2 de março de 2016

CONTINENTE (TELE)MÓVEL


A rede móvel revolucionou as telecomunicações e a vida em África das megacidades à aldeia mais perdida.

Vivi na Etiópia durante os últimos oito anos da década de 1990. Nessa altura, para fazer uma chamada tinha de andar 80 quilómetros até ao posto telefónico mais próximo. Entretanto, os feixes hertzianos chegaram e já podia telefonar de casa, mas só de dia: o sistema era alimentado por energia solar e as baterias não carregavam para assegurar ligações nocturnas.

Voltei à África seis anos mais tarde e encontrei uma revolução no sector das telecomunicações com a introdução das redes móveis de telefone. Hoje, mais de 630 milhões de africanos usam telemóvel. No virar da década, serão 930 milhões. Aparelhos baratos (sobretudo cópias vindas da China) democratizaram o seu uso. O sector dá emprego a cinco milhões de pessoas e gera 13,8 mil milhões de euros por ano em taxas para os cofres públicos.

Um estudo recente do Pew Search Center indica que 80 por cento dos africanos usam o telemóvel para enviar mensagens, 53 por cento fazem fotos e vídeos e 30 por cento transferem dinheiro através dele. Só 19 por cento se ligam às redes sociais via celular.

Os telemóveis produziram uma viragem radical na vida dos africanos das grandes cidades às aldeias mais remotas. Ilustro três áreas em jeito de exemplo: economia, agricultura e serviço público.

No Quénia, um operador de redes móveis criou o M-Pesa, um serviço de transferências de dinheiro via SMS que movimenta anualmente o equivalente a mais de 22,8 milhões de euros por cerca de 20 milhões de assinantes. É um serviço muito útil para quem está de fora do sistema bancário: os assinantes recebem salários, pagam contas e recolhem pagamentos através de uma simples SMS.

Os agricultores das zonas remotas podem seguir os preços do mercado pela rede móvel e fazer melhores negócios. E também melhorar a produção: o biólogo e investigador português Fernando Miguel Sousa criou um programa para telemóveis para ajudar os produtores de algodão do Sul do Burkina Faso a melhorar solos e modos de cultivo.

O telemóvel também é útil para divulgação de mensagens de interesse público como campanhas de vacinação. No Sudão do Sul, uma organização não-governamental criou uma ferramenta de SMS para receber relatórios sobre casos de violência sexual e de género.

Prevê-se que o acesso à Internet através dos telemóveis aumente até vinte vezes nos próximos quatro anos, na África. Hoje, só 15 por cento usam a net nos celulares, mas o preço dos smartphones e da transferência de dados hão-de baixar.

A expansão do acesso à Internet coloca alguns desafios com o franquear das portas a áreas problemáticas como a pornografia, o jogo e negócios ilícitos. Alguns governos tratam o sector com suspeição e à mínima perturbação social desligam os serviços de SMS ou mesmo todas as redes. São males colaterais da revolução que transformou a África no continente móvel. Até porque, se não houver rede, o celular é um leitor de música barato para alegrar a vida!

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