8 de abril de 2025

A NEGA DO ARCEBISPO


 O arcebispo católico de Nairobi, Quénia, publicou uma declaração a pedir conformidade com as directivas da Conferência de Bispos Católicos do Quénia (KCCB na sigla em inglês) publicadas cinco dias antes sobre donativos de políticos à Igreja para evitar a sua politização e salvaguardar a independência.

A mensagem de Dom Philip Anyolo (na foto) foi publicada um dia depois de a paróquia católica de Soweto, na periferia leste de Nairobi, ter organizado a 17 de Novembro de 2024 uma iniciativa para recolha de fundos. Nesse domingo, a declaração dos bispos foi lida nas missas de todas as paróquias do Quénia. O presidente da República e o governador do condado de Nairobi marcaram presença no acontecimento – quiçá em jeito de provocação – e contribuíram com ofertas no valor de quase 21 mil euros. O presidente prometeu ajuntar outros 23 mil mais um autocarro.

William Ruto, presidente desde 2022, ofereceu 600 mil xelins quenianos ao coro e ao Conselho Missionário da paróquia e dois milhões para a construção da residência paroquial. O governador Saraja Johnson doou 200 mil xelins ao coro e ao órgão missionário. O presidente prometeu juntar mais três milhões para a construção da residência e oferecer um autocarro à paróquia.

O arcebispo escreveu que as ofertas à paróquia de Soweto eram ilegais de acordo com a lei queniana e com as directivas da Conferência Episcopal. «Estes fundos serão reembolsados aos respectivos doadores [...] e o prometido [...] para a construção da casa dos padres bem como a doação de um autocarro para a paróquia pelo Presidente são, assim, recusados», sentenciou.

Dom Philip, remetendo para a declaração da KCCB, pediu aos altos dirigentes da nação que exerçam uma liderança política ética tratando dos assuntos urgentes que os bispos assinalaram: querelas políticas, corrupção, políticas de interesses pessoais, violações de direitos humanos e de liberdade de expressão, cultura de mentiras, promessas não cumpridas, prioridades deslocadas, agendas egoístas e taxação excessiva dos Quenianos.

O arcebispo sublinhou que a Igreja Católica desencoraja o uso de iniciativas eclesiais como a recolha de fundos e outros ajuntamentos como plataformas de autopromoção política. «Políticos são instados a abster-se de tornarem o púlpito um palco de retórica política, porque essas acções minam a santidade dos locais de culto», frisou. Políticos são bem-vindos na Igreja como cristãos comuns para alimentarem o espírito.

Esta não é a primeira vez que os bispos quenianos terçam armas com o poder político. Em Abril do ano passado, criticaram o Governo pelo aumento dos vistos de trabalho dos missionários de 15 mil para 150 mil xelins (de 113 para 1124 euros), acusando o poder político de falta de gratidão.

O texto do arcebispo causou um impacto enorme nas redes sociais. Em África não é comum um responsável católico recusar frontalmente as benesses do poder político. O seu acto profético merece registo.

4 de abril de 2025

VIAJARES PÚBLICOS

 



A comunidade de Qillenso tem três viaturas ao seu serviço: um Land Cruiser de nove lugares com quase 500 mil quilómetros no corpo; um Land Cruiser de dois lugares e com metade da quilometragem; e um Hilux de cinco lugares ligeiramente menos rodado. 

O primeiro e o último estão na garagem. O maior sofreu um acidente e está à espera do dinheiro para o concerto e o motor do mais pequeno necessita de uma peça nova e estamos a recolher fundos para o poder reparar.

Com um carro para os três missionários a alternativa são os transportes públicos: motorizadas, tuque-tuques, carrinhas de transporte de passageiros e miniautocarros de «primeira classe», como proclamam orgulhosos na carroçaria apesar de muitos terem passado a idade da reforma.

Já os usei a todos. Não gosto das motas, porque me fazem doer a prótese na anca.

Os tuque-tuques são os favoritos. Estão concebidos para transportar o condutor no banco da frente e até três passageiros no de trás. Mas isso é, por estas bandas, manifestamente um subaproveitamento da viatura, um desperdício de espaço. Já me sentei com mais oito e até nove pessoas – condutor incluído – nalguns riquexós motorizados que a Índia deu ao mundo.

Alguns motoristas trazem na pequena bagageira uma tábua para colocar debaixo do seu assento e assim melhor acomodar três pessoas à frente. O banco de trás é para três passageiros, mas como os etíopes são magros, onde cabem três também cabem quatro – eu estrago a equação, mais dois – um de cada lado, de pé, rabos para fora – e entre os joelhos há espaço para mais dois ou três inclinados para a frente. 

O problema maior é o ar condicionado que funciona à temperatura ambiente: quente nas terras baixas e frio e muito arejado nas altas. Já apanhei algumas constipações à sua conta.

E a segurança! Com o condutor «espremido» entre dois passageiros mais alguns sacos de cereais ou outros produtos no chão, a condução é difícil e, às vezes, acidentada. Quando um tuque-tuque se despista lamentavelmente há mortes pela certa. Até porque os pilotos gostam de acelerar os seus bólides de três rodinhas.

Viajar nas carrinhas e camionetas de passageiros é mais quente e protegido, mas também tão apertado como nos tuque-tuques que aqui chamam de Bajaj, mesmo que seja fabricado pela TVS, que é concorrente da Bajaj. No fundo, é fazer a experiência de uma lata de sardinhas onde há sempre espaço para mais uma mesmo com a cabeça de fora.

O facto de a Etiópia ter vindo a experimentar problemas com o abastecimento de combustíveis também nos «empurra» para os transportes públicos quando o nível do gasóleo está demasiado baixo no depósito do todo-o-terreno. 

Não é clara a razão para os problemas com a distribuição de carburantes. O governo defende-se, apontando o dedo ao contrabando de combustíveis. São mais caros nos países vizinhos e os camiões cisternas acabam por lá. Por isso, quer colocar aparelhos identificadores de posicionamento para saber por onde andam e deixar de subsidiar os combustíveis.

Os postos de abastecimento estão em construção por todo o lado – e muitas vezes no meio de nada – mas a falta de gasóleo e gasolina faz-se sentir até em Hawassa, uma grande cidade onde alguns proprietários acabaram na prisão por contrabando.

Há quatro anos, um litro de gasóleo custava 28 birr (menos de 50 cêntimos do euro). Esta semana já passou os 110 (cerca de 85 cêntimos – no ano passado o birr foi desvalorizado para metade). Quando custava 100, antes do último aumento, na cidade vizinha – que não tem nenhum ponto de venda oficial – estava a 125 no mercado negro. A gasolina? Essa custa o dobro! Os tuque-tuques precisam de abastecimento local constante.

Viajar de transportes públicos pode ser arriscado, mas é interessante. As pessoas que não me conhecem geralmente ficam intrigadas por eu falar guji, a sua língua. Costumo explicar que sou guji como eles, mas quando nasci lavaram-me com lixívia e estragaram-me a pele!  Dá para dar uma boa risada – que sempre faz bem em ambientes tão acanhados – e pode ser ponto de partida para outras conversas.

Depois, há condutores que se recusam a aceitar o meu pagamento – aqueles que me conhecem – ou outros passageiros que me pagam o bilhete. Outros, tentam inflacionar a corrida. Da última vez que fui ao banco a Irba Muda, uma viagem de 25 quilómetros, paguei 70 birr pela ida. Na volta, outro condutor queria 150! Chamo-lhe a taxa da pele, que é bastante comum na Etiópia: os estrangeiros pagam mais. Paguei 80.