10 de outubro de 2014

COMO JESUS, COMO COMBONI


A Igreja «deu» à família comboniana a segunda parte do capítulo décimo do Evangelho segundo São João (versículos 11 a 16) para celebrarmos a solenidade de São Daniel Comboni, oferecendo o bom pastor do coração trespassado como o modelo de serviço missionário.

Jesus apresenta-se nesta porção dos Evangelhos como o pastor belo, o bom pastor que dá a vida (João 10:11), que oferece a vida pelas ovelhas (João 10:15). Antes tinha proclamado o coração do seu ministério: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (João 10:10).

Jesus cumpre a promessa de Deus ao seu povo através da profecia de Jeremias: «Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração» (Jeremias 3:15). Ele é o bom pastor do coração trespassado que nos envia para sermos sua presença no tempo e no espaço. Jesus é o belo pastor, o bom pastor, o grande pastor (Hebreus 13: 20), o supremo pastor (1 Pedro 5:4).

Antes de mais, Jesus recupera a figura do pastor. No seu tempo, o ofício de guardador de rebanhos tinha perdido a mística dos tempos antigos. Os pastores viviam com os rebanhos – e dos rebanhos – 24 horas por dia e não guardavam a pureza religiosa. Faziam parte dos excomungados, publicanos e pecadores, excluídos do templo.

Também distingue entre pastores e mercenários. São duas maneiras, duas atitudes de servir: o primeiro dá a vida, o segundo foge dos lobos «porque não se preocupa com as ovelhas.»

Por outro lado, Jesus é o pastor que conhece as ovelhas e elas o conhecem como ele e o Pai se conhecem mutuamente: dois planos numa teia tecida de linhas do mesmo conhecimento, que no dizer bíblico não é acumulação de informação, mas relação, intimidade, entranhamento.

A Regra de Vida dos Missionários Combonianos proclama no nº 21 que «o missionário comboniano é chamado a seguir Cristo, isto é, a estar com Ele e a ser mandado por Ele ao mundo, partilhando o seu destino.» E no nº 21.1 especifica que «o encontro pessoal com Cristo é o momento decisivo da vocação do missionário. Só depois de ter descoberto que foi amado por Cristo e conquistado por Ele, pode deixar tudo e ficar com Ele.»

Daí a necessidade de um serviço missionário de proximidade, sem distâncias higiénicas nem trincheiras ou barreiras. Escreve o Papa Francisco: «Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o “cheiro das ovelhas”, e estas escutam a sua voz» (A Alegria do Evangelho 24).

Jesus não mora preso num lugar, numa ideia. É caminho, saída. Tem outros redis a atender, outras ovelhas a reunir para que haja «um só rebanho e um só pastor» (João 10:16). Este é outro requisito do serviço missionário: deixar tudo – zonas de conforto, projetos pessoais, protagonismos pedantes – para se abrir ao projeto de Deus de construir uma família global através da comunhão, da inclusão, à volta do bom pastor do coração aberto que é nascente de vida e gruta de sossego para os cansados e oprimidos.

Estas foram também as atitudes que coseram a vida e a missão de São Daniel Comboni. A homilia que proferiu em Cartum a 11 de Maio de 1873 é um texto fundamental que deixa transparecer os seus valores referenciais. Cito três parágrafos:

«Tende a certeza de que a minha alma vos corresponde com um amor ilimitado para todo o tempo e para todas as pessoas. Eu volto para o meio de vós para nunca mais deixar de ser vosso e totalmente consagrado para sempre ao vosso maior bem. O dia e a noite, o Sol e a chuva encontrar-me-ão igualmente e sempre disposto a atender as vossas necessidades espirituais; o rico e o pobre, o são e o doente, o jovem e o velho, o patrão e o servo terão sempre igual acesso ao meu coração. O vosso bem será o meu e as vossas penas serão também as minhas» (Escritos 3158).

«Quero partilhar a vossa sorte e o dia mais feliz da minha existência será aquele em que eu possa dar a vida por vós. Não ignoro a gravidade do peso que lanço sobre mim, já que, como pastor, mestre e médico das vossas almas, terei de velar por vós, instruir-vos e corrigir-vos; defender os oprimidos sem prejudicar os opressores, reprovar o erro sem censurar o que erra, condenar o escândalo e o pecado sem deixar de ter compaixão pelos pecadores, procurar os transviados sem encorajar o vício: numa palavra, ser ao mesmo tempo pai e juiz. Mas resigno-me a isso, na esperança de que todos vós me ajudareis a levar este peso com júbilo e com alegria em nome de Deus» (Escritos 3159).

«Meus filhos, eu confio-vos neste dia solene à piedade dos Corações de Jesus e de Maria, e, no acto de oferecer por vós o mais aceitável dos sacrifícios ao Altíssimo Deus, rogo humildemente que seja derramado sobre as vossas almas o sangue da redenção, para as regenerar, para as sarar, para as embelezar na medida da vossa necessidade, a fim de que esta santa missão seja fecunda para a vossa salvação e para a glória de Deus» (Escritos 3164).

Leigas e leigos, seculares, irmãs e irmãos, padres: todos exercemos ministérios, somos servidores. O modelo do bom pastor do coração trespassado é o percurso ministerial que somos chamados a trilhar para sermos pastores segundo o coração de Deus.

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