por vós, pelos que não o conhecem, por todo o mundo!».


4. As mulheres


Os Evangelhos são unânimes num facto: as mulheres foram as primeiras testemunhas da ressurreição. Paulo, contudo, ao descrever as aparições do Ressuscitado, ignora este dado (1 Coríntios 15, 5-8).

As mulheres tiveram um papel preponderante no ministério de Jesus. Marcos diz que Jesus apareceu primeiro a Maria de Magdala e depois a dois discípulos que iam a caminho do campo, mas os companheiros, que viviam em luto e pranto, não acreditam (Marcos 16, 9-13): a dor turba-nos o olhar da fé.

Hoje, a presença das mulheres é aceite mais pelo lado da utilidade que por causa do génio do feminino.

Comboni reconhece o serviço único da missionária na África: «O omnipotente ministério da mulher do Evangelho e da irmã da caridade é o escudo, a força e a garantia do ministério do missionário».


5. Corações em fogo

Depois de reconhecerem o Senhor através do gesto eucarístico, comentam um para o outro: «Não nos ardia o nosso coração quando Ele no caminho nos falava, quando nos abria as Escrituras?».

O coração – mais que a cabeça – é o lugar do encontro com o Ressuscitado. Na Bíblia, pensamos com o coração e amamos com as entranhas. Metanoia, a palavra grega para conversão, mudança, convida-nos a ir para lá da mente.

Para Comboni, o coração é a porta da missão. Escreve no Plano para a Regeneração da África: «[o católico] levado pelo ímpeto daquela caridade que se acendeu com divina chama aos pés do Gólgota e, saída do lado do Crucificado, para abraçar toda a família humana, sentiu que o seu coração palpitava mais fortemente; e uma força divina pareceu empurrá-lo para aquelas bárbaras terras, para apertar entre os seus braços e dar um ósculo de paz e de amor àqueles infelizes irmãos seus.»



6. Regressaram a Jerusalém
Depois, «levantando-se, nessa mesma hora voltaram para Jerusalém». O encontro com o Senhor ressuscitado na Palavra e no partir do Pão devolve os discípulos à comunidade dos crentes e à missão. A urgência é enorme a ponto de arriscarem voltar a fazer uma dúzia de quilómetros de noite – um perigo – para a partilha dialógica das experiências do Ressuscitado.

O ritual da missa, na edição típica latina, termina com as palavras «Ite missa est»; «Ide, é a missa». A missa continua depois da missa, a missa envia em missão.

Esta é também a experiência de Comboni: «Estas práticas ordinárias de piedade realizadas em comum mantêm muito bem o espírito dos membros da missão, fortalecendo-os e tornando-os capazes de suportar com ânimo alegre os grandes sofrimentos, os incómodos, as difíceis e perigosas viagens e as cruzes inevitáveis em tão árduo e laborioso apostolado».

A missão parte do encontro com o Senhor ressuscitado nos caminhos da vida, na escuta da Palavra e na partilha do Pão. Desenvolve-se no testemunho comunitário de que o Senhor está vivo e quer-nos vivos e felizes, das mar

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