9 de abril de 2020
AMOR BRUTAL
O evangelista São João começa a narrativa da paixão, morte e ressurreição do Senhor com uma frase arrepiante: «Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim» (João 13, 1).
Há outras traduções para sublinhar o amor final de Jesus por nós: «até ao extremo», «até à consumação».
O amor de Jesus não é um amor meloso, cor-de-rosa com música ambiente. É vermelho de sangue, de entrega incondicional gritada em abandono total. Um amor final, extremo, consumado e consumido.
É este amor brutal que explica os acontecimentos que rememoramos, revivemos no tríduo pascal: a instituição da Eucaristia e do sacerdócio ministerial e a agonia do Senhor (Quinta-feira Santa), o seu processo, condenação, paixão, morte e sepultamento (Sexta-feira Santa) e a sua ressurreição dos mortos (vigília do Domingo de Páscoa).
Hoje recordamos a última ceia do Senhor, celebrada no salão de cima de uma casa emprestada em Jerusalém.
Durante a ceia, Jesus partilha o pão e o vinho, o seu Corpo e Sangue, com o mandamento de o fazer em sua memória, ritualizado na celebração eucarística.
João, setenta anos depois do mistério pascal do Senhor, em vez disso recordou o lava-pés. Jesus faz aos discípulos o serviço de um escravo – ou de uma mulher ou esposa nalgumas culturas.
Pedro não acha piada: não quer que Jesus lhe lave os pés – somos tão autossuficientes e custa-nos tanto reconhecer que precisamos uns dos outros! – e depois quer banhinho completo.
Jesus explicou o seu ato: «Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu vos fiz, vós façais também» (João 13, 15).
O nosso ser cristão passa pela lavagem dos pés uns aos outros. Somos lavadores de pés!
Este ano ficamos em casa, não podemos ir à igreja às cerimónias. Nas celebrações que os padres hoje fazem em privado ou com uma assistência reduzida a duas ou três pessoas não vai haver o lava-pés?
Vai sim! O pessoal de saúde e de emergência médica a tratar as vítimas da pandemia, os bombeiros, os farmacêuticos, as pessoas que mantêm os serviços de abastecimento a funcionar, que arriscam contaminação, estão a repetir o gesto de Jesus, estão a lavar-nos os pés!
São eles nesta Quinta-feira Santa que fazem o rito do lava-pés não em representação litúrgica, mas realmente, ao vivo e em direto. Para elas e eles vai todo o meu afeto!
Uma última nota. João escreve que estando à mesa, Jesus tirou as vestes e tomando uma toalha, atou-a à cintura e secou com ela os pés dos discípulos. No fim, voltou a colocar as vestes por cima da toalha.
A toalha, um pano ou avental de linho grosseiro, foi o único paramento que Jesus usou. Não tinha nem rendinhas nem debruados a ouro, só o cheiro e a humidade dos pés dos discípulos. E Jesus foi com esse paramento para a sua paixão.
Brilhante e inspiradora reflexão!
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