5 de janeiro de 2015

ROSAS & ESPINHOS


As flores são bonitas e podem produzir riqueza, mas também podem ser um problema. Por exemplo, as da África Oriental, que chegam a Portugal.

Em Dezembro de 2005 visitei a Etiópia com dois jornalistas amigos. Enquanto viajávamos de Adis-Abeba para Awassa, chamou-me a atenção uma linha extensa de estufas que não estavam junto ao lago Zwai cinco anos antes, quando deixei o país. A maioria estava ainda em acabamento, mas algumas já estavam a operar. Como sou muito curioso parei e fui ver o que crescia nelas. Eram flores!

A floricultura é uma indústria que está a criar grandes raízes na África Oriental, sobretudo no Vale de Rift, que também é o berço da humanidade. O Quénia está à cabeça da produção: em 2014, exportou 125 mil toneladas de flores, sobretudo para a Europa, e embolsou 432 milhões de euros. As flores sustentam cerca de dois milhões de famílias quenianas.

Mas a Etiópia está a posicionar-se como concorrente directa do Quénia: a mão-de-obra é mais barata, há mais segurança para os trabalhadores estrangeiros e o Governo está a incentivar o investimento internacional com um pacote de benesses: não cobra impostos durante cinco anos nem custos alfandegários à maquinaria importada e facilita o acesso ao crédito. O clima e a abundância de solos e de água são outros argumentos de peso.

Em 1997, o país tinha duas pequenas companhias privadas a produzir flores, mas hoje conta com 84 – 70 delas com capitais estrangeiros, sobretudo da Holanda, Índia, Reino Unido e Grécia.

Setenta por cento das flores da Etiópia acabam na Holanda, mas também na Nigéria, Sudão e Omã. A Portugal chegam, através da Holanda, rosas, próteas, hibiscos, helicónias, cravos. Em 2001, a indústria facturou 537 mil euros. Dez anos depois já ia nos 145 milhões. Em 2016, projecta ganhar 448 milhões. Nos últimos cinco anos, criou cem mil postos de trabalho, sobretudo para mulheres, e reduziu a taxa de criminalidade.

A Etiópia é o segundo produtor africano e o quarto mundial não europeu de flores. Tanzânia, Uganda, Ruanda, Zimbabué, Namíbia e África do Sul são outros países africanos com alguma expressão produtiva.

Mas as rosas têm espinhos e a floricultura não foge à regra. As condições de trabalho nas estufas são precárias, muitos trabalhadores recebem menos de um euro por dia e não têm equipamento adequado para manusear os químicos que os envenenam e aos solos e águas. As mulheres não têm direito a licença de parto e arriscam-se a perder o trabalho quando dão à luz. Os trabalhadores vivem alojados em instalações superlotadas e inadequadas, o que pode levar à difusão da sida.

Por outro lado, a indústria necessita de muita água – um pé de rosa «bebe» um litro e meio por dia e o Quénia produz 72 milhões por ano (um terço chega à Europa) – e não é amiga do ambiente. O lago de Naivasha, no Centro do Quénia, alimenta a produção intensiva de flores e o seu nível está a baixar, muitos peixes aparecem mortos e a vida selvagem diminui nas suas margens.

As flores são um produto de luxo e o seu mercado depende da disponibilidade financeira da Europa – que a crise do euro limitou – e dos preços do petróleo já que o seu transporte se faz exclusivamente de avião. A produção do Quénia registou uma quebra em consequência da retracção do mercado europeu e está a abrir-se à Rússia, ao Japão e à Coreia do Sul.

A indústria tenta soluções inovadoras para limitar os danos ambientais, e sobretudo a pressão de organizações não governamentais que a têm debaixo do radar, e melhorar as condições de trabalho.

No Quénia as rosas já são produzidas em caixas em vez do solo e usam cinzas vulcânicas como fertilizante, insectos para controlar pestes e fibras de coco para baixar o consumo de água. Os defensores da indústria sublinham que há uma grande procura de flores na Europa e que a sua criação na África Oriental, em lugar do Velho Continente, produz menos dióxido de carbono por haver mais luz e melhores temperaturas. Mas ainda se está longe de uma floricultura orgânica, amiga do produtor e do ambiente.

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