17 de março de 2016

MISERICORDIADOS PARA MISERICORDIAR


O Papa Francisco pôs, desde o início do seu pontificado, toda a Igreja a misericordiar, um verbo novo que é tão eterno como o próprio Deus.

O tema da misericórdia é para o Papa Bergoglio um tema essencial, fundante, seminal. Escolheu-o como mote episcopal e papal: miserando atque elegendo (com misericórdia, escolheu-o), uma frase tirada do sermão de São Beda Venerável sobre a vocação de Mateus. Um tema essencial para o Papa argentino, porque é a chave para entrar no mistério do Deus da aliança que se revela a Moisés como «SENHOR! SENHOR! Deus misericordioso e clemente, vagaroso na ira, cheio de bondade e de fidelidade» (Êxodo 34, 6).

A vocação é um acto de amor e de misericórdia da parte de Deus-Trindade. Ao responder «Eis-me aqui» aceitamos explicitamente a misericórdia do Senhor, que no seu amor, nos chama a anunciar e viver: misericordiados para misericordiar. Somos todos missionários da misericórdia, «misericordiosos como o Pai» (Lucas 6, 36).

O Senhor chama-nos, consagra-nos, faz-nos sagrados, separados com Ele, quer-nos para si para nos devolver inteiros e por inteiro uns aos outros. As obras de misericórdia corporais e espirituais são actos de adoração ao Senhor da Vida através do serviço concreto aos mais necessitados: os famintos, sedentos, nus, peregrinos, enfermos, presos e mortos; os mal-aconselhados, ignorantes, errantes, tristes, injuriosos, fracos, vivos e defuntos.

Ao proclamar o Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco pôs na ordem do dia um tema fundamental do Cristianismo: a misericórdia, coração sensível que se dá aos míseros, que atravessa e permeia a experiência cristã: «A misericórdia é o primeiro atributo de Deus. É o nome de Deus», afirma o papa argentino.

A misericórdia é também palavra transversal e convergente da oração da liturgia, termo que qualifica a relação de Deus com cada pessoa e com toda a criação. Neste ano jubilar, tenho dado conta como a palavra misericórdia está frequentemente nos nossos lábios para preencher a nossa mente e o nosso coração: na Eucaristia, nos Salmos, nas orações várias…

Repetir Kyrie eleison, ao ritmo lento da respiração sossegada e do coração tranquilo, pode ser o mantra do ano santo, o respiro de uma vida inteira.

A misericórdia é o caminho para nos tornarmos mais como Deus: ao «Sede perfeitos como o Pai do Céu é perfeito» (Mateus 5, 48), Lucas contrapõe «Sede misericordiosos como o Pai» (Lucas 6, 36), a palavra de ordem para este ano santo.

A misericórdia é também um tema eminentemente comboniano. São Daniel Comboni usa o termo misericórdia(s) e misericordioso/a(mente) 87 vezes nos Escritos (E).

Transcrevo dois breves trechos que nos abrem outras tantas perspectivas para misericordiar em chave comboniana: «O missionário confia na misericórdia de Deus e, disposto à luta, parte para o campo de trabalho guiado pela esperança, que não o abandona nunca» (E 4946); «Deus é misericórdia, caridade e justiça, e saberá tirar destas providenciais vicissitudes o maior bem para a África» (E 6098).

Os nossos líderes recordaram na Carta à Família Comboniana no Jubileu da Misericórdia – que escreveram para propor «uma jornada de oração-contemplação da Misericórdia de Deus em Comboni» a 17 de Março, – que a oração pessoal, a vida sacramental, a direcção espiritual e o encontro com os irmãos são as avenidas que nos levam à casa grande da misericórdia de Deus.

Não há uma misericórdia desencarnada, asséptica, etérea: Deus dá-no-la mediada, suada, sofrida, reciprocada, através da mística do encontro, porque nos carregamos mutuamente no coração. É o traje eclesiástico que nos distingue: «revesti-vos, pois, de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro» (Colossenses 3, 12-13).

O comboniano vive sob o olhar misericordioso de Deus e da comunidade: «o dom da misericórdia torna-nos capazes de sair de nós mesmos, de viver gestos de ternura e de ser caridosos entre nós: ou seja, de realizar obras de caridade espiritual e corporal entre nós», recordam os nossos líderes. E começa em casa!

Finalmente, justiça e misericórdia parecem dois temas difíceis de conciliar, mas são a cara e a coroa do único mistério de Deus. «A justiça é mais justa com misericórdia», disse o Papa Francisco.

Comboni intuiu a ligação intrínseca entre misericórdia e justiça: «Deus é misericórdia, caridade e justiça», escreveu (E 6098). E rezou a Maria durante a visita que fez ao Santuário de Nossa Senhora de La La Salete, na França: «Virgem divina, […] vieste aqui para transformar a justiça em misericórdia» (E 1640).

Que a Paz do Ressuscitado e a sua misericórdia estejam contigo nesta Páscoa e sempre.

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